Por Riccardo Facchini
Fotos Michel Cortez
Ver o Playing For Change é mais do que ver um simples show de música. Apesar de o projeto ter sido criado pelo produtor Mark Johnson, que buscou músicos de rua de várias partes do mundo e os reuniu, tendo assim um claro viés comercial, este não é, de longe, o espírito que permeia a apresentação. A ideia do grupo é superar as fronteiras e diferenças entre as pessoas através da música. Além da banda, há também a fundação homônima que constrói escolas de música para crianças por todo o planeta.
Entrando no palco com nove músicos que começaram ao som de reggae, ritmo que predominou na noite, a banda esperou a segunda música para trazer às luzes Grandpa Elliott, espécie de B.B. King das ruas de New Orleans. Logo de cara, Grandpa e sua turma mandaram um blues venenoso nos tímpanos do público presente em bom número.
Na sequência o Playing voltou ao reggae com “Back To Your Roots” e “Let’s Not Worry”. Extremamente enérgicos, os dez integrantes ainda passearam por músicas mais pop e ritmos latinos como a salsa, sempre com muita precisão instrumental em todos os ritmos. Além disso, demonstrando o talento com os instrumentos, houve espaço para diversos improvisos durante as músicas. Quem mais se destacou nesses momentos foi o guitarrista Louis Mhlanga, do Zimbábue, sublime nos solos.
Apesar do show já estar em um bom ritmo, foi com o clássico “A Change Is Gonna Come”, de Sam Cooke, que a coisa realmente ferveu. Com belíssimos vocais de Grandpa Elliott e das vocalistas de apoio Tal Ben Ri “Tula” (israelense) e Titi Tsira (sul-africana), não teve quem não se arrepiasse. Depois, “Sonho Meu”, música de Dona Ivone de Lara, cantada em português mesmo, acabou sendo a surpresa e o presente da banda para os porto-alegrenses. “Three Little Birds”, de Bob Marley, deu sequência às canções mais conhecidas com direito a todo o Opinião cantando junto no refrão.
Indo para os finalmentes, deu tempo de ouvir mais blues e soul, com, respectivamente, “Hold on, I’m Coming” e “Sitting in the Doc of the Bay”. Para finalizar, sem sair do palco, foram executadas “What’s Up” (do refrão ‘I said hey! what’s going on?’), do grupo 4 Non Blondes, um dos maiores hits da década de 90, novamente fazendo a espinha dos presentes se arrepiar, ainda mais intercalando a música com “Don’t Worry, Be Happy”, também de Bob Marley, e voltando para What’s Up em ritmo acelerado, botando todos para pular.
E não poderia haver outro final para o show do que com “Stand By Me”, música responsável por fazer o projeto ser conhecido ao redor do mundo graças ao vídeo de 2008 em que diversos artistas interpretam de suas respectivas cidades ao redor do globo. Hoje, o vídeo conta com mais de 46 milhões de visualizações.
Ainda durante “Stand By Me”, Grandpa Elliott, na apresentação da banda, ao ser reintroduzido, recebeu um dos mais sonoros e duradouros aplausos que este repórter já teve a honra de presenciar – e participar –, e com completa justiça, diga-se. Para tornar tudo mais emocionante, depois do encerramento da canção, dos agradecimentos e de todos os outros membros já terem saído do palco, Grandpa, que é cego, ficou mais um pouco e cantou alguns versos à capela, numa demonstração pura de talento e sentimento.
Depois do show, de forma extremamente amigável e acessível, o vocalista de apoio Clarence Bekker parou para tirar fotos com os fãs e concedeu entrevista exclusiva ao Nonada, na qual disse que “é muito bom poder viajar o mundo, mostrar minha arte e me apresentar por diversos lugares diferentes. Estamos recebendo muito amor e muita energia e eu espero dar tudo isso de volta”. Quem também falou exclusivamente foi a vocalista israelense Tula: “É um grande privilégio, é incrível. Me sinto muito sortuda, porque a gente conhece um pouco mais, e a gente aprende muito em cada lugar que vamos”.
O show trazido via financiamento coletivo pela plataforma Traga Seu Show vai ficar certamente marcado como um dos melhores do ano da cidade – para alguns, o melhor. É por causa desse espírito de humildade, respeito e, sobretudo, amizade que, como já dito, ver o Playing For Change é ver mais do que um show: é estar, de alguma forma, participando de uma espécie de comunhão em torno do que realmente vale a pena.