A questão ambiental no Brasil foi tema do segundo encontro do Fronteiras do Pensamento 2013 em Porto Alegre. Para falar sobre o assunto, duas lideranças de longa trajetória no ativismo ambiental subiram ao palco do Salão de Atos da UFRGS na última segunda-feira (27): a historiadora Marina Silva e o jornalista Fernando Gabeira. Após a saudação musical do flautista Leonardo Winter, pautas diversas, sugeridas pelos dois e também pelo público, motivaram o debate, que contou com a mediação de Tulio Milman.
Gabeira deu o pontapé inicial na conversa, apresentando um panorama histórico-político da problemática do meio ambiente no país. Ele relembrou que a concepção sobre a questão durante os governos militares era oportunista: a preocupação internacional que se desenvolvia com a preservação da vida era tomada no Brasil como uma forma de atrair empresas, pela flexibilidade das normas ambientais aplicadas em nosso território.
De acordo com o jornalista, o assunto só foi ser tratado de outra forma no processo de redemocratização, muito por causa do desejo de responder internacionalmente às novas ideias que estavam sendo postas em nível global. Havia também o objetivo de melhorar a imagem do país, considerando todos os danos ambientais já causados principalmente em nossas florestas.
Em relação às posições do governo atual frente aos desafios da sustentabilidade, Gabeira identifica uma clara tendência ao retrocesso: “Dilma Rousseff parece não ter uma visão clara sobre a questão”, afirmou. Nos embates que vêm surgindo no campo ambiental, como os relativos às implantações de hidrelétricas, o governo tem assumindo posturas desconectadas de uma visão a longo prazo.
Por outro lado, ele vê nas grandes cidades processos de mudanças, com grupos de pessoas se organizando para a ocupação dos espaços de forma inteligente e sustentável. O tema da mobilidade urbana, atualmente muito caro ao convidado, foi mencionado como um especial exemplo da tendência à mudança de mentalidade – isso num movimento contrário ao do governo, que inclusive adotou medidas que agravaram imobilidade .
Marina Silva também acredita que movimentos e pessoas que não mais se identificam com o modelo de desenvolvimento atual podem promover transformações, ou o que ela chama de “quebra de paradigma” em relação a uma forma de pensar a existência no mundo. Para a ambientalista, essas pessoas estariam nas bordas de um sistema insustentável, e nessa posição, elas têm a possibilidade de “encapsular” o centro.
Ela mencionou as crises mundiais atuais para as quais são necessárias soluções: as econômicas, as sociais, as ambientais, as políticas e principalmente a de valores. Reconectar as sociedades com a necessidade de ser, e não de ter, para Marina, é fundamental nesse contexto.
A mudança de postura essencial, segundo a convidada, tem a ver com a desmaterialização do consumo e com a valorização da criatividade. Ela criticou o fato de muitas pessoas só defenderem o “meio ambiente dos outros”, como as grandes questões relativas à floresta, não se preocupando com problemas do entorno, ou não prestando atenção nas decisões pela sustentabilidade que são de fácil alcance.
As políticas atuais também foram foco de críticas. Marina considerou, por exemplo, inaceitável o fato de não ter sido dada no Plano Decenal de Energia nenhuma atenção à questão da energia solar, justamente no país de maior ensolação do mundo. Ela observa um incentivo à manutenção de fontes de energia poluentes em detrimento das fontes limpas.
Gabeira também tocou no assunto, lembrando que a presença de Lobão como ministro nessa área demonstra um jogo de trocas políticas se sobrepondo à efetiva preocupação com a qualidade da representação pública. “O Obama escolheu como ministro da energia um prêmio Nobel de física”, comparou.
Ambos os convidados afirmaram a existência no país de condições materiais e ambientais para que o Brasil seja um exemplo a nível mundial da mudança de modelo de desenvolvimento. O ponto-chave, para Marina, se encontra muito numa tomada de atitude mais ética por parte de todos, e em especial dos políticos. Gabeira destacou o papel da educação na transformação efetiva das mentalidades.
Dentre outros temas, o pré-sal, a iniciativa privada e a corrupção foram enfocados ao longo da noite.