A música que vem do aço

Texto Mariana Bartz* 

Fotos e vídeo Thiago Couto**

 A sonoridade do Grupo de Lâminas de Porto Alegre já foi caracterizada como música que vem do céu e, as suas ferramentas, como serrotes celestes. De fato, a associação se deve à semelhança entre o som produzido pelo arco do violino em contato com a lâmina e alguns sons da natureza, como o vento e o canto dos pássaros. O grupo se destacou por ser o primeiro naipe de serrotistas do Rio Grande do Sul e, também, do Brasil. Atualmente, eles se apresentam em dois formatos: o trio de serrotistas Antônio Frizon, Arno Dreyer Scherch e José Mário Guedes, acompanhados pela pianista Dolores Grin, ou então pelo grupo Claves em Sol, que conta com instrumentos de cordas e sopro. Além disso, já dividiram palco com diversos convidados como a organista Anne Schneider, o percussionista Ricardo Arenhaldt e o flautista Ayres Pothoff. 

Antônio Frizon e Arno Dreyer Scherch ensaiam toda semana o repertório do Grupo de Lâminas de Porto Alegre

Apesar de o serrote ser um instrumento único, devido as suas particularidades como som espacial, contínuo e trêmulo, quem o escuta pela primeira vez tende a compará-lo à voz de uma cantora soprano ou então ao som produzido pelo Theremin, aparelho inventado em 1919, pelo russo Leon Theremin. No entanto, esse é considerado um dos primeiros instrumentos completamente eletrônicos. Enquanto que o serrote, por sua vez, é totalmente acústico, capaz de alcançar notas extremamente agudas, em uma extensão de cinco oitavas. Inicialmente, a ferramenta era produzida somente em ferro e, posteriormente, passou a ser feita em aço. As lâminas se tornaram mais resistentes, flexíveis e, ao tangê-las, emitiam sons. No princípio, era tocado apenas com marteletes, impulsionados com força contra a lâmina. Com um movimento de joelhos, o músico fazia vibrar as notas, prolongando-as por mais tempo. Apesar de o serrote ainda ser tocado com marteletes, atualmente, é mais utilizado com arco de violino.

Antônio Frizon, fundador do grupo, lembra que escutou pela primeira vez as notas que vinham do serrote em uma noite de Natal, na cidade de Veranópolis, no interior do Rio Grande do Sul, quando tinha quinze ou dezesseis anos. O músico era um senhor chamado Arlindo Gazzana, que tocava no conjunto Ré-Fá-Si. O que mais lhe chamou a atenção, ao ouvir a clássica canção natalina “Noite Feliz”, foi a qualidade e a beleza do som, que parecia vir de um anjo. A partir desse momento, resolveu se dedicar ao aprendizado do instrumento, que já o acompanha há mais de cinquenta anos. Na Feira do Livro de Porto Alegre de 1997, lançou a obra “Arte de tocar o serrote musical: Histórico, método e segredos”, contribuindo para ampliar a rara bibliografia sobre o tema. Conforme a pesquisa realizada, constatou que o pioneiro no estado foi o músico e compositor Doris José Schlatter, da cidade de Feliz. Este ensinou a técnica para João Plínio Junchem, de São Sebastião do Caí, que a repassou para Arlindo Gazzana, de Veranópolis, com quem Frizon aprendeu a tocar.  Atualmente, é um dos poucos professores de serrote em Porto Alegre. Nas outras cidades do Rio Grande do Sul, aqueles que continuam ensinando essa técnica já foram seus alunos. Além disso, ele detém os direitos autorais das composições deixadas por Schlatter.

José Mário Guedes tira som da lâmina com o uso do martelete

O grupo se formou depois que Frizon ministrou o I° Curso de Serrote Musical, em 1999, em parceria com a professora Rose Marie Reis Garcia, então presidente da Comissão Gaúcha de Folclore. Um ano depois, houve a criação da Orquestra de Lâminas de Porto Alegre, atual Grupo de Lâminas de Porto Alegre. Os outros dois músicos que completam o naipe de serrotes, Arno Dreyer Scherch e José Mário Guedes, já estavam presentes nessa primeira edição do curso. Eles demonstraram maior facilidade para se adaptar ao conjunto, uma vez que a orquestra exigia a capacidade de executar músicas cada vez mais complexas. Frizon ressalta que o aprendiz necessita ter bom ouvido, coordenação motora e conhecimento musical, pois o serrote não tem marcações definidas como os instrumentos convencionais. Ao que José Mário Guedes, bem-humorado, complementa: “o serrote possui um único traste, que é o próprio músico”.

Na época do curso, Frizon comprou os serrotes para os seus alunos em uma loja de ferramentas gerais, na rua Voluntários da Pátria, no centro de Porto Alegre. São poucas as diferenças entre o instrumento e a ferramenta. Normalmente, o que o músico faz é uma adaptação, tirando os dentes do serrote original. Isso serve para não machucar as mãos na hora de tocar. A lâmina, em si, é a mesma. A única condição para usá-la como instrumento é que ela seja bastante flexível. O grupo relembra que, naquela ocasião, os serrotes custaram cerca de vinte reais e, por mais incrível que pareça, o mais caro de se adquirir foi o arco do violino. Fora do Brasil, já existe a fabricação especializada do serrote musical, chegando a ser vendido por três ou quatro mil dólares. Frizon possui um desses instrumentos importados, mas, curiosamente, prefere a ferramenta que ele adaptou. Um dos músicos do grupo, Arno Dreyer Scherch, tem fabricado os seus próprios serrotes, alcançando, assim, outras tonalidades. Cada um deles toca com um serrote diferente: Frizon possui o agudo, José Mário, o médio e Arno, o grave.

O ideal é que, ao escolher a ferramenta, o músico opte pela lâmina mais flexível e pelo serrote de 28 polegadas. Apesar de não ter nenhuma marcação como os instrumentos convencionais, com o tempo o músico vai decorando as suas posições. Quanto mais curvada a lâmina estiver, ou seja, quanto menor for o ângulo, mais agudo será o som. E, ao contrário, quanto mais reta ela estiver, isto é, quanto maior for o ângulo, mais grave serão as notas. Não existe um estilo específico para o serrote, pois é possível executar nele qualquer tipo de música, desde que se tenha o domínio da técnica. No geral, é mais difícil realizar passagens com notas muito rápidas, ao passo que músicas lentas se adaptam melhor à lâmina. No Rio Grande do Sul, duas vertentes se sobressaem: a tradicionalista e a erudita. Como exemplo da primeira, está o serrotista Paulinho Pires e, da segunda, o próprio Grupo de Lâminas de Porto Alegre. Com um repertório de mais de quinhentas músicas, eles se aprimoraram em estilos diversos: música brasileira, argentina, italiana, francesa, alemã, inglesa, portuguesa, israelense, americana e russa.

Com um repertório tão vasto e uma carreira de treze anos, fica difícil imaginar como eles não são mais populares. O grupo costuma se apresentar com frequência em cidades do interior e também na capital gaúcha, como na Igreja São José, no centro de Porto Alegre. Porém, tocaram em poucos estados além do Rio Grande do Sul e nunca chegaram a sair do país. Atualmente, estão gravando um álbum que deve ser lançado nesse ano ou então em 2013. Recordam que o auge do serrote como instrumento musical parece ter sido os anos de 1999 e 2000, quando o tema passou a ser amplamente divulgado pela mídia. Depois, pouco se falou sobre o assunto. No entanto, ao serem questionados se Porto Alegre teria um público que aprecia o serrote, o grupo prontamente respondeu que sim, pois os concertos que eles promovem, uma ou duas vezes por mês, costumam ter a platéia lotada. Portanto, aceitação e interesse do público eles afirmam ter de sobra, o que falta apenas é divulgação e reconhecimento do seu trabalho. 

Confira o vídeo que gravamos com uma apresentação do grupo: 

 

 

*Mariana Bartz é jornalista formada pela PUCRS e atualmente estuda Escrita Criativa na mesma universidade

** Thiago Couto é jornalista formado pela PUCRS 

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4 comentários em “A música que vem do aço

  1. Sou artista circense estou querendo comprar um serrote para tocar não encontro já estou procurando um tempo onde encontro tamanho marca se puderem me ajudar agradeço

  2. José Mário! Somente hoje tive a oportunidade de ver o vídeo da orquestra de serrotes! Emocionante! Um grande presente! Saber que Arlindo Gazzana (amigo do meu pai) incentivou este instrumento é muito bom!
    Quando é que acontecerá um documentário no programa Rio Grande Rural? É preciso valorizar os talentos da casa! Por favor, seria adorável! Sucesso! Abraço, Nica

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