Hey, responda rápido: você acha mesmo que cultura seja um item caro? Ir ao cinema, a um show de música, a uma peça de teatro, por exemplo, são impedidos pelo preço? Diga a verdade, não crie subterfúgios. Tenho certeza de que grande parte (para não dizer todos, mas não vamos generalizar tanto) dos leitores desta coluna pensam que sim. Afinal, pagar quase 5% do salário mínimo por uma ida a cinema no final de semana é bem complicado mesmo. Mas precisaria ser assim?
Há duas semanas aconteceu em Porto o Alegre o Fórum Temático Social, que trouxe diversas possibilidades de entretenimento e arte gratuitas. Não sei como é na sua cidade, mas aqui, em geral, esses eventos não lotam. Foram diversas oficinas, shows de artistas consagrados do cenário nacional e debates acerca dos mais variados temas. Todos gratuitos, poucos realmente cheios. A apresentação do ex-ministro Gilberto Gil, realizada dia 26 de janeiro no parque Eduardo Gomes, em uma cidade vizinha à capital gaúcha, não recebeu nem metade do público que esperava, a julgar pela estrutura montada. E o do Nando Reis, no dia anterior, também não estava com lotação máxima.
Uma semana antes, o Memorial do Rio Grande do Sul promoveu um Ciclo de Cinema sobre os Direitos Humanos, como preparação para o Fórum citado acima. Foram cinco dias, de terça a sábado, com no mínimo duas sessões diárias de documentários sobre a organização internacional dos regimes, o papel desempenhado pelos Estados Unidos, as resistências, a tortura, os fatos relacionados a crianças, a Ditadura em Porto Alegre, bem como as reflexões e ações políticas atuais relativas ao direito à memória e à justiça. Ou seja, um assunto que deveria interessar a todos. Eu fui na última apresentação do sábado, do documentário Arquivos da Cidade, dirigido por Felipe Diniz. Na sala de projeção, que acomodaria confortavelmente umas 20 pessoas, estávamos eu, meu namorado e mais dois indivíduos. Isso mesmo: ao todo éramos quatro espectadores. No sábado, às 16h. Nenhum horário absurdo, portanto.
Saindo dali, fomos ao Cinema do Santander Cultural, para assistirmos ao também documentário Filhos de João – o admirável mundo novo baiano, sobre a banda Novos Baianos, que alcançou seu auge nos anos 1970. A película já recebeu três prêmios nacionais de melhor filme e direção, obra de Henrique Dantas. Assim, a qualidade devia ser boa. E era. No entanto, apenas cerca de dez pessoas assistiram à projeção. Não, o problema não era o preço. Tal local, reconhecido pela excelente escolha dos filmes apresentados, cobra R$ 6,00 de entrada inteira. Para estudantes e clientes do citado banco, a taxa cai para a metade. Isso mesmo. R$ 3,00 é o que custa para um estudante ir ao cinema aqui em Porto Alegre. Não em todos os estabelecimentos, claro, mas é possível encontrar essas exceções.
Poderia citar ainda inúmeros outros exemplos de eventos gratuitos – e excelentes – que simplesmente não são prestigiados pela população. E sei que você também poderia, em Porto Alegre ou na sua cidade, seja ela qual for. Mas acredito que já seja o suficiente, não? Veja bem, caro leitor, não sou contra a cobrança de ingressos – se fosse, não poderia assinar a editoria de Economia da Cultura do site -, apenas considero um absurdo um produto cultural ser mais valorizado pelo seu preço do que pela sua excelência. Assim, deixo um apelo semelhante ao do meu colega Daniel Sanes no Recortes de música: que se vá mais a shows, cinemas e teatros unicamente pela qualidade do espetáculo, não pela valorização do ingresso e o status que isso dá aos consumidores de cultura.
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Por último, deixo aqui uma pequena lista com lugares que costumam oferecer programação muito bacana por um preço justo, para vocês se inspirarem e verem que isso é possível sim. (Leitores, fiquem à vontade para sugerirem outros.)
Casa de Cultura Mário Quintana
Cinebancários
Fundação Iberê Camargo
Fundação Ecarta
Memorial do Rio Grande do Sul
Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli
Santander Cultural
A teoria mais difundida é a de que “não existe divulgação suficiente”. Eu acho uma baboseira. O fato desses eventos serem baratos e mesmo assim não conseguirem público são ao meu ver uma prova de que as pessoas não estão se interessando pelo conteúdo exibido.
Artistas do teatro regional vivem no dilema “por que os porto-alegrenses não assistem nossos espetáculos?”, e tem gente que acha que é culpa da televisão ou da alienação das pessoas (sic).
Mas ninguém nunca pára para pensar que, apesar de haverem sim muitos trabalhos de qualidade, grande parte da “área de cultura” da cidade produz para si mesma, agradando aos seus, e isso nunca vai gerar público. Nunca.
Isso não quer dizer que a solução é transformar as peças teatrais em Domingão do Faustão só por conta da audiência, mas sem dúvida um olhada para o público não faz mal.
Fui a um circo no fim do ano passado onde os artistas usavam uma linguagem experimental para se comunicar com o público. Nunca na minha vida eu havia visto o público de um CIRCO reclamando do espetáculo que estavam assistindo. Houveram pessoas que abandonaram seus lugares no meio das apresentações. Qual a razão disso?
Simples, quando se monta um projeto e se passa em um edital, todas as partes são ouvidas, exceto a do público. Você dá dinheiro para o artista fazer o que ele quiser, e mesmo que poucas pessoas ou nenhuma assista seu trabalho, isso não fará diferença para ele. Pode passar a vida fazendo espetáculos pagos pelo governo que ninguém assiste.
Aliás, esse caso do circo cai como uma luva sobre os problemas da “cultura” do Brasil.