Desde criança, Lucas Molina gostava muito de três coisas: videogame, arte e História. E não é que ele acabou conseguindo unir tudo isso? “Absurdamente, contra todas as chances”, comenta. E o nome dessa junção se chama Painter’s Guild, um game que vai colocar o jogador para gerenciar uma guilda de pintores na época do Renascimento italiano, portanto um jogo histórico retratando um período da história da arte muito importante. O jogo foi selecionado para fazer parte da biblioteca de jogos do Steam (sistema que fornece games de forma online desenvolvido pela produtora Valve) a partir do sucesso que fez na comunidade da plataforma Steam Greenlight, feita para desenvolvedores terem um acesso mais democrático ao processo de publicação dos seus jogos. Então, ainda esse ano, Painter’s Guild estará disponível no Steam.
Molina é historiador, dá aula de História para o Ensino Médio e acabou de concluir o mestrado em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ele pesquisou a trajetória do artista porto-alegrense Pedro Weingärtner do século XIX, que foi para a Europa estudar com mestres da pintura Realista, não aderindo ao modernismo – em voga na época. Entretanto, foi só na disciplina chamada Historiadores no Espaço Público do mestrado que ele teve um maior impulso para investir nos jogos digitais. “O trabalho consistia em fazer uma ação pública como historiador, divulgá-la de maneira criativa, que não fosse um artigo acadêmico em revista científica; era para atuar no espaço público como historiadores”, revela. Ele já tinha um jogo em desenvolvimento inicial, o Avant-Garde, um RPG que simula o cenário artístico francês do século XIX, e resolveu usá-lo no trabalho. Quando apresentou para a turma, foi um sucesso. “As pessoas nunca tinham imaginado essa possibilidade. O jogo não é tão divertido, mas ele é muito apresentável, tanto que ele empolgou bastante. Foi ali que começou, porque eu achei divertido fazer isso”, conta.
Dos jogos para a História e vice-versa
“Eu fiz História em grande parte devido aos jogos históricos, que me incentivaram a gostar de História”, revela Molina. Jogador assíduo de séries como Age of Empires e Civilization, no momento, para ele, os melhores do estilo jogo histórico são da produtora Paradox Interactive. “Ao contrário de Civilization, eles não fazem um sistema histórico único para toda a história da humanidade, e sim jogos menores em escalas de tempo menor”, explica. Como o Crusader Kings II, um dos seus favoritos, que se passa na era medieval, sendo um bom simulador. “Acredito que é possível aprender com esses jogos, mesmo não sendo educativos. Ao não ter essa proposta, eles acabam te ensinando sem querer”. Todos esses jogos motivaram muito Molina a fazer o vestibular para História, assim como também sua paixão pelo desenho. “É engraçado, o primeiro desenho que eu me lembro de ter feito e ter ficado orgulhoso, eu tinha apenas oito anos, era de um senador romano. De alguma forma a História sempre me chamou a atenção.”
Molina se define como um “intruso” no meio dos jogos. “Eu não sabia programar nada no começo, aprendi um pouco de noções do que é uma variável, o que é uma função, com o sistema de criação de mapas do Warcraft”, conta. E será que, se os jogos o levaram a fazer História, agora a História o vai levar a fazer alguma faculdade de jogos? “Se eu voltasse a ter 18 anos, talvez escolhesse um curso desse tipo. Mas acho que dá para se aprender sozinho mesmo, a maioria das ferramentas estão disponíveis na internet, então é só ir atrás” acredita. Para ele, fazer uma faculdade fora dos Jogos Digitais também lhe deu uma perspectiva diferente de quem fica apenas focado na produção do jogo mesmo. “Quem diz isso é o Will Wrigth, criador do The Sims. Antes de fazer um jogo, ele passa meses ou anos estudando outro assunto. Quando ele fez Sim City, estudou muito Urbanismo e depois fez o jogo”, conta.
Painter’s Guild
Em julho de 2013, Molina começou a trabalhar em Painter’s Guild, um jogo de gerenciamento de uma guilda de pintores na época fervorosa do Renascimento Italiano. Um jogo histórico e supostamente realista, mas com várias distorções da História. Ele explica melhor: “Eu tento fazer o jogo seguindo as características estruturais do período. Mas, a partir do momento em que tu começas a jogar, ele não segue a história, vai ser completamente inventado.” Então, por exemplo, ao contratar um artista, não vai ser um que realmente existiu e sim um artista criado pelo jogo, que vai ganhar um nome e habilidades aleatórias. “Alguém que poderia ter existido, mas não existiu”, complementa. Para ele, o jogador precisa poder criar alguma coisa. “Se não, acaba sendo como um filme, ele só vai ficar lá recebendo as informações , daí tu não tá jogando ou interagindo”, acredita. Por isso mesmo, Painter’s Guild não é só uma sequência de atos de acordo com a história. “São estruturas do que poderia ter acontecido, a partir de várias possibilidades”, explica.
O básico da jogabilidade já está pronto. Ele lançou o alpha junto com a campanha no Steam Greenlight, o que facilitou a identificação do jogador. “Surpreendentemente as pessoas gostaram, porque não acho o alpha muito bom. Mas eu também sou muito crítico com o que faço, então eu nunca vou achar muito bom, mas se as pessoas dizem que está, então ótimo.” Quanto à parte da trilha sonora, ele trabalha com o mesmo músico que sempre faz a parte sonora dos seus jogos. “O apelido dele é Morvan, e o conheci enquanto jogava Warcraft 3. Ele é suíço e também é um intruso, faz música por Hobby e trabalha no acelerador de partículas que tem lá”, relata. Quanto ao lançamento, Molina ainda não tem uma data definida. “Felizmente o Steam não impõe uma data de lançamento, você pode fazer quando quiser, então eu não estou determinando muito, só que vai sair esse ano”, conta. Agora, ele quer terminar uma versão nova até o final de junho devido ao Evento SB Games, que vai acontecer em Porto Alegre . “Será só em novembro, mas a inscrição para o festival de jogos vai até o final de junho. Engraçado que eles fizeram uma categoria nova que eu acho que foi para mim, a de Serious Games, que acredito que se encaixa perfeitamente com o Painter’s Guild”, conta.
O jogo todo será em inglês e, no momento, Molina não tem prazos de traduzir para o português, já que o foco ainda é o mercado internacional. Como desenvolvedor independente, é ele que faz praticamente todo o jogo, tirando a parte sonora, então é preciso se organizar. “Tento trabalhar todo dia no jogo, nem que seja um pouco. É claro que no fim de semana rende bem mais, mas é importante fazer todos os dias para não perder o ritmo”, acredita. E se quer seguir o caminho da pós-graduação e emendar o doutorado? “Não penso nisso para esse momento. Agora eu quero ver até onde os jogos me levam, até onde dá para chegar”, conclui.