Um mito em construção

A tragédia clássica grega da traição em A Rede Social está representada na figura de Eduardo Saverin (esquerda) e Mark Zuckerberg (direita). (Crédito:Sony Pictures Entertainment / Columbia Pictures)

A Rede Social é um dos bons filmes do diretor David Fincher, porque segue a linha do ótimo Seven de 1995 e do já cult Clube da Luta de 1999 – ambos estrelados por Brad Pitt, ator que costuma ser escalado em seus filmes. Mas aqui não há espaço para o galã de Hollywood, correto? Afinal a trama se concentra no mundo high tech dos estudantes de computação de Harvard, uma das maiores universidades do Estados Unidos. E por mais que Pitt tenha se relevado um ator versátil ao longo dos anos, ele não tem mais idade para encarar um estudante de graduação – ainda mais um estudante branquelo e magricela. O papel de interpretar Mark Zuckerberg –aluno gênio da programação e o principal fundador do Facebook, maior rede social do planeta – ficou a cargo de Jesse Eisenberg, que muita gente confunde com o Michael Cera, de Juno. Mas diferentemente de Cera, Jesse aqui deixa claro que tem veia artística para filmes mais sombrios e sérios. Sim, por que Fincher conseguiu deixar um filme com uma história complicada para o público em geral, atraente.

 Isso acontece, é claro, devido ao ótimo roteiro, que, por sua vez, foi baseado no livro Bilionários por acaso: A criação do Facebook do escritor e jornalista Ben Maezrich. Tive a oportunidade de ler o livro antes de ver o filme e posso dizer que deve ter sido uma barbada criar um roteiro em cima da obra, porque o livre é muito descritivo e informativo em suas cenas. O autor consultou uma penca de pessoas que estiveram envolvidas na fundação do Facebook. A sua principal fonte, com certeza, foi Eduardo Saverin, o brasileiro judeu co-fundador da rede social, uma vez que Mark Zuckerberg não aceitou dar nenhuma entrevista, e declarou recentemente que não estaria interessado em ler o livro ou ver o filme. Logo, é visível (mais no livro) um foco mais amplo na perspectiva de Eduardo, uma vez que ele foi o mais consultado. Já no filme a trama faz de tudo para seguir o passo de Mark, uma espécie de anti-herói nerd, enquanto Eduardo é apresentado como o seu melhor amigo que foi traído pela neurose de Mark em se tornar popular. Os diálogos do filme sempre afiados e sorrateiros prendem o espectador as cenas.

É aí que entra o nosso amigo David Fincher e a sua arte de enrolar e desenrolar tramas. Aqui, Zuckerberg e a sua falta de tato em relações sociais são completamente dissecadas, em uma busca quase antropológica de suas atitudes. Assim como a história de qualquer grande criação, a história do nascimento do Facebook também virou uma espécie de mito. Um mito recente, e que ainda está em andamento, talvez por isso tenha sido mais arriscado fazer um filme nesse sentido agora, uma vez que não há distanciamento o suficiente. Mesmo assim A Rede Social cumpre o dever, pois apostou acertadamente na qualidade do roteiro e na estrutura narrativa: é contado através de flashsbacks que se entremeiam com cenas “atuais” do julgamento em que Mark está envolvido com seu ex-melhor amigo Eduardo Saverin que quer seus direitos de criação da rede social de volta e os gêmeos Dustin Moskovitz e Cameron Winklevoss, que o acusaram de roubar a ideia original do que viria a ser o Facebook.

Um império estimado em 25 bilhões é o que atualmente vale o Facebook(Crédito: Sony Pictures Entertainment / Columbia Pictures)

Legal lembrar que a produção poderia cair no modo simplista de fazer o filme, isto é, tratá-lo apenas como uma grande invenção da internet, estereotipar o fato de que eles eram NERDS que desejavam se integrar ao mundo. Apesar de no começo o filme passar essa impressão de Mark, observa-se depois que ele é um indivíduo muito mais complexo que isso, e que realmente pensou no conceito de compartilhamento, de levar a vida à internet. Logo, o filme dialoga com as variantes da cibercultura – ainda que minimamente. Somado a isso também há uma excelente atuação de Justin Timberlake (sim, o cara realmente está se mostrando um bom ator) como Sean Parker, fundador do Napster – primeiro site de compartilhamento de música online –, que acaba aumentando as intrigas que levam Mark e Eduardo se separarem.

A Rede Social não é um marco do cinema, mas é um filme obrigatório para quem gosta de um bom thriller e quer conhecer mais sobre a criação da maior rede social do mundo. E, ora, é um bom filme do David Fincher e isso já deveria bastar para te levar ao cinema.

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.
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