O DJ, músico e produtor Piá conta quais são as maiores dificuldades de quem quer se sustentar com a atividade musical na cidade
Texto Camila Toledo
“Você é músico! Fantástico! Mas trabalha no quê, exatamente?”
Essa pergunta assombra toda a sorte de artistas. Atores, poetas e músicos enfrentam não só o desafio da inspiração, mas também a descrença que a maioria tem na arte como fonte de sustento. Além disso, tem quem diga que “músico vagabundo” é pleonasmo, aí imagine a dificuldade de se falar sobre um mercado musical. E conceitos como profissionalismo e pontualidade?
Para poder viver da arte, os artistas têm de conseguir, apenas com os lucros das suas apresentações e a venda de material, sustentar o prosaico – e pouquíssimo poético – cotidiano de contas para pagar. Para tanto, se valem dos cachês, dos ressarcimentos pelo direito autoral, dos contratos com as casas de shows e das relações com produtores e empresários. Entretanto, a vida boêmia, a relação imediata de arte com lazer e a subjetividade das atividades artístico-culturais motivam o imaginário de que arte não é trabalho, incentivam comportamentos pouco profissionais dos contratantes e até mesmo dos artistas.
O resultado disso, em uma microesfera como a cidade de Porto Alegre, traz sérias consequências. A relação entre bares e músicos tem limites discutíveis sem regras determinadas. Contratos são raros, e quase sempre só verbais. Empresário é coisa de gente famosa, e o músico é seu próprio divulgador. E então, como sobrevive o músico porto alegrense? Aliás, sobrevive o músico apenas sendo músico ou terá ele uma resposta não associada à arte para a pergunta do título desse texto?
Para responder a essa questão, eis as opiniões do conhecido DJ, produtor, músico e apresentador Piá.
Segundo o DJ, o mercado musical local carece de profissionais especializados na produção empresarial dos artistas. O músico só promoverá sua arte dentro desse mercado se souber vendê-la. E, por “saber vender sua arte”, leia-se a relação que o artista precisa ter com as redes sociais, segundo Piá. Ou ainda, a habilidade de organizar eventos para realizar suas performances e até a “malandragem” necessária para vencer os custos dos eventos. Eis as dificuldades desse mercado.
Além disso, o profissionalismo dos músicos é raridade, segundo o DJ. “Há muitos que se
atrasam para passar o som, por exemplo”, aponta. E, quando perguntado sobre os músicos que aceitam tocar de graça ou por cachês simbólicos, ele conta que quase teve de parar de trabalhar por isso. Donos de bares se recusavam a contratá-lo como DJ porque optavam por um profissional iniciante que aceitasse 50 reais para gerenciar o som ambiente do bar ou um computador, uma playlist e um garçom que fizesse ambas as atividades.
Artistas de reconhecimento nacional admitem que tiveram de sair de suas cidades de origem para obter o êxito de viver da música. Mas e os artistas gaúchos, mais especificamente os de Porto Alegre? Conseguem sobreviver de música aqui na Capital (ou no Estado) ou a cena o obriga a procurar novos públicos?
Piá morou na Califórnia por alguns meses. Lá, em pouco tempo, passou a trabalhar como DJ, tocando música brasileira em festas locais. Entretanto, compromissos familiares o fizeram retornar. Ele não esconde que, se pudesse voltar no tempo, faria tudo novamente e talvez não tivesse voltado. O músico diz que lá as possibilidades de crescimento eram inúmeras e aponta que a cena daqui ainda é muito inferior aos maiores centros brasileiros, e obviamente, aos norte-americanos. Ele lembra de vários colegas seus que tiveram de sair do Brasil para poder seguir na carreira e também dos que permaneceram e hoje não só têm outras atividades, como já não são mais tão lembrados. Piá permaneceu na mídia local, mas justamente por conta das alternativas que o destino ou o “fluxo aleatório de eventos” lhe apresentou.
O músico fez parte do corpo de apresentadores da Rádio Ipanema por bastante tempo e, embora a oportunidade tenha surgido “por acaso”, a convite da apresentadora Kátia Suman nos anos 90, ele vem se mantendo nessa posição até agora: hoje é apresentador do programa “Radar” da TVE e do programa “Cesta Básica” da FM Cultura. Para ele, o rádio foi uma alternativa. Ele queria “criar uma cena Hip Hop” e achou que produzindo os eventos e à frente da apresentação de um programa de rádio, assim o faria.
Piá enfatiza que virou seu próprio produtor por necessidade. Embora considere que o ideal seria se o “músico pudesse ser só músico”, isso nem sempre é possível. O DJ produziu diversos eventos, a maioria com artistas importantes como convidados, e ao fim de tudo, ainda tinha de vencer sua exaustão para efetivamente se apresentar. Piá vive da música, mas claramente de outras esferas adjacentes e complementares aos palcos. Mesmo sendo DJ e tocando semanalmente, sente que está afastado da rotina de produção musical que gostaria.
Hoje, ele agradece pelas oportunidades que o destino lhe apresentou – embora tenha sido a impossibilidade de se sustentar apenas com suas composições que o tenha levado a ter exercer tantas outras atividades. Piá conta que, para ser apresentador de TV e radialista, precisa exercitar sua capacidade em níveis que jamais imaginaria. O produtor se define com a seguinte frase: “Talvez eu seja mais criativo do que musical. Talvez o meu maior talento seja a dedicação às coisas”. E foi esse mercado que o levou a descobrir isso.