Texto Raphael Carrozzo
Fotos Joel Vargas/PMPA e Mariana Gil/arquivo Nonada
Na esquina entre a Avenida Borges de Medeiros e Demétrio Ribeiro, encontra-se um prédio com arquitetura eclética, em alto relevo, com influências açorianas. Na parte superior, janelas triplas se organizam sob um grande arco, que vão até o pavimento superior. Ao lado dessas grandes janelas, outras menores cobrem as duas laterais do prédio. Uma ornamentação que une luxo e complexidade. A antiga pintura externa, que combinava laranja e ocre, foi agora substituída por um tom que se aproxima ao de tijolo. Os letreiros em neon continuam lá: “Capitólio”. Só aguardam o momento de voltarem a brilhar.
Projetado por Domingos Rocco, o Cine Theatro Capitólio foi inaugurado no dia 12 de outubro de 1928, com a exibição do filme “Casanova – O Príncipe dos Amantes”, do mesmo ano. Além dos longas-metragens, o local abrigava apresentações de peças teatrais e bailes de carnaval. Mas sua fama se manteve graças ao cinema.
O crítico de cinema Hélio Nascimento, de 79 anos, explica que o Capitólio fazia, na época, parte da Cinelândia. “Naquela época, entre anos 1940 e 1960, além do Capitólio, existiam no centro diversos cinemas, como: Vera Cruz (que depois se tornaria Victória), Marabá, Coliseu, Carlos Gomes, Roxy (depois Ópera), Central, Rex, Imperial, Guarani e Cacique”.
Para Hiron Cardoso Goida Nich, mais conhecido como Goida, jornalista, 81, a região da Cinelândia era o paraíso dos apaixonados por cinema. “O Capitólio era muito importante. Assim como os demais cinemas da década de 1930, 1940 e 1950. O Capitólio ficou mais famoso, porque nele eram exibidos os filmes que saíam de cartaz do Vera Cruz. Para a nossa juventude, cinema era igual religião. Íamos, pelo menos, umas três vezes por semana. Quando podíamos, íamos mais. Era uma maravilha. Nos encantava”, contou.
Historicamente, a invenção do cinema nasce no século 19, com os irmãos Lumière. Em 28 de dezembro de 1895, eles fizeram a primeira exibição pública e paga do cinema, no Grand Café, em Paris. O cinema é inventado como alegoria, mágica, a capacidade de fazer as fotos se movimentarem. Isso atraía não apenas os ilusionistas nas épocas, mas também o público. Não é por acaso que antigamente as salas de cinema estavam sempre cheias. Encontrava-se uma a cada esquina. E não foi diferente com Hélio.
“Minha paixão pelo cinema aconteceu como a maioria da minha geração, acredito: o fascínio pela contemplação da imagem em movimento. Lembro de ter vistos diversos filmes no Capitólio, não lembro todos, faz tanto tempo. Mas lembro que vi ‘O Terceiro Homem’, de Carol Reed; ‘Humberto D’, de Vittorio De Sica. E teve também ‘Agonia do Amor’, de Hitchcock”.
Em tom de brincadeira, Goida afirma que a primeira vez que viu cinema foi na barriga da mãe. Mesmo com dificuldade, o jornalista relembra alguns dos filmes que viu no Capitólio. “Desde criança, quando eu tinha meus cinco anos, meu pai, mãe, tios e tias me levavam ao cinema. Lembro que vi grandes clássicos como: ‘No Tempo da Diligência’, dirigido por John Ford, considerado um marco do western, porque foi o primeiro filme que deu lugar à construção de personagens mais sólidos. Deixando de lado o excesso de bang bang. Vi também ‘Hamlet’, de 1937, 38. E ‘O Grande Ditador’, de Chaplin”, contou.
Cássio Pereira Michaelsen, advogado aposentado, 80, lembra, com nostalgia, os belos anos do Capitólio. “Eu era jovem, e havia muita propaganda e estava no auge. Era uma sala boa. E chegar lá era muito interessante. E eu ia lá de tarde, quando havia tempo, e gostava de prestar atenção no filme que estava sendo exibido. E hoje tem muita distração, muita pipoca, conversa, celular”. Quando questionado sobre o primeiro filme que viu no Capitólio, Michaelsen afirma não se lembrar, mas também não se esquece de um dos clássicos que teve a oportunidade de ver lá: “E o Vento Levou…”.
A partir do final da década de 1970, início dos 1980, começam a surgir os shoppings centers, com diversas lojas, praças de alimentação e salas de cinema. O público tem acesso a tudo em um só lugar: compras, comida, cinema. Com isso, vem a decadência das salas de exibição. No mesmo ano em que o país iria gritar “É tetra, é tetra, é tetra!”, o Capitólio fechava suas portas: 02 de julho de 1994, duas semanas antes da conquista da Copa de 1994. Felizmente, porém, após 20 anos, o cinema irá reabrir.
Michaelsen afirma ter um ingresso para a reabertura de 2004, que nunca aconteceu. Apesar disso, o advogado aposentado fica feliz pelo fato de que finalmente poderá rever um filme no Capitólio. “Essa notícia é ótima. O local é muito bom. Acho que vai ser bom pela programação alternativa, já que os filmes exibidos nos grandes cinemas deixam a desejar. É ter mais possibilidade de filmes diferenciados em Porto Alegre”.
Nascimento também acha que o principal objetivo do cinema é a programação diferenciada. “Capitólio irá passar filmes clássicos e obras que não conseguem espaço nos grandes cinemas. Além de ser ótimo para a população ter essas opções, isso vai ajudar o público que trabalha com cinema. Com filmes europeus, por exemplo, você tem acesso a uma linguagem cinematográfica diferente. Assim como a asiática, América do sul, etc. É a possibilidade de ver filmes que passam no Rio e em São Paulo, mas não chegam aqui”.
Não somente sobre a importância da reabertura do Capitólio, mas também do cinema na vida das pessoas, Nascimento afirma que é uma forma de compreender o mundo em que vivemos. “O cinema é um dos mais perfeitos instrumentos para a compreensão do mundo. Seja qual for o filme, ele reflete uma época em vários níveis, registrando comportamentos e costumes. Não são apenas as obras-primas que refletem um tempo. Todos os filmes o fazem. Portanto, falando na primeira pessoa, ele é importante porque foi precioso auxiliar para o entendimento do que se passa no mundo em que vivo e na época da qual participo. Mais importante ainda: os maiores cineastas ajudam a compreender melhor o ser humano”, afirmou.
Imaginem um plano aberto, com o letreiro brilhando. Logo em seguida, imagens de pipocas caindo no chão, namorados se beijando, pessoas conversando sobre diversos assuntos. A sala está lotada. Em seguida, as luzes se apagam, o silêncio toma conta do ambiente. A luz que sai do alto da parede ilumina a grande tela, no lado oposto. Chegou o grande dia! Dia 27 de março de 2015, o Capitólio abre suas portas.
Inauguração
A Cinemateca abrirá com uma sessão inaugural aberta ao pública às 19h. Na programação, serão exibidos o curta Início do Fim, de Gustavo Spolidoro (filmado nas ruínas do prédio), e o longa Vento Norte, de Salomão Scliar (primeiro longa-metragem de ficção sonoro realizado no Rio Grande do Sul).
No fim de semana, vão ocorrer exibições gratuitas de clássicos como A Doce Vida, de Federico Fellini, O Leopardo, de Luchino Visconti, e Alphaville, de Jean-Luc Godard.
Principais espaços do novo Capitólio
Sala de Cinema
A sala de exibição da Cinemateca Capitólio mantém as características originais do espaço, preservando o amplo pé direito do antigo Cine Theatro Capitólio e a arquitetura da tela, tendo contudo sua plateia adaptada para o formato stadium. A sala, com capacidade para 164 espectadores (além de um espaço reservado a quatro cadeirantes), terá sessões de cinema permanentes, de terças a domingos. Equipada com dois projetores 35mm, a sala de cinema terá programação de terça a domingo, com três sessões diárias.
Acervo
O acervo da Cinemateca Capitólio está organizado em salas distribuídas em quatro pavimentos, projetadas especialmente para a função de guardar materiais relacionados à memória audiovisual do Rio Grande do Sul. Localizada atrás da tela da sala principal de exibição da Cinemateca Capitólio, a área do acervo da Cinemateca Capitólio reúne filmes realizados em distintas bitolas (35mm, 16mm, 8mm, VHS, DVD, HD), cartazes, roteiros, fotografias, recortes de jornais e demais documentos relacionados à produção cinematográfica em nosso Estado.
Sala Multimídia
Espaço destinado à realização de oficinas, cursos, palestras e exibições de filmes, equipado com um projetor digital de alta definição e capacidade para 40 pessoas.
Salas de Pesquisa
Duas salas destinadas à consulta individual de pesquisadores interessados em assistir a filmes guardados no acervo da Cinemateca Capitólio. Equipadas com aparelhos de DVD e monitores de televisão, as salas são de uso gratuito, sendo disponibilizadas mediante agendamento prévio através do telefone 3289-7463.
Biblioteca
Biblioteca especializada em cinema, reunindo livros, catálogos e revistas, com o objetivo de atender pesquisadores da área e demais interessados pelo tema.
Sala de Exposições
Espaço destinado a exposições e projeções de videoarte, localizado no andar térreo do prédio.
Cafeteria
Localizada no segundo andar do prédio, a cafeteria é um espaço de convivência destinado a atender aos frequentadores da Cinemateca Capitólio, servindo cafés, bebidas e uma diferente carta de doces, salgados e lanches em geral.