Na luta pelos direitos civis

Documentário retrata fato marcante da vida da ativista Angela Davis. (Crédito: divulgação).
Documentário retrata fato marcante da vida da ativista Angela Davis. (Crédito: divulgação).

Libertem Angela Davis (Free Angela and All Political Prisoners, EUA/França, 2012)

Direção e roteiro: Shola Lynch

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Documentários como este Libertem Angela Davis podem ser deprimentes: ao retratar o caso mais notório da vida da personagem-título, ocorrido no início da década de 1970, deixa claro o quanto ainda estamos distantes de uma sociedade igualitária etnicamente (não obstante que progressos importantes, ainda que insuficientes, tenham sido conquistados desde então) – vide o caso recente do goleiro Aranha que, depois de sofrer ofensas racistas de uma torcedora do Grêmio durante uma partida, foi considerado por alguns o vilão da história ao não aceitar recebê-la posteriormente, mesmo reconhecendo suas desculpas.

Trazendo nomes como Jay-Z, Will Smith e Jada Pinkett na função de produtores executivos, Libertem Angela Davis recapitula um exemplar dramático da luta pelos direitos civis nos EUA, que teve seu auge entre os anos 60 e 70: um ataque realizado pelo jovem Jonathan Jackson junto a amigos durante sessão num tribunal, ameaçando matar o juiz e os outros reféns caso seu irmão George e outros companheiros não fossem libertados. A reação policial foi um absoluto desastre, resultando na morte dos três rapazes e do juiz. As coisas se complicaram quando as investigações ligaram algumas armas do crime à jovem Angela Davis, que já havia ganho notoriedade após litígios trabalhistas com a Universidade de Los Angeles por sua filiação ao Partido Comunista dos EUA, o que lhe rendeu centenas de ameaças. Ao ser associada ao ataque no tribunal, se viu obrigada a fugir, o que levou J. Edgar Hoover, todo-poderoso chefe do FBI a coloca-la na lista dos 10 Criminosos Mais Procurados do país.

Mesmo ancorado em um formato tradicional de documentário, Libertem Angela Davis desperta forte interesse pela abrangência de suas imagens de arquivo. Logo no início do filme, as fotografias das ruas do Alabama dos anos 50 (onde Angela cresceu) retratam uma situação do racismo tão extremo quanto àquele visto, por exemplo, em Histórias Cruzadas (uma das poucas virtudes daquele projeto). Da mesma forma, é eficiente em apontar a contradição básica dos Panteras Negras, que apresentavam um projeto político libertário, mas exibiam um forte machismo em seu código moral – algo que Angela buscou combater ao se unir ao movimento. Retratando de maneira convincente não apenas o racismo, mas o anticomunismo fortíssimo nos EUA da época (e de hoje também, claro), o filme também traz a constatação inevitável de que, na sociedade ocidental, nascer com a pele negra é meio caminho andado a uma condenação judicial – o que torna perfeitamente compreensível sua decisão de fugir do FBI.

Assim, é uma pena que na segunda metade o filme assuma um tom tão burocrático ao enfocar o longo julgamento de Angela, focando-se mais nos procedimentos judiciais e na constante troca de magistrados a assumir o caso do que na ampla mobilização social que sua prisão e defesa inspiraram – conquistando o apoio de figuras importantes do meio artístico, como Nina Simone, Aretha Franklin e (inexplicavelmente não citado pelo filme) John Lennon. Ainda assim, mesmo aí há momentos que chamam atenção, como a reação raivosa de Nixon à libertação de Angela ou o fazendeiro que oferece suas terras como garantia para pagar a fiança da moça (despertando a ira dos vizinhos conservadores). E é preciso ver para acreditar a justificativa absurdamente sexista empregada pela acusação para ligar Angela ao incidente, o que ela não perde tempo em denunciar.

Falhando por tornar-se ocasionalmente enfadonho em sua metade final, deixando algumas perguntas importantes sem resposta (afinal, como as armas de Angela foram parar com Jonathan?), por não fazer maiores referências à importante trajetória posterior da personagem-título (como sua luta pelos direitos da população prisional) e mesmo por ficar devendo algum comentário sobre a delicada questão das armas nos EUA, o documentário é bem-sucedido em estabelecer Angela Davis como mais uma lutadora importante de uma causa necessária – e que buscou o quanto pôde não personalizar a luta por sua liberdade.

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