“Escrever é a coisa mais importante da vida de quem escreve?”. Ruy Carlos Ostermann lançou a questão no Encontros com o Professor que recebeu o escritor Milton Hatoum na última quinta-feira, dia 4 de novembro. “Você não pode escrever se não tiver uma relação visceral com a própria escrita e com a leitura”, respondeu o autor amazonense, considerado um dos grandes escritores vivos da Literatura Brasileira. Essa relação visceral com as letras pôde ser percebida durante a sua fala, no relato de suas experiências. O processo que está por trás de suas narrativas, dentre as mais famosas, Cinzas do Norte e Dois Irmãos, foi abordado no encontro que fez parte da programação da 56ª Feira do Livro de Porto Alegre.
Foi com uma coleção completa de Machado de Assis que sua mãe comprara de um vendedor ambulante na cidade de Manaus que Hatoum começou a se interessar pela Literatura, ainda que não pensasse em ser escritor na juventude, tendo se formado em Arquitetura. O contato quase precoce com algumas obras clássicas despertou o interesse pela linguagem, pela lida com as palavras. Segundo ele, a busca formal é natural dos escritores, ao ponto de chegar a enlouquecer, como aconteceu com James Joyce. Ele não acredita que se possa escrever sem planejamento e exaustividade no trato com a forma.
Mas a sua ênfase foi na importância no ofício da escrita da formação sólida do escritor enquanto leitor. Esta formação tem a ver com o papel do narrador na prosa: “o autor transmite a sua própria experiência, inclusive a de leitura, para o narrador da ficção”, disse. Completou afirmando que a crise do romance deve-se justamente à rala experiência dos escritores hoje em dia. Um pouco nostálgico, ainda que sem admitir, ele trouxe para debate a ideia de que a Literatura perdeu o seu espaço para as formas simbólicas mais superficiais na sociedade. Nem mesmo os escritores teriam bagagem cultural para criar, por isso a relativa falta de romances históricos ou políticos no Brasil.
A primeira pergunta da plateia veio de alguém que já visitara a cidade de nascença de Hatoum. O autor foi questionado sobre a responsabilidade de retratar o contexto de uma determinada sociedade – no caso, a do Amazonas – através das letras. As imagens mentais de Manaus, a sensação de calor e a configuração geográfica da cidade foram suscitadas nas poucas palavras do amazonense, depois de terem já emergido em alguns de seus contos e romances. Usando o exemplo do livro Dois Irmãos, ele explicou que “o romance é centrado em um destino individual, e o ambiente acaba sendo mostrado através dessa trajetória”. Citou também a experiência de ter estudado em uma escola pública como um fator importante no que se configurou como a sua prosa.
Hatoum fez questão de reforçar que na época em que se estudava na escola pública, as pessoas da classe média tinham contato com todos os estratos da pirâmide social, o que proporcionava um conhecimento riquíssimo que veio a integrar com seus escritos. “A ficção lida com a verdade: não a ontológica, mas sim a das relações humanas”, justificou sobre a influência de tal contato na sua obra. É nesta verdade que o leitor tem de se encontrar durante a leitura, e ela se constroi a partir do conhecimento do autor sobre as ditas relações humanas.
O encontro terminou com a canja musical de Tonho Crocco, e seguiu com a sessão de autógrafos do livro de contos A Cidade Ilhada, que Milton está lançando pela editora Companhia das Letras.