Por Riccardo Facchini*
Uma quebra de paradigma: assim pode ser definida a deflagração do movimento tropicalista, iniciado por volta de 1967 até 1972, por artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Mutantes, Gal Costa, entre outros. A Tropicália, no entanto, não ficou restrita ao campo musical: as artes plásticas e cênicas também estavam representadas na influência mútua de Hélio Oiticica e José Celso Martinez Corrêa com o movimento e do movimento com eles. O cinema de Glauber Rocha e a literatura de Oswald de Andrade também deram e receberam contribuições dos tropicalistas.
Foi dessa importante manifestação cultural brasileira que tratou a palestra “Tropicália – Das Origens à Explosão Nacional”, evento ligado à 58ª Feira do Livro de Porto Alegre. Foram convidados para comentar o movimento o jornalista Carlos Calado, autor do livro “Tropicália – a História de Uma Revolução Musical”, e José Teles, também jornalista, autor do livro “Do Frevo ao Manguebeat”. A mediação ficou por conta de Arthur de Faria. Durante uma hora e meia, diversos assuntos relativos à vanguarda tropicalista foram debatidos com uma plateia de 35 pessoas.
A discussão começou quente, com Teles e Calado divergindo sobre quando foi a explosão inicial tropicalista. Teles argumentou que esta deu-se apenas em 1968, enquanto que Calado defendeu que ela se efetivou ainda no Festival da Record, em 1967, quando Caetano foi vaiado por usar guitarra elétrica na execução de “Alegria, Alegria” [pouco tempo antes, havia acontecido a Passeata Contra a Guitarra Elétrica, liderada por Elis Regina]. Em meio a risadas, alfinetou o colega: “Eu acho que o José Teles realmente vai ter que escrever a nova história da Tropicália”. Minutos mais tarde, no meio de outra fala, ele, dizendo-se admirador do autor, convidou Teles para esmiuçar o episódio, botando panos quentes na história.
O protagonista acabou sendo mesmo Calado, com Teles um pouco deslocado devido ao fato de a Tropicália não ser seu objeto de estudo. Além do tropicalismo e do Manguebeat, Os Mutantes, que também foi tema de livro de Calado, foi um assunto abordado com profundidade.
Respondendo a perguntas, ainda foi explicada a origem do nome Tropicália, que não veio de Caetano, mas sim de Nelson Motta em uma crônica, e na sequência Arthur de Faria puxou o assunto da duração dos movimentos da música brasileira. Segundo ele, o Tropicalismo, a Bossa Nova e o Manguebeat, que ficaram marcadas como coisas imensas, duraram muito pouco tempo, coisa de três ou quatro anos, e venderam pouco em suas épocas.
Calado ainda dissertou sobre a diferença essencial entre a Tropicália e a Bossa Nova ou o Manguebeat: segundo ele, a Bossa Nova nem chegou a ser propriamente um movimento, já que os artistas ligados ao estilo não faziam muitas reuniões ou se encontravam para planejar algo.
Conforme Calado, “a Bossa Nova é uma maneira de fazer música: é uma maneira de interpretar, é um estilo; a Tropicália não. Cada canção tropicalista é diferente da outra. Nunca houve na Tropicália essa ideia de se fazer a música de uma determinada maneira, de uma determinada fórmula. A Tropicália antes de tudo era uma atitude bastante crítica, tanto em relação à música como em relação à cultura brasileira, e também a ideia da tropicália nasce no momento em que existia um misto de conservadorismo com um nacionalismo meio tosco em setores da música brasileira”.
No final, ainda deu tempo para Calado dizer que quem mantém viva a chama do tropicalismo, da atitude crítica e provocadora, é Tom Zé. “Ouso dizer que o primeiro tropicalista realmente foi o Tom Zé. O Tom Zé foi se apresentar pela primeira vez na televisão num programa que se chamava Escada para a Fama, ou algo muito parecido, e ele vai nesse programa com uma canção chamada Rampa para o Fracasso. Isso é a cara do tropicalismo”, encerrou.
*Estudante de Jornalismo da UFRGS