Em tempos em que os organizadores de shows “metem a faca” na hora de definir os valores dos ingressos, o El Mapa de Todos se firma cada vez mais como um exemplo de festival. Exemplo porque consegue reunir artistas de diferentes estilos de toda a América Latina e, melhor ainda, o faz por um preço módico. Afinal, quais as chances, no Brasil, de se assistir cinco atrações por noite a apenas R$ 20 (o que dá R$ 4 por atração)? Um festival estruturado, em uma casa de shows com uma estrutura eficiente (bar Opinião), é, sim, um exemplo a ser seguido, e uma prova de que é possível colocar em prática uma iniciativa bacana sem extorquir o público.
Queixas sobre alguma das atrações, ou até o dia ou a hora em que elas estão escaladas para tocar, sempre irão existir. Mas é preciso ser muito chato para desprezar um festival que agregue diversas culturas e proporcione a disseminação da música. Sendo assim, sem mais delongas sobre a relevância do evento, fizemos um breve relato do que rolou no El Mapa – um festival que, com o perdão do trocadilho, está colocando Porto Alegre defintivamente no mapa da cultura latino-americana.
Primeiro dia (Por Carolina Teixeira)
Contrariando o que geralmente acontece em festivais com várias bandas, que começam lotados e vão esvaziando com o decorrer dos shows, a edição deste ano do El Mapa de Todos começou com pouquíssima gente no Opinião e terminou com a casa cheia. A abertura do festival , na terça-feira, dia 6, trouxe cinco bandas ao “Palco Cidade Baixa em Alta”, uma referência ao projeto de mesmo nome, que visa revitalizar a cultura no bairro.
Quem inaugurou o palco foi a banda General Bonimores, de Passo Fundo. Com um som dançante e uma pegada clássica do rock, que por vezes lembra bastante Strokes, a apresentação animou quem estava por lá. O show dos caras foi seguido pela primeira atração internacional da noite: o venezuelano Algodón Egipcio.
Com um blackpower enorme, o cara sobe ao palco sozinho, apenas com teclados, synths e samplers. A guitarra aparece apenas em algumas músicas. O som, totalmente experimental e psicodélico, causou um estranhamento do público, que ficou contido. Mesmo assim, Algodón Egipcio mostrou que se faz boa música na Venezuela. Para nenhum fã de Radiohead colocar defeito.
Após o show do venezuelano, em questão de minutos, a casa ficou lotada. A terceira atração da noite subia ao palco. Era Rodrigo Tavares, ex-baixista da Fresno. O cantor apresentou seu projeto solo, intitulado Esteban, que traz uma pegada platina, com teclado e acordeon. Por causa dele, o público adolescente compareceu em peso ao local e cantou do início ao fim, em coro, todas as músicas do show.
A atração seguinte veio direto do Uruguai. A banda Franny Glass conquistou o público com suas baladas folks. Com letras românticas, embaladas por violão, os uruguaios apresentaram um som tipicamente platino, parecido com Fito Páez. O ritmo calmo fez o público ensaiar alguns passos, e até ganhou coro em músicas como “A través de mi”.
Porém, foi a Apanhador Só que arrebatou a plateia. A banda gaúcha subiu ao palco com “Maria Augusta”, fazendo uma casa lotada dançar o seu arrasta-pé. Sem dúvida, a Apanhador Só foi a grande atração da noite, comprovando ser a banda de maior sucesso na atual cena musical porto-alegrense. O show dos meninos, último do ano em Porto Alegre, contou com a participação de Lorenzo Flach, neto do gênio Geraldo Flach, e teve também a apresentação da nova música “Cartão Postal”, que vai integrar o seu próximo álbum.
Apesar da proposta de integração musical entre os países latinos, na primeira noite do El Mapa de Todos – assim como na edição anterior do festival -, quem acabou deixando o público na ponta dos pés foram as atrações gaúchas.
Segundo dia (Por Daniel Sanes)
Repetindo o que ocorreu na primeira noite, os shows do El Mapa na quarta-feira, dia 7, não tiveram mais que cinco minutos de atraso – quando tiveram. Assim, pouco depois das 21h subia ao palco o quarteto instrumental The Tape Disaster. A banda é, sem dúvida, uma das melhores em seu segmento, equiparando-se a grupos como Macaco Bong em virtuosismo e peso, como se pode notar em canções como “A Voz do Fogo”. A ausência de vocais é plenamente preenchida pelas melodias fortes e empolgantes – uma prova de que a música instrumental pode, sim, cativar um público maior.
Após um breve intervalo, é a vez da primeira atração internacional da noite: Norma, da Argentina. Praticamente desconhecida por aqui, a banda de La Plata mostrou um rock básico, calcado no punk rock, mas muito eficiente. A reação do público foi mais de surpresa, por não conhecer a música do grupo, mas certamente os caras conseguiram causar uma boa impressão.
A Bidê ou Balde já entra com o público na mão, cantando o hit “Microondas”. Quem já viu um show da banda sabe que é sempre uma experiência fantástica, tendo em vista o repertório e o carisma de seus integrantes. Carlinhos Carneiro, inclusive, “caminhou” sobre a plateia, algo surreal, especialmente se levarmos em conta o tamanho da figura! Entre covers (a já tradicional “Hoje”, do Camisa de Vênus) e muitos, muitos sucessos, o destaque ficou com a execução, até então inédita em Porto Alegre, de “+Q1 Amigo”, música que estará no próximo disco da banda, prestes a sair. Um show de primeira.
Quebrando um pouco o clima rocker da noite, mas sem deixar cair a “peteca”, os peruanos da Bareto vieram com uma percussão marcante que transformou o Opinião em um grande salão de baile. Nem era preciso conhecer as letras da banda: a cumbia, um dos ritmos latinos mais disseminados na região fronteiriça, colocou todo mundo pra dançar. O grupo ainda mencionou a semelhança com os ritmos nordestinos e emendou uma versão de “Mulher Rendeira” (“Mujer Hilandera”), um xaxado escrito há quase um século que se tornou “hino” de Lampião e seus cangaceiros.
Sem dúvida a atração internacional mais aguardada do festival era El Cuarteto de Nos. O veterano grupo uruguaio tem um séquito de fãs no Rio Grande do Sul, muito pela proximidade com o prata, e outro tanto pela forte presença de Hermanos na capital gaúcha. Isso se refletiu no show, com bandeiras celestes erguidas com orgulho no meio da pista e no mezanino, e um coro de vozes impressionante para recepcionar o Cuarteto, que abriu os trabalhos com “Algo Mejor que Hacer”. O hit “Ya No Sé qué Hacer Comigo” foi um dos pontos altos do show, assim como a mais recente “Buen Dia Benito”. Um show simplesmente perfeito, brilhante, cujo único motivo para lamentar é o fato de uma banda como El Cuarteto de Nos não ser mais conhecida em outras regiões do Brasil. Bom, mas essa é uma das missões do festival, do público e dos formadores de opinião presentes no El Mapa.
Terceiro dia (Por Rafael Gloria)
Quem começou abrindo os trabalhos na última noite do festival foi a Medialunas, formada pelo casal Andrio Maquenzi (Superguidis, Urso e Worldengine) na guitarra/vocal e Liege Milk (Loomer e Hangovers) na bateria/vocal. Com a dupla cantando em português, inglês e espanhol, a meia hora de show passou voando. O som é aquelerock grudento e de guitarras distorcidas especialmente no ponto. Perto do fim do show, eles literalmente “lançaram” o CD de estreia, intitulado Intropologia, para a galera que estava curtindo o show. Vale a pena escutar.
Em seguida, foi a vez da chilena Dënver que subiu ao palco um pouco antes das 22h. Com um set mais dançante, a banda conta com uma bateria eletrônica e utiliza bastantes sintetizadores. Destaque para a vocalista Maria Montenegro que, apesar do braço engessado (com direito a detalhes dourados no gesso), apresentou um belo desempenho tanto vocal como no quesito presença no palco. Ah, Milton Mahan, vocalista e guitarrista do grupo, também parecia empolgado com o show, principalmente quando pegava o microfone para cantar (e dançar estranhamente).
Foi somente com o Autoramas que o público no Opinião ficou mais agitado. O trio, liderado pelo guitarrista e vocalista Gabriel Thomaz, é um dos grupos mais bem-sucedidos no cenário independente brasileiro. Muito motivado, Gabriel gritava para a plateia “rock’n’roll” a toda hora, pedindo retorno do púbico, que respondia de prontidão. Eles tocaram basicamente as músicas do último CD, de 2011, chamado Música Crocante, uma atrás da outra. De poucas palavras com o público, mas de muita interação musical, o Autoramas fez o show mais empolgante da noite.
Se o trio carioca fez o show mais empolgante, o mexicano Juan Cirerol foi, pelo menos para este humilde repórter, a surpresa da noite. Empunhando apenas um violão, ele conseguiu manter a empolgação do show anterior e ainda surpreendeu a galera. Mostrou grande virtuosismo no instrumento sem parecer esnobe. Talvez isso aconteça pela mistura de gêneros musicais que apresenta: música country, tradicional mexicana, folk…Tudo isso, somado a uma boa capacidade vocal, fez com que Cirerol saísse bastante aplaudido do palco. Vale dizer também que ele tocou uma gaita de boca. Alguns até o já estavam chamando de Bob Dylan mexicano…
Para fechar a noite, foi convidada a banda Nenhum de Nós. Mas, antes disso, o idealizador do El Mapa de Todos, Fernando Rosa, conhecido como Senhor F (nome de portal, produtora, selo e programa de rádio), agradeceu ao público e a todo mundo que ajudou na organização. “A intenção sempre foi promover a integração sul-americana, tenho orgulho do público de Porto Alegre e do Brasil, que ajudou a proporcionar isso”, disse. Em seguida, a banda porto-alegrense entrou no palco tocando alguns dos seus maiores hits. Animados e agradecidos pela oportunidade de fecharem o festival, eles preparam um material especial para a noite, que incluía uma nova roupagem para as músicas e algumas canções em espanhol. No início do show, um acontecimento triste e isolado de um evento muito bem organizado: alguém da plateia acertou um copo de cerveja no vocalista Thedy Corrêa. Prontamente, ele parou a música e deu um sermão no público. Mais tarde, a pessoa foi localizada e retirada do local.
Crédito da foto de abertura do post: Michel Cortez
Confira nossa cobertura do El Mapa de Todos 2011 aqui