Libertárias, feministas e apaixonadas por música. É assim que as integrantes da Orquestra de Mulheres, banda formada por 11 vozes femininas e instrumentos como violões, guitarra e percussão, se definem. Com a proposta de se expressarem sobre o machismo e a opressão que vivem cotidianamente, elas se reuniram pela primeira vez há pouco mais de um ano e meio para levantar vozes e transformar anseios em arte. “Uma vez reunidas, nós começamos a prestar ainda mais atenção nas opressões que acontecem, mesmo nos espaços ditos libertários. No fim, a banda também acabou se transformando em um espaço de aprendizado, de trocas. Mais do que uma banda, é um coletivo”, destaca Pamela Fontoura, ou Pamelouca, uma das quatro integrantes que conversaram com o Nonada antes de um ensaio da banda.
Se a luta que move essas mulheres é a mesma, a Orquestra é pura pluralidade em termos musicais. As influências vão da música latina, com destaque para Mercedes Sosa e Violeta Parra, ao rock’n’roll. Doces Bárbaros – o grupo que Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia formaram em 1976 – e Raul Seixas também são apontados como referências. Foi no álbum Estudando o Pagode: na Opereta Segregamulher e Amor, de Tom Zé, porém, que elas encontraram o cerne para a formação da banda. Lançado em 2005, o disco é um ensaio sobre a opressão à mulher, concretizado no formato de uma opereta em 3 atos. O álbum foi produzido depois de uma pesquisa que o cantor fez sobre o tema por meio dos livros O Cálice e a Espada e O Prazer Sagrado – Sexo, Mito e Política do Corpo, ambos de Riane Eisler, que relacionam o patriarcado com a dominação masculina presente ainda hoje.
Com o tempo, as inspirações foram se diluindo nas próprias composições das meninas, como Seios Nada Demais e Canção das Andarilhas. “A vida é envolvida com música, então acho que é a maneira mais fácil de chegar nas pessoas com as nossas ideias”, diz Marília Cercina. Além do papel da mulher na sociedade, também há espaço para músicas sobre relacionamentos, sobre amor e até sobre a própria banda, como conta Michele Leão – ou simplesmente Micha. “As nossas composições tratam muito da nossa experiência, do próprio movimento que foi a Orquestra. A gente brinca que o grupo começou chutando o balde de uma maneira, depois chutou de outra. No começo, nossas músicas falavam sobre o machismo em um tom mais forte”.
Atualmente, a banda já tem várias compositoras, e a tendência é que todas sigam esse caminho. “A gente se fortaleceu como grupo e conseguiu começar a se soltar, tanto para construir junto quanto para se soltar individualmente com as coisas que tinha para colocar para fora”, conta Georgia Manfroi. Para Pamela, “também é uma questão de libertação tu te sentir à vontade para expor um sentimento teu num grande grupo”.
Toda a diversidade presente entre elas passa também pela liberdade musical de aprender novos instrumentos e incorporá-los ao grupo. Sem posições para cada integrante, a Orquestra de Mulheres funciona também com uma espécie de oficina, em que as meninas brincam com a experimentação e aprendem umas com as outras. “Geralmente as bandas têm aquela coisa muito fixa, mas a gente circula muito. Isso faz parte da dinâmica da banda e é interessante não ter essas coisas presas. A gente quer se descobrir com o instrumento”, diz Michele. A oficina está sempre aberta a novas integrantes que se identifiquem com a banda, já que há espaço de sobra para quem quiser se juntar à Orquestra, elas avisam.
Apesar do nome, a Orquestra não tem maestria: a regência fica por conta da vontade de
falar e do amor pela música. Além disso, é nas diversas vozes das mulheres que o grupo tem seus instrumentos mais importantes, como conta Marília: “A voz na banda é fundamental, a gente sempre estuda muita técnica, então a voz é nosso instrumento de excelência”.
Algumas das integrantes da Orquestra também estão na banda Putinhas Aborteiras, outro grupo porto-alegrense pautado pelo feminismo, mas com um estilo distinto de se posicionar. “São coisas diferentes, apesar de ter como mote central a luta feminista de ocupar espaços” opina Georgia, que faz parte dos dois grupos. “Com as Putinhas, começa pela vontade política e tem a ver com funk, tem a ver com rap, com fala direta e até com o que a gente costumar chamar de uma estética punk. Aqui na Orquestra, a gente vai pra um lado de trabalhar com técnica, de se aprofundar nas músicas de outra maneira.”
Michele conta que tem receio de que as pessoas acabem diferenciando muito os dois grupos, já que a Orquestra fala sobre o feminismo de um modo mais lírico. “Talvez as pessoas pensem ‘ai, é isso aí, tem que falar do feminismo desse jeito.’ Não, a gente escolheu falar desse jeito, mas a gente não acha que o jeito que as gurias [do Putinhas Aborteiras] falam é errado. A gente tá junto, é o mesmo motivo”, ressalta. Pamela ressalta que um grupo sozinho não consegue abarcar todas as necessidades de um movimento com tantas reivindicações. “É importante para nós mesmas ver outras bandas surgirem e tomara que vão surgindo outros tipos de expressão”, torce.
A Orquestra de Mulheres ainda não tem músicas lançadas. Quem quiser conhecer o trabalho das meninas pode conferir a apresentação que a banda vai fazer no dia 10 de junho, às 12h30, no Campus do Vale da UFRGS (Av. Bento Gonçalves, 9500). Além das músicas, elas prometem levar ao campus outras formas de expressão, como poesias e malabares, em uma apresentação narrativa, mas com liberdade para as integrantes experimentarem novos meios na arte. “A gente tem essa ideia de que o nosso espetáculo seja meio teatral, então a gente tenta intercalar as nossas músicas com intervenções artísticas, poesias e fazer uma espécie de história para passar a nossa mensagem”, resume Michele.