Entrevista: Rafael Gloria e Thaís Seganfredo
Fotos: Anselmo Cunha
O Nonada foi atrás de todos os candidatos para conversar sobre cultura e direitos humanos, temas que sempre são pouco explorados na maioria dos debates ou até em planos de governos. As perguntas foram as mesmas para todos e relacionadas a entender como cada candidato compreende a cultura e a forma como se deve trabalhar com os expoentes e agentes que formam a sua cadeia produtiva. Mas também como eles entendem a cultura em um sentido mais amplo, ligada aos costumes e à sociedade. Outro fator crucial para o Nonada também foi descobrir como pretendem tratar grupos identitários e se vão investir na mídia alternativa.
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Nonada – Qual o seu entendimento por cultura? E qual deve ser o papel do Estado no desenvolvimento cultural?
Melo – Primeiro, a cultura move o mundo, né? Consequentemente, move a nossa cidade e eu concebo o poder público não como produtor de cultura, mas como fomentador. E existem várias cidades dentro da mesma cidade em todas as áreas. E, se for prefeito, vou dar uma atenção muito especial à área cultural no que diz respeito à descentralização, porque tem muitos talentos na cidade que precisam ter oportunidades. Seja na rede municipal, na rede estadual, centros comunitários e, muitas vezes, por falta de oportunidade esses talentos não brotam.
Nós temos hoje uma política em que todas essas questões de investimento passam pelo Orçamento Participativo (O.P), mas tem uma coisa que eu acho que tem que dialogar com o O.P da cultura porque, por exemplo, eles têm uma oficina para uma determinada região um ano. Aí no outro ano, eles mudam a temática. Se o orçamento participativo entender que a temática é outra e a cultura um outro tipo tu perde aquela conexão que tu tinhas. Então, eu pretendo nesses editais que a prefeitura faz ter um tempo maior para esses projetos. A descentralização da cultura será uma prioridade.
Agora, é claro que eu vejo as questões de coisas bem práticas: as casas de leitura, por exemplo. Hoje a juventude não quer ler, né? Então, eu acho que nas vilas populares especialmente toda vez que tu puderes colocar uma biblioteca para leitura, é bom. Outra coisa que eu acho importante e que humanizaria, porque a cultura tem esse fator de inclusão e de segurança pública. Então, por exemplo, se tu tiveres uma rotina na esplanada da Restinga, um show por mês variadamente tu vais saber que aquele espaço público vai ser bem aproveitado. Isso vale para o Sarandi, para o Partenon, quer dizer, ter uma certa rotina cultural e aproveitando inclusive aquilo que tem na vida privada, por exemplo. Eu vou escalar a banda municipal para uma programação cultural na cidade. Eu acho que ela é uma banda que se apresenta bem e eu tenho certeza de que ela vai lotar espaços, mas isso pode valer, por exemplo, para o Coral do Zaffari, coral da Santa Casa, ou seja, vários ativos culturais que você tem como a orquestra de cordas.
Mas eu queria levantar outros dois outros temas que acho que são importantes também. Estou convencido de que a gente precisa fazer uma parceria público-privada no Porto Seco. Uma obra necessária e importante que não pode ser destinada só ao carnaval. O carnaval também está nesse contexto, mas tu tens que buscar fazer uma obra de parceria público-privada, na qual o empreendedor tenha retorno, mas tu tens que ter uma contrapartida social o ano inteiro. E, é claro, se tu tens um complexo que vai acolher shows privados, por exemplo, claro que o empreendedor vai ganhar com isso. O Araújo Vianna é um exemplo a ser seguido. Nós tínhamos um Araújo fechado, interditado, era uma obra de 14 milhões de reais que a gente não tinha o dinheiro, nós buscamos uma parceria. Hoje, você tem os shows que vêm pra cidade que a produtora ganha lá o seu recurso, mas ela disponibiliza datas e mais datas um pouco maiores daquelas que tu usava já quando ele era só público, então, não vejo nenhum problema. E vou buscar financiamento, convencer o empresariado de investir na cultura. O acampamento Farroupilha é um exemplo, ele se auto-sustenta praticamente hoje. Nós já botamos dinheiro lá no Parque Farroupilha, ainda colocamos hoje um pouquinho, mas já colocamos muito mais. Quer dizer, foi criando uma governança que hoje ela dá conta praticamente de sustentar a festa Farroupilha. O mesmo não acontece com o carnaval. Então, quer dizer que se eu for prefeito, vou utilizar as leis de incentivo e, além disso, tentar convencer o empresariado de utilizar a lei de incentivo à cultura para investir no carnaval que é uma expressão muito importante da cidade.
Nonada – É possível realizar uma boa gestão cultural com um orçamento que não chega nem a 1%?
Melo – É, a cultura no brasil tem tido pouco recurso. Então, não seja tão duro conosco. Isso vale para a união, estados e municípios. Tem pouco, tem que aumentar… Agora, o seguinte, não adianta eu chegar numa eleição e começar a dizer que o dinheiro vai cair de árvore, né? Eu acho que um governo tem que ter sempre um orçamento criativo, que é buscar parceria. Então, na cultura, eu também vou buscar parceria. Vou botar dinheiro? Vou. Mas vou buscar parceria também.
Nonada – Os cinemas alternativos, como a Sala P.F Gastal de Porto Alegre, têm passado por dificuldades, inclusive com fechamentos temporários por falta de funcionários. Há problemas em diversos teatros também. Como resolver essa situação?
Melo – Pois é, o modus disso tem que ser mais ou menos esse das parcerias. Veja, por exemplo, o Capitólio. No Capitólio nós tivemos uma parceria com a Petrobrás, recuperamos um espaço legal. Usina do Gasômetro agora nós estamos com financiamento da CAF. Eu entendo que nesses espaços nós deveríamos esgotar todas as possibilidades de empresas fazerem a reforma e com isso evidentemente fazer a sua divulgação. Eu vou insistir muito nisso, porque se eu partir do pressuposto de que é só dinheiro público, nós vamos fazer muita pouca coisa. Esse inventário tem que vir para a mesa, ele está na mesa, porque eu sou vice-prefeito eu conheço muito bem o que eu estou falando. Tem muitas coisas que avançamos, mas como toda cidade tem seus problemas e oportunidades. E eu quero ser o prefeito das oportunidades tem gente que só vê problemas na cidade, eu vejo problemas e oportunidades.
Nonada – Apesar de existirem 23 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, as políticas públicas de acessibilidade cultural ainda engatinham. O senhor pretende incluir o direito das pessoas com deficiência de terem acesso à arte na sua gestão? De que forma?
Melo – Se tu planejar uma cidade para as crianças, para os velhos, para as pessoas que têm comportamentos especiais, ela é boa pra todo mundo. Esse é um dos desafios enormes que ainda resta ao Brasil. Não tenho dúvida que a gente já avançou, mas tem um déficit enorme em todas as cidades brasileiras. Mas inciativas existem, por exemplo: quando nós hoje colocamos academias ao ar livre, nós já estamos tendo o cuidado com as pessoas com comportamentos especiais, não todas elas, mas parte sim. Quando eu era vereador, nós votamos um plano diretor de acessibilidade que talvez seja pioneiro no Brasil. Muitas coisas já aconteceram, mas outras ainda não, porque tu tem uma cidade que tem um déficit de 244 anos então tu tem que refundar para trás e agora tu tem que fazer para frente. Então, do ponto de vista cultural, sim, porque a cidade tem que ser para todos. O governante tem que governar para todos, não pode excluir ninguém, e eu serei um prefeito, até pela minha formação, acho que os direitos humanos é o que há de mais fundamental na vida de um povo. Depois as outras coisas. Direitos humanos não têm fronteira.
Nonada – Como vê a relação entre cultura, segurança pública e ocupação de espaços públicos?
Melo – Tudo a ver. Eu entendo que a segurança pública tem várias questões que estão conectadas. Quando tu tens famílias ajustadas, criança na escola, oportunidades, emprego tu vais ter uma cidade, um mundo melhor. E o ponto de cultura e o espaço público são fatores decisivos para isso, porque se tu tens um ponto de cultura num espaço público ele vai atrair gente boa. Se tu não tens isso, a tendência é que siga outros caminhos. E eu diria que Porto Alegre tem o privilégio, que é único, de ter tantos espaços públicos que a maioria das cidades do mundo não têm. Estou convencido disso que como cidadão, como vereador, como vice-prefeito e uma das maneiras, com pouco dinheiro, para humanizar a cidade é melhorar a ocupação do espaço público. Isso vale para os viadutos.
Eu vou dar o exemplo do cara que vende o churrasquinho ali na Beira-Rio. Ele tem uma atividade econômica a clientela gosta dele, ele coloca um órgão ali, coloca um cara para tocar, pessoal compra o churrasquinho dele ele dá vida para aquele espaço. Mas isso tem que servir para a Otávio Rocha, para o Obirici… Espaço público que é abandonado, alguém vai tomar conta dele, então, eu diria que tem toda ligação, espaço público, ponto de cultura segurança pública, está sinergia faz uma cidade mais humanizada, mais segura. E isso tem a ver com iluminação pública, com limpeza, com boa calçada, então, tudo isso…
E vou dizer mais, se o povo me escolher como prefeito e a Juliana como vice, eu vou criar um plano diretor só de espaço público. Hoje nosso plano diretor está focado em iniciativa privada, né? Quantos andares tu podes construir, qual a altura, qual tua volumetria, né? E eu acho que no plano diretor de uma cidade, o espaço público é fundamental. Então, assim, esse departamento tem que estar na mão da memória da cidade, não vou botar nem “CC”, nem gente de fora, vou pegar o melhor urbanista concursado da cidade e colocar lá. Vai ser a joia da coroa para cuidar dos espaços públicos e apresentar soluções. Por exemplo, de tantos desafios que tem a cidade está a má qualidade das calçadas que hoje é de única responsabilidade dos proprietários. Talvez um caminho do plano diretor de espaços públicos fosse fazer uma experiência de um quarteirão de calçada, se for aprovado aquele quarteirão, tu segues fazendo mais, porque tu não muda uma cidade na sua inteireza, tu tem que mudar por partes, se a população apoiar, ela vai empurrando.
Nonada – Os artistas de rua se sentem pouco valorizados pela sociedade e muitos vivem hoje em ocupações, como a Saraí e a lanceiros negros, em função de não terem um local específico destinado a abriga-los. Existe a intenção de trabalhar esta realidade?
Melo – Primeiro, uma mentira duas vezes dita se torna uma verdade, né? Existe uma lei municipal que regula essa matéria chamada artistas de rua. Nunca esteve na pauta do governo atual e não estará na pauta, se eu for eleito, mudar isso. Agora, eu entendo que eles deveriam se autorregulamentar. O que significa isso? Eu vejo que uma cidade fica muito melhor pra se viver quando o espaço público está cheio de artista de rua, agora, eu não posso, em nome dos artistas de rua, instalar um som de 300db em qualquer ponto da cidade e vender um CD que muitas vezes não é produção dele. Então, ele não é artista de rua isso eu acho que eles tem que autorregulamentar. Isso já acontece na cidade. Lá no largo Glênio Peres daqui um pouquinho resolve botar um som… A lei estabeleceu. Eu acho que deveria ter uma cartilha partindo deles, porque eu acho que isso auto-protege. Eu não vou mexer pessoalmente nisso. O que eu defendo é que se eu for prefeito eu vou propor, com muito diálogo, regulamentar o uso dos espaços públicos não dos artistas de rua, mas de outras situações que hoje nos incomodam muito. Por exemplo, o sujeito vai lá e faz comida de rua, que é ótimo, eu acho excelente, mas ele não pode pagar 20 reais para fazer comida de rua e deixar duas toneladas de lixo para a prefeitura. Não pode vender bebida de álcool se a bebida hoje está proibida. Então, vamos mudar a lei, sou tranquilo em relação a isso, vamos discutir com a sociedade, vamos proporcionar mudança na lei e mudar isso, eu não tenho nenhum problema. Se a bebida for comedida na rua, aí, não tem nenhum problema, o que não pode é eu transformar a céu aberto a bebedeira e aí criar problema com os vizinhos, porque quando tu falas em eventos em espaços públicos, tu tens que pensar em quem faz o evento, quem frequenta o evento, o sujeito que mora ao lado. Agora, os artistas de rua são uma coisa, não terá nenhuma cobrança. Eu vou chamá-los para conversar para ver se eles se autorregulam com uma cartilha deles, para se autoproteger e não deixar pessoas que não são artistas de rua, fantasiadas de artista de rua, e fazendo evidentemente o que vocês veem no centro da cidade de Porto Alegre.
Nonada – Quais políticas o senhor pretende adotar com relação aos direitos das mulheres e do público LGBT?
Melo – Bom, eu vou começar pelas mulheres. A Lei Maria da Penha foi com tristeza que nasceu uma lei dessa, porque nasceu de tragédia, mas ela despertou em todos nós, nos gestores públicos, que tem que ter uma atenção muito especial, por exemplo, às delegacias para as mulheres, que hoje é uma realidade, os centros de referência. O poder público tem que não apenas referenciar, que é ter o psicólogo, os profissionais da área, mas pensar o que fazer com essa pessoa. Qual é a profissão que eu vou dar para ela? Então hoje temos uma rede que funciona. Suficiente? Claro que não. Então em diria que não existe a possibilidade de, nessa ou em qualquer outra área, a possibilidade de a prefeitura trabalhar sozinha. Tem que ter delegacia, Ministério Público, Defensoria, juiz de Direito. Tem que ter uma rede, e essa rede tem que trabalhar,
Nós temos aqui duas aldeias, uma lá no Itapuã e outra na Lomba do Pinheiro, então esse governo se preocupa com as minorias, tem uma política diferenciada de acolher os haitianos, os senegaleses, que cidades do Brasil inteiro renegaram a presença deles. Os quilombolas, que são também referência na nossa cidade. Evidentemente que tem que ter respeito pelas mulheres, pelos LGBTs, pelos gays, pelas lésbicas. A cidade é plural. Se a lei já resolveu isso, a cidade é para todos, o prefeito tem que respeitar a todos.
Nonada – A cultura negra sempre foi muito forte em Porto Alegre, embora com pouco incentivo. Existe intenção de valorizar essa cultura?
Melo – Nossa sociedade tem uma dívida impagável com a negritude. E todos os nossos esforços, enquanto cidadãos e gestores, nunca serão suficientes para a negritude. Por isso eu defendo políticas de cotas como algo transitório, não como uma política definitiva. Acho que um bom exemplo disso têm sido as cotas nas universidades. Como política transitória para compensar todo o massacre que a elite brasileira fez em relação à negritude. E o carnaval de rua, por exemplo, que a gente sempre tem que ter uma composição de uma cidade que cresceu, o carnaval nasceu ali na cidade baixa. Então eu sou muito do diálogo. O Quilombo do Areal, o centro de referência da negritude aqui na Ipiranga é um exemplo de como nós também temos políticas públicas nessa área. Então evidente que a cultura tem que ser para todos e também para a negritude.
Nonada – Sabe-se que muita da verba publicitária da prefeitura vai para os veículos de mídia hegemônica. Se eleito, o senhor pretende fazer algo pela democratização da mídia e pelo incentivo ao jornalismo alternativo?
Melo – Primeiro, eu pretendo, se for prefeito, investir publicitariamente na questão da educação. Educação para o trânsito, para o bem-estar das pessoas, dos animais. Vocês não esperem de mim um anúncio de asfalto, de viaduto, nada disso, mas o dinheiro que a prefeitura for destinar será para campanhas inteligentes de educação, para baixar a mortalidade infantil. Segundo, eu acho que as mídias alternativas, todas elas, 10% do mundo aqui em Porto Alegre lê jornal hoje. As formas de informação hoje são as mais diversas. Vai ter pouco dinheiro pra tudo, nessa área também, mas eu vou saber fazer um equilíbrio com todos e só em questão de conscientização, não investirei para divulgar feitos da prefeitura.