A emergência de iniciativas coletivas: entre conversas e debates

Por Marcos Sari e Daniele Marx, artistas organizadores do projeto “Meio”

Contato: projeto.meio@gmail.com

Site: projeto-meio.blogspot.com

Meio é um projeto iniciado na cidade de Porto Alegre em setembro de 2003. Transitando entre o anonimato e a experiência, o Meio pode ser definido como um espaço aberto à experimentação em que os colaboradores atuam com critério próprio em uma página em branco (tamanho meio A4). Processos guardados em gavetas, escritos, fotografias, projetos e esboços são algumas das colaborações ao longo destes anos.

A recente edição Meio-Volume I reúne uma compilação das dez edições anteriores. Acrescentamos a isso a inserção de textos de críticos, curadores e artistas, alguns já colaboradores e outros convidados para este volume.

Situamos a experiência do Meio como um trabalho em coletivo onde as intervenções dialogam e ideias são difundidas, independentemente de avaliação classificatória ou legitimadora da arte. O volume busca evidenciar a potencialidade de ações colaborativas no circuito da arte sem abrir mão de sua informalidade mais próxima à vida cotidiana.

A contemplação deste projeto no edital público Conexão Artes Visuais da Funarte veio retribuir a credibilidade daqueles que apostaram nesse trabalho possibilitando esta publicação de grande tiragem e distribuição. É com grande satisfação que elaboramos este projeto assumindo um compromisso com a arte do presente, ou seja, estimular o campo da pesquisa experimental, abrindo espaço para o debate e o intercâmbio de uma pluralidade de culturas. Almejamos assim enriquecer ainda mais o debate das produções contemporâneas.

A experiência de intenso labor no segundo semestre de 2010 para viabilizar o primeiro volume de compilação provocou-nos uma vontade de repensar o Meio considerando-o como um projeto.

 De início nossa vontade era a de criar uma iniciativa que estivesse situada no campo das artes visuais e que envolvesse outros artistas. Com o passar do tempo fomos construindo uma rede de colaborações, constituindo assim o “corpo” do Meio. Nesse processo inicial experimentamos ainda intuitivamente a possibilidade de construir uma proposição coletiva a partir de uma rede afetiva.

 Na primeira etapa do Meio buscávamos estabelecer uma base própria mais próxima de uma ação independente em relação ao sistema da arte, com uma tiragem não comercial, assumindo assim uma característica de publicação underground ou uma espécie de fanzine de arte contemporânea como passou a ser conhecido.

A partir da contemplação que obtivemos no edital Conexão Artes Visuais da Funarte, percebemos uma significativa mudança em relação à visibilidade e ao processo constitutivo do Meio em relação ao circuito institucional. Ainda assim, buscamos estabelecer nosso foco de interesse dentro de nossas próprias experiências enquanto artistas organizadores [1] ou “simplesmente artistas” [2], dando continuidade ao projeto de caráter independente, sem sede própria, fortalecendo assim nossos laços de proximidade com outras iniciativas, projetos e publicações.

Dentre uma serie de lançamentos [3] e conversas realizadas ao longo destes últimos meses destacamos os eventos ocorridos no Ateliê 397 (São Paulo), na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro) e na Arena (Porto Alegre). Pontuamos estes lugares porque na maior parte dos diálogos nos debatemos com uma grande variedade de questões. Dentre elas, o recente crescimento de iniciativas coletivas e sua fragilidade existencial.

Um destes casos foi à mesa no Ateliê 397 [4], onde compartíamos do energético vigor da produção da revista Tatuí [5], o processo mais experimental e “descomprometido” do Beco da Arte [6], e o lançamento e despedida da revista Número [7]. Já no debate sobre publicações independentes de artistas que ocorreu na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, organizado pelo Meio com a generosa colaboração dos artistas Ricardo Basbaum e Cristina Ribas, revisitamos com nostalgia a revista Item [8] e a importante função da Arquivista [9] mediante a fragilidade de tais iniciativas. Por ultimo ainda destacamos o encontro na Arena [10] onde compartilhamos com a artista Maria Helena Bernardes [11] a experiência de criar o caminho ao andar – isto é: nós como artistas tendo a capacidade de criar os próprios mecanismos de legitimação e construir nossa história.

Dito isso, acreditamos que “no meio da conversa há uma linguagem da arte, um lugar para a arte, um circuito de arte, uma política cultural para a arte, uma história da arte, uma economia da arte, uma coletividade de artistas (ou tudo isso no plural)” [12], e é com este espírito que pretendemos prosseguir.

Gostaríamos  de mencionar ainda parte da ideia de Jorge Menna Barreto no texto publicado para o Meio (volume I), onde citando Foucault está posto: “O impossível não é a vizinhança das coisas, é o lugar mesmo onde elas poderiam avizinhar-se” [13].  Jorge usa esta citação foucaultiana para manifestar sua sensação ao conhecer as primeiras edições do Meio deparando-se com variadas proposições que se sucediam em cada publicação. Usando ainda as palavras do próprio Jorge isso se dava “meio que por acaso, meio que sem ordem” [14].

Dito isso, o Projeto Meio mantém seu foco de interesse pela pluralidade e despretensão; isto é: uma maneira de estabelecer encontros e articular contatos com outros artistas propiciando a expansão de um horizonte próprio. Esta relação direta com sua parte constitutiva materializada no grande número de colaborações estabelece um funcionamento em que se conecta a diversos circuitos das artes visuais.

Notas

[1]. Definimos que ‘artista organizador’ é aquele ‘que exerce ou assume uma estrutura orgânica, capaz de “fomentar” artistas (ou pessoas interessantes) a instituições, projetos ou eventos, fazendo uso do processo em si como uma extensão do seu fazer.

[2]. Termo caro a Allan Kaprow, nos anos 60, para cujos trabalhos não se definiam por categorias ou tendo a forma como motor interno, atuam de modo intenso na formulação teórica e estética, estabelecendo outra complexidade entre a produção artística, a critica, a teoria e a historia da arte. FERREIRA, Gloria. Em meio aos sentidos da arte. Meio (volume I),2010,  pg. 06.

[3]. Os lançamentos oficiais do Meio (volume I) para o edital Conexão Artes Visuais também prezaram por uma parceria com iniciativas independentes: Atelier Subterrânea, Porto Alegre/ www.subterranea.art.br e Casa Tomada, São Paulo/ http://casatomada.com.br.

[4]. Ativo desde 2003, o Ateliê 397 funciona como um espaço independente em São Paulo atuando mais na organização de exposições/ www.atelie397.com.

[5]. Revista de crítica de arte com versões online e impressa, surgiu, no Recife, em 2006, a partir do encontro de críticos de arte em formação. Seu primeiro número, em forma de fanzine, foi concebido durante o SPA das Artes, sob a ideia de uma crítica de imersão, experimento de crítica de arte que pretendia não se vincular à concepção de distanciamento crítico/ http://revistatatui.com.

[6]. Surgiu em 2007 numa conversa informal entre artistas que discutiam os espaços possíveis para mostrarem seus trabalhos, quando decidiram abrir suas próprias casas para abrigarem suas exposições. No início de 2008 o Beco passou a ocupar o porão de uma casa localizada na Vila Mariana (SP) e começou a receber também exposições de artistas convidados. Tornou-se assim um espaço independente que apóia novos artistas, além de ser um ponto de encontro para a discussão das artes visuais. Agora, não mais com um espaço físico, o Becoencontra-se em reformulação, mas continua em ação com um de seus principais projetos: a editoração de publicações artísticas do próprio coletivo/ http://www.becodaarte.blogspot.com.

[7]. Revista de crítica de arte. Surgiu em 2003, organizada por um grupo de jovens críticos de arte de formações diversas: Afonso Luz, Cauê Alves, Daniela Labra, Guy Amado, José Bento, Taisa Palhares, Thais Rivitti, Tatiana Blass e Tatiana Ferraz. Encerrou suas atividades impressas em 2010 com a décima edição.

[8]. Revista lançada em 1995 por Eduardo Coimbra, Raul Mourão e Ricardo Basbaum. Atualmente desativada a Item abrangia diferentes temas em cada edição, dentre eles: textos de artistas, música, tecnologia e sexualidade.

 [9]. Trata-se de um arquivo independente, de interesse público. O marco temporal dos materiais arquivados são ações realizadas no Brasil inscritas no > CAMPO a partir de meados de 1998 quando se observa não só neste território uma mobilização diferencial na criação e coletivização da ARTE em contato intenso com demais práticas artísticas, comunicativas, criativas e expressivas que constituem uma > ESFERA PÚBLICA. O Arquivo de Emergência é uma forma particular de agenciamento artístico, visto que não é exatamente uma obra de arte http://arquivodeemergencia.wordpress.com.

 [10]. É uma associação cultural sediada em Porto Alegre dedicada a promover cursos e projetos artísticos de seus associados, apoiando a difusão de iniciativas culturais de artistas e pesquisadores da comunidade. Tem também como meta contribuir na formação teórica, mantendo programas de ensino e debates nas áreas de artes e humanidades/ www.arena.org.br.

[11]. Sócia diretora da Arena, artista, professora e co-autora do projeto Areal em parceria com o artista André Severo.

 [12]. GOTO, Newton. Da paisagem trouvée ao território inventado: observações sobre os circuitos de arte contemporânea no Brasil. Tatuí 00, 2010, p.10.

 [13]. BARRETO, Jorge Menna. Focault, Borges, a página, uma vizinhança, desordem, 1996, o projeto, prefácio, a língua e um deus infantil. Meio (volume I), 2010, p.87.

 [14]. Id.,2010, p.87.

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