Fotos: Flavio Roberto/Válvula Rock
Existem poucas unanimidades no mundo do rock’n’roll. E, dentro do rock pesado, músicos respeitados tanto por punks quanto por headbangers são raridade. Sem dúvida alguma, entre esses nomes está o de Ian Fraiser Kilmister. Esse senhor de 65 anos, mais conhecido como Lemmy, vocalista, baixista e incontestável líder do Motörhead, vai na contramão dos rockstars. Enquanto a maioria se torna decadente com o passar dos anos, esta lenda britânica envelhece, com o perdão do clichê, como vinho. Se bem que no caso dele a comparação com uma garrafa de bourboun misturado com Coca-Cola parece mais adequada.
O Motörhead esteve no Brasil recentemente para divulgar seu novo álbum, The Wörld is Yours. Desta vez, as cidades brasileiras visitadas por Lemmy, Phil Campbell (guitarrista) e Mikkey Dee (baterista) foram São Paulo, Curitiba e Florianópolis. O Nonada esteve na apresentação na capital catarinense, dia 20 de abril, e pode confirmar a seus leitores: Lemmy é o cara. Mas tem o apoio nada desprezível de um baterista impressionante e de um guitarrista virtuoso (não virtuose).
Antes de o Motörhead subir ao palco do confortável Floripa Music Hall (virou moda, agora tudo que é casa de show tem “hall” no nome), o público assistiu a banda Baranga. Parcialmente conhecido do público heavy, o grupo paulista fez uma apresentação energética e teve boa receptividade da plateia. Visivelmente emocionados de subir no mesmo palco que Lemmy e cia., os caras deram o sangue em músicas como “Tudo o que eu não Tenho na Vida” e “Filho Bastardo”. Um bom show, de uma banda que tem tudo a ver com a atração principal. Mas a sede da galera por Motörhead era grande demais para valorizar devidamente a Baranga.
Em torno de 22h30min, o trio britânico (na verdade, a formação original é que era 100% britânica; Lemmy é inglês, Phil é do País de Gales e Mikkey vem da Suécia) surgiu no palco ovacionado por uma horda de camisas pretas. E, sem muito papo, apenas o seu “We are Motörhead and we play rock’n’roll”, Lemmy mandou as clássicas “Iron Fist” e “Stay Clean”. A casa, é claro, veio abaixo.
A seguir, a nova “Get Back in Line”, outra das antigas, “Metropolis” (com seu baixo matador), e “Over the Top”, reincluída no set já há algum tempo. Mais recentes, “One Night Stand” e, principalmente, “Rock Out” mostraram que estão consolidadas no repertório atual da banda – embora seja difícil garantir isso quando se trata de uma carreira de 20 álbuns de estúdio e 35 anos de estrada.
Um momento que em muitos shows é anticlimático, no do Motörhead pareceu bastante aceitável: o solo de guitarra. Phil Campbell não faz firulas e nem questão de mostrar o quão veloz pode ser, executando um solo melódico,de muito bom gosto. Longo o suficiente para Lemmy tomar uma água e curto o bastante para não entediar a plateia.
A cadenciada “The Thousand Names of God” veio logo depois, provando que os álbuns mais recentes têm quase tanto destaque quanto os clássicos dos anos 80. Mas é dessa década outra canção pouco usual ao vivo: “I Got Mine”, do subestimado Another Perfect Day. Enquanto a galera se debatia nas duas grades – sim, o show teve a malfadada pista vip, o que fez com que muitos se “atropelassem” achando que havia mais espaço a avançar –, a banda mandava “I Know how to Die”, outra do disco novo.
Demorou um pouco, mas surgiu a primeira do megaclássico Ace of Spades: “The Chase is Better than the Catch”, cantada em um uníssono. “In the Name of Tragedy”, do álbum Inferno, foi intercalada por um solo brilhante de Mikkey Dee, certamente um dos melhores bateras em atividade.
A multidão pôde respirar um pouco quando rolou “Just ‘Cos You Got the Power”, pesada, mas lenta. Era a última trégua antes do final arrebatador.
Obrigatória nos shows do Motörhead em solo tupiniquim, “Going to Brazil” e seu riff 100% rock’n’roll levaram a massa à loucura. Sem intervalo, Lemmy emendou “Killed by Death”, que veio seguida pelo hino dos hinos: “Ace of Spades”. O que aconteceu na pista nesse momento é algo impossível de explicar aqui.
Mas como não faltam cartas na manga de Lemmy, ainda houve tempo para a poderosa “Overkill” no bis, com suas famosas paradinhas seguidas por solos espetaculares. Antes dela, o vocalista declarou: “Don’t forget us. We are Motörhead and we play fucking rock ‘n’roll” (“Não nos esqueçam. Nós somos o Motörhead e tocamos ‘fucking’ rock’n’roll”). Esquecer? Só sendo surdo.
A lamentar
Além da elitista pista vip – mas que no caso do Motörhead nem era tão cara assim –, há de se questionar a total omissão dos produtores gaúchos ao não se mexerem para trazer uma banda desse nível para Porto Alegre. O trio vem ao país com uma regularidade impressionante, em média a cada dois anos, e há uns dez não dá as caras na capital gaúcha. Como consolo para quem ainda não viu o grupo, é bom lembrar que ele volta ainda este ano ao Brasil: é uma das atrações da chamada “noite do metal” do Rock In Rio, em 25 de setembro.