Em meio à retomada de lançamentos do mercado editorial neste ano de pandemia, a área das histórias em quadrinho vem se destacando, com uma variedade de títulos em editoras independentes e também nas gigantes, como a Companhia das Letras. Lançamentos deste ano incluem a nova edição de como “Parece que Piorou”, de Bruna Maia, e “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Harari, que vai ganhar uma adaptação para os quadrinhos.
Já entre os lançamentos independentes, um exemplo é a obra “Um Outro Pastoreio” (da Imagina Conteúdo Criativo), novela gráfica que entrelaça de maneira criativa, a partir de uma ampla pesquisa, a lenda do Negrinho do Pastoreio com a cultura dos orixás. Com roteiro de Rodrigo Dmart e ilustrações de Indio San, a obra foi lançada há 10 anos e ganhou uma edição comemorativa em agosto de 2020.
A trama parte principalmente de Simão, um senhor que conta a um menino a história do Negrinho do Pastoreio. No caminho pela busca do local onde a lenda poderia ter ocorrido, que é também uma busca por si mesmo, o homem acaba se surpreendendo com o destino da história – e de si mesmo. Há também outras camadas narrativas, que se unem de forma surpreendente no desfecho do livro.
A maior força da HQ está na tessitura entre diferentes referências da cultura popular brasileira. “Fiz pesquisa em centros afro religiosos do RS e em livros como o ‘Agô-iê, Vamos Falar de Orishás?’, do mestre Borel, ‘O Batuque do Rio Grande do Sul’, do Norton Correa, ‘Mitologia dos orixás’, do Reginaldo Prandi, e dicionários de folclore ”, explica Rodrigo Dmart. Segundo o autor, a obra de Borel, mestre gaúcho, foi importante para que ele traçasse uma média entre as diversas formas de manifestações afro religiosos no Brasil, uma vez que ele também tem aproximação com essa cosmovisão.
Todos esse elementos se fundem a uma proposta de outra história para o Negrinho do Pastoreio que ultrapassa a lenda, ao atribuir profundidade e tridimensionalidade ao personagem a partir da versão de Simões Lopes Neto para a lenda. “A partir de desenhos do Indio san, chegamos à seguinte pergunta: e se o Negrinho do Pastoreio fosse um ser elemental e não um ser humano? e se a santa que à vezes é colocada como católica fosse a Iansã? a partir daí, a escrita começou”, conta Dmart. A obra tem financiamento do governo do Estado por meio do edital FAC do Folclore e pode ser adquirida de forma online.
Ouça abaixo a entrevista completa com Rodrigo Dmart
Urbanismo e desigualdade nos quadrinhos
Com lançamento previsto para setembro, ‘Beco do Rosário’ (editora Veneta) tem roteiro e ilustração da quadrinista Ana Luiza Koehler. O segundo volume da obra traz como mote a história de três personagens envoltos na aceleração da modernização de Porto Alegre nos anos 1920, um processo que acentuou as desigualdades sociais na capital ao forçar a ida da população negra da cidade para as regiões periféricas (como já contamos nesta reportagem). “O processo de pesquisa histórica foi basicamente meu curso de mestrado, no Programa de Planejamento Urbano e Regional da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs, também fazia projetos de reconstituição arqueológica. Isso era um esforço de visualizar como seria o passado dessas cidades”, relembra Ana Luiza.
A mestre em Arquitetura conta que estudou muito sobre a história cultural e social do Brasil e acessou arquivos imagéticos e jornais antigos para reconstituir Porto Alegre. A partir daí, transpôs para o formato em quadrinhos o processo de modernização da cidade, que serviu como plano de fundo para os dilemas e lutas dos personagens.
A publicação tem como personagem principal a jovem Vitória, que sonha em ser jornalista e que mora no Beco do Rosário, um dos espaços previstos para ser transformado em uma ampla avenida na história. Além de lidar com a remoção, ela também enfrenta situações cotidianas provocadas pela sociedade racista e patriarcal.
A HQ traz ainda os personagens Teo e Frederica, filhos de uma rica família de imigrantes, e Fabricio, jovem artista negro que não consegue ver seu talento valorizado no mercado de trabalho. “O principal mote foi tentar ver que pessoas andavam nessa cidade que se transformava, que pessoas de diferentes extrações sociais e espaciais estavam presenciando essas modificações e os entrelaçamentos entre elas”, explica a autora.
Selecionado pelo Rumos Itaú Cultural, o livro terá lançamento no dia 8 de setembro, às 17h, em formato live, com participação do crítico Érico Assis, nos canais da editora Veneta.
Ouça abaixo a entrevista completa com Ana Luiza Koehler
Um comentário em “Novelas gráficas brilham com temas como desigualdade urbana e orixás”
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