Ridley Scott precisa de um conselheiro

Trama confusa e personagens desinteressantes tornam "O Conselheiro do Crime" um exercício de tédio. (Crédito: divulgação)

O Conselheiro do Crime (The Counselor, EUA/Reino Unido, 2013)

Direção: Ridley Scott

Roteiro: Cormac McCarthy

Com: Michael Fassbender, Javier Bardem, Cameron Diaz, Penélope Cruz, Brad Pitt, Rosie Perez, Richard Cabral, Bruno Ganz, Édgar Ramírez, Sam Spruell, Fernando Cayo, Dean Norris, Goran Visnjic, John Leguizamo e Natalie Dormer.

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Não conheço a obra literária de Cormac McCarthy, e tampouco assisti a filmes baseados em romances de sua autoria (como os elogiados Onde os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen; e A Estrada, de John Hillcoat). Imagino que os fãs do escritor tenham alimentado alguma expectativa com relação à sua estreia como roteirista: afinal, envolve uma trama policial comandada por um diretor que tem alguma experiência em obras do gênero (Chuva Negra, Hannibal, O Gângster). No entanto, não é difícil que o trabalho de McCarthy como romancista seja superior à sua investida no Cinema, tendo em vista a fragilidade de sua trama – e Ridley Scott não consegue tornar a experiência muito melhor.

O Conselheiro do Crime acompanha cinco figuras em suas relações no universo do tráfico: o Conselheiro (Fassbender) aceita a proposta de Reiner (Bardem) de integrar-se a uma operação de transporte de drogas da Colômbia até Chicago – uma ação que também envolve Westrey (Pitt), cuja função dentro do esquema é… bom, a de Reiner também não fica clara. No entanto, o filho de uma cliente do Conselheiro é morto por um grupo rival e sua conexão com o protagonista acaba comprometendo a posição dos três homens, que precisam escapar dos chefões do cartel – algo que pode envolver a misteriosa Malkina (Diaz), namorada de Reiner. E ainda há Laura (Cruz), que está prestes a se casar com o Conselheiro.

(Crédito: divulgação)

Empregando um longo tempo na tentativa de explicar todos os passos do transporte da droga, é impressionante como o roteiro de McCarthy falha miseravelmente no processo, que jamais envolve ou deixa de ser confuso – e isso envolve boa parte da primeira hora da projeção. Para piorar, o núcleo de personagens principais tampouco apresenta um único indivíduo cativante e/ou interessante. Assim, quando as coisas começam a sair do controle, o espectador há muito já perdeu qualquer interesse no que poderá acontecer – e a burrice do protagonista só contribui para deixar tudo ainda mais entediante: embora perceba que continuar usando o próprio celular seria insensato depois que começa a ser perseguido, o sujeito é imbecil a ponto de permitir que Laura faça reservas num hotel pela Internet.

E mais: afinal, Laura sabia ou não do envolvimento do namorado com ilegalidades? Alguns de seus diálogos dão a entender que sim, mas ela não dá a impressão de ser a única ali com alguma espécie de bússola moral? Problemático no desenvolvimento dos personagens e estruturado de forma caótica, o roteiro de McCarthy erra até mesmo no que tem de melhor: os diálogos. Sim, não há como negar que são elegantes – elegantes demais para aqueles personagens. É frequente ao longo da narrativa que alguns personagens se entreguem a devaneios tão elaborados que deixam de parecer reais (como as conversas que Fassbender mantém com um chefe do crime e com o dono de uma taberna) ou não parecem ter função alguma na narrativa (a cena em que Diaz entra num confessionário).

(Crédito: divulgação)

O que nos traz à melhor personagem do filme – e que é entregue justamente ao elo mais fraco do elenco: embora as limitações de Cameron Diaz como atriz contribuam para tornar Malkina uma figura imediatamente dúbia, ela falha em conferir a dimensão necessária à mulher depois que suas intenções ficam mais claras (embora adereços como o dente de ouro e a tatuagem que imita seus guepardos de estimação ajudem a construir um ar intrigante). Ainda assim, comparada com o que a cerca, o saldo de Diaz é até positivo: enquanto Penélope Cruz é desperdiçada com uma personagem que jamais diz a que veio, Michael Fassbender faz o que pode com o insosso material que tem em mãos, embora a postura passiva do Conselheiro na segunda metade da projeção só contribua para afastá-lo ainda mais do espectador (mesmo que ele retrate o desespero do sujeito com a intensidade habitual). Já Javier Bardem e Brad Pitt parecem se divertir com a excentricidade de seus personagens – especialmente o primeiro, que se destaca ao narrar uma lembrança bizarríssima envolvendo Malkina -, mas nada que torne seus desempenhos memoráveis.

Contribuindo ainda mais para o fragilidade do projeto, está a montagem do experiente Pietro Scalia, que, ao intercalar trechos de ações de personagens secundários com a trama principal de forma quase aleatória, quebra o ritmo destas sequências e faz com que o espectador esqueça com frequência o que aconteceu imediatamente antes. E isso só aumenta a impressão de que Ridley Scott conduz a narrativa com absoluto desinteresse (o que, é preciso reconhecer, seria quase inevitável mesmo que o diretor não tivesse passado pelo suicídio do irmão durante as filmagens): o que ele quer dizer com este filme, afinal? Ainda assim, Scott volta a mostrar que não é de se acanhar diante de cenas pesadas, já que as sequências de ação são gráficas e bem orquestradas, evitando cortes excessivos – e há pelo menos um assassinato tão grotesco que pode garantir ao filme uma sobrevida na memória do espectador.

Isto é, caso este não durma até que ele surja em cena. Porque, no fim das contas, O Conselheiro do Crime é tão chato que é capaz até mesmo de diminuir a frustração com Prometheus. Ridley Scott anda precisando de uns conselhos sobre o que aceita dirigir para não cair de vez na total irrelevância.

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