Texto: Daniel Sanes
Fotos: Fernando Halal (http://www.flickr.com/photos/fernandohalal)
Ele pode até não ser um “maldito” da MPB, como Tom Zé ou Jorge Mautner – embora, assim como estes, tenha ficado à margem do mainstream. Tampouco está preocupado em se enquadrar em um nicho específico dentro da música brasileira, formatado pra tocar no rádio ou com o objetivo de atingir as massas de alguma outra forma. Sem se preocupar com o sucesso comercial, Arrigo Barnabé vive e respira música há mais de três décadas e, ao contrário do que esse longo período de atividade poderia induzir, sem comodismo.
Na verdade, para esse paranaense de 59 anos – se torna sessentão em setembro –, seria muito complicado se acomodar. Justamente por não utilizar uma “fórmula” para fazer música, e por não se enquadrar em estilo algum, ele tem um leque de opções quase infinito em seu trabalho como compositor. De trilhas sonoras a óperas, de discos “quase” pop a peças vanguardistas, há um pouco de tudo na obra de Arrigo.
Um ano depois de vencer o Festival Universitário da TV Cultura com a música “Diversões Eletrônicas”, ele lançou seu primeiro disco, Clara Crocodilo, considerado o marco inicial da vanguarda paulista. As próprias palavras do título revelam a complexidade do conteúdo, baseado na atonalidade e na dodecafonia: Clara representaria a luz; crocodilo, a escuridão. O experimentalismo impediu que Arrigo atingisse um grande público, mas certamente abriu caminhos para que ele se consolidasse como um músico respeitadíssimo no Brasil inteiro.
Mesmo assim, o próprio não se considera um músico. “Eu não sou exatamente um músico, não tenho treinamento profissional de instrumentista ou cantor, e sim de compositor. E isso é outra coisa, é o negócio menos próximo da execução. A concepção, a escrita da música, a criação: é isso o que eu faço, é isso o que eu sei fazer”, explica ele, revelando, durante a entrevista, uma timidez que não demonstra nos palcos.
Caixa de Ódio
Ao vivo, Arrigo Barnabé é um verdadeiro showman, que valoriza a performance tanto ou mais que a própria composição, dando uma dramaticidade surpreendente a cada canção. Uma mostra disso pôde ser conferida nos dias 6 e 7 de maio, no StudioClio, em Porto Alegre, quando o cantor apresentou seu show Caixa de Ódio, calcado no repertório do porto-alegrense Lupicínio Rodrigues. De “Esses Moços” a “Nervos de Aço”, as faixas selecionadas para as duas apresentações foram interpretadas como se o próprio Arrigo tivesse sofrido os infortúnios narrados nas letras desesperadas de Lupi. “Sou um ator intuitivo, tenho esse lado de performance, mais do que o de cantor”, reforça o músico, que já atuou em alguns filmes e até fez uma pequena participação na novela Direito de Amar, de 1987.
Essa faceta de intérprete, aliás, acabou se tornando um desafio e tanto para Arrigo, ainda mais considerando que ele próprio não se considera cantor. “Fiquei um pouco inseguro, pois cantar não é exatamente o meu métier. Mas acho superlegal, porque tem o lado da interpretação. Isso sim eu tenho facilidade de fazer”, confessa.
Em suas viagens apresentando Caixa de Ódio, Arrigo pôde avaliar a dimensão da influência de Lupi na música brasileira. “Acho ele tão presente, tão atual… É impressionante no show como as pessoas se identificam – até gente que não conhece, nunca ouviu nada dele antes – de uma maneira incrível”, afirma, entusiasmado. “Fiz um show em João Pessoa, em praça pública, e havia pessoas que sabiam todas as músicas dele. Já no interior de São Paulo, um segurança veio falar comigo, completamente desbundado com as músicas, e disse: ‘pô, virei seu fã’. ‘Pois é, digo eu, mas essas músicas não são minhas, são do Lupicínio Rodrigues’. O cara não conhecia e ficou alucinado. Então, o Lupicínio atinge as pessoas de uma forma contundente, ele tem uma comunicação muito impactante”, observa. A homenagem tem feito tanto sucesso que Caixa de Ódio vai virar um DVD, que já está sendo finalizado e deve sair ainda este ano.
O passado e o futuro
Volto a questionar os rumos da carreira de Arrigo Barnabé, um compositor que hoje se surpreende ao atuar como intérprete. Antes disso, ele trabalhou com trilhas sonoras de filmes como Cidade Oculta e Ed Mort e gravou discos um pouco mais acessíveis que Clara Crocodilo – embora a palavra “comercial” passe longe de obras como Tubarões Voadores (1984) e Suspeito (1987). “Na época que eu fiz o Suspeito, por exemplo, eu não conseguia ganhar dinheiro sequer para pagar o aluguel. Então eu pensei: ‘tenho que aprender a fazer canções normais, coisas que eu possa cantar, porque aí eu posso me apresentar sozinho’”, explica.
Já as trilhas sonoras parecem deixá-lo mais à vontade. ”Minha música sempre teve esse aspecto cênico; nos shows, ela se adequava muito à linguagem de palco, os cineastas viam isso e imaginavam num filme, ficavam impressionados”, argumenta. Dois de seus projetos recentes são relativos ao cinema. Um deles é uma trilha sonora, do filme Anita y Garibaldi, do cineasta italiano Alberto Rondalli, sobre o período em que Giuseppe e Anita Garibaldi estiveram no Brasil. O lançamento só ocorrerá em 2012. O outro dá vazão ao lado ator de Arrigo: em Nervos de Aço, dirigido por Maurice Capovilla, o compositor paranaense faz o papel de um músico que resolve montar um espetáculo baseado em… Lupicínio. “Aí a mulher do cara começa a ter um caso com um dos músicos da banda. E as histórias narradas nas letras começam a acontecer na vida dele”, se diverte Arrigo, resumindo a trama, que promete explorar a fundo o universo “dor de cotovelo” de Lupi. O filme deve estrear no segundo semestre.
Durante a entrevista, o compositor parece maturar cada sílaba antes de dar a efetiva resposta. Arrigo é um homem de poucas palavras quando sentado em um hall de hotel. Mas dê a ele um palco, uma boa banda (no atual show, ele é acompanhado de Paulo Braga, no piano, e Sérgio Espíndola, no violão e no baixolão) e, se possível, uma dose de um uísque. Nesse cenário, enxergamos o verdadeiro Arrigo Barnabé: um homem que ama a música, seja ela popular, como a de Lupicínio Rodrigues, ou vanguardista, como a registrada em Clara Crocodilo.
muito minha mãe me falou sobre a vanguarda popular, parece q tudo que se foi realmente era melhor, tenhamos que concordar que as coisas antigas realmente eram boas!