Há um absurdo interessante em cada filme dos irmãos Coen, responsáveis por dar um sopro de vigor e originalidade ao cinema americano nos últimos anos. Fargo de 1997 é assim, quando a policial grávida, Marge Gunderson, tem que resolver uma série de assassinatos sem explicações. Onde os Fracos Não Têm Vez também traz um personagem memorável, o assassino psicótico que não tem piedade e nem senso de humor, Anton Chigurh, interpretado por Javier Barden. Em Bravura Indômita, um remake do western homônimo protagonizado por John Wayne em 1969, essa lista de personagens fascinantes aumenta. Na versão atual é Jeff Bridger que é o responsável por dar uma nova faceta ao U.S. Marshal Rooster Cogburn, que ajuda a menina Mattie Ross, de apenas 14 anos, na busca pela vingança da morte de seu pai que fora assassinado pelo fora-da-lei Tom Chaney, papel de Josh Brolim, outro ator constante na produção dos Coen.
A temática do faroeste é utilizada pelos irmãos Coen na verdade como um grande pano de fundo para contar uma história de amadurecimento antecipado de uma pequena garota. É claro que a relação entre Rooster e Mattie Ross é no mínimo bizarra e digna de bons momentos cômicos no filme. Mas, justamente por ser estranha, ela dá margem para outras interpretações: não se trata de um amor fraternal que se forma entre eles, há momentos inclusive em que aparentemente se abandonam durante a trajetória atrás do bandido. Aparentemente, porque Rooster acaba voltando para salvar a menina da mão dos criminosos. Os irmãos Coen tratam essas cenas com gentileza e uma distância bonita da câmera, como se analisasse o campo e as emoções em volta dos personagens. Que espécie de relação seria essa então?
Durante a viagem de encalço ao assassino Tom Chaney, também acompanhamos o Texas Ranges La Boeuf que está atrás do fora-do-lei em busca de uma recompensa. Ele é responsável pelos maiores momentos de humor ao discutir com Rooster sobre suas diferenças policiais, além de formar um também estranho trio com os dois protagonistas. Em certos momentos eles disputam a atenção de Mattie, a fim de mostrar quem é o mais capaz de cumprir a tarefa. Eles sabem que a moça de apenas 14 anos, mas de grande consciência e coragem, é a “chefe da tripulação”. O mais interessante é observar que ao chamarem a atenção para quem são e o que estão fazendo, eles acabam debochando do estereótipo do caubói durão norte-americano. Aliás, muitos dos personagens dos Coen falam como tirassem um sarro de si mesmos, de suas atitudes. Essa auto-ironia só fortalece ainda mais o pragmatismo de seus filmes. Os eventos simplesmente acontecem, e acontecem porque os personagens querem isso, não há duros ressentimentos ou uma maior questão filosófica envolvida em seus protagonistas, como, por exemplo, acontece em Cisne Negro. Mattie quer simplesmente se vingar do assassino do seu pai, e ela fará isso, de uma forma ou de outra.
Tanto que li alguns comentários sobre o “fraco” confronto com Chaney no final, mas não é assim que devemos analisar. O foco dos irmãos Coen está na travessia, no caminho que ela levou até conseguir acertar a bala no peito de Chaney. Foi só um tiro, rápido e necessário, mas assim são as mortes e os acertos no universo dos irmãos Coen: eles simplesmente acontecem, sem grandes problemas filosóficos, sem ressentimentos, sem arrependimentos. Depois disso o filme dá um pulo de mais de um quarto de século na narrativa, onde Mattie uma solteirona ainda se lembra da época em que caçou o assassino do seu pai na companhia do federal Rooster. Provavelmente o único homem em quem realmente confiou depois de seu pai, e estranhamente o único homem por quem poderia ter se apaixonado.
Os irmãos Coen são conhecidos pela sua extrema regularidade na qualidade dos filmes, ainda que nem todos tenham alcançando o mesmo nível de qualidade. Em Bravura Indômita todos os elementos que o caracterizam como diretores reconhecidos estão lá e é justamente isso que deve levar as pessoas ao cinema. Sinto como se eles pudessem trabalhar bem em qualquer gênero, ação, comédia, drama, e agora só falta o terror, mas parece que já tem produção anunciada.
Detalhes que fazem a diferença
Há pequenos acertos que tornam Bravura Indômita realmente coerente ao mostrar o universo do oeste americano na época. Primeiro, o filme mostra as diferentes raças que também povoavam o oeste americano naquela época: negros, chineses e os índios. Numa das primeiras cenas do filme vemos um enforcamento, três prisioneiros e um deles é indígena, e o único que não é permitido a fala antes da morte. A figura do negro fica clara naquela época, um trabalho praticamente servil, ele aparece como um criado de Mattie e também na figura de um criado de um empresário com quem ela faz negócios logo ao início do filme. Já o chinês é um comerciante que aluga uma peça onde Rooster dorme. Mais tarde ele também aparece fumando ópio em uma das cenas, um vício bem comum na época.