Chappie (Chappie, EUA, 2015)
Direção: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp, Terri Tatchell
Com: Sharlto Copley, Dev Patel, Jose Pablo Cantilo, Hugh Jackman, Sigourney Weaver.
A ciência vem desenvolvendo maravilhoas nos últimos anos: está prestes a descobrir a cura contra a malária, a possível origem do Big Bang, óculos que permitem aos daltônicos ver todas as cores, células-tronco, próteses biônicas, drones, videogames cada vez mais realistas e computadores cada vez mais rápidos. Esse último permite que os cientistas cheguem mais próximo de uma Inteligência Artificial (IA) que se assemelhe à dos humanos. Chappie nos apresenta uma possível realidade para isso.
Em um futuro alternativo, Joanesburgo é uma das cidades mais violentas do mundo. Nela, robôs são criados pela empresa Tetravaal para realizar operações de rua. O sucesso de Deon (Dev Patel), engenheiro responsável pelos andróides, desperta ciúmes em Vincent (Hugh Jackman), que vê seu projeto deixando de receber investimentos. Deon, porém, tem um objetivo maior: criar uma Inteligência Artificial (IA) que se aproxime à dos humanos. Após ter sua proposta negada pela chefe da empresa, Michelle Bradley (Sigourney Weaver), o engenheiro furta um robô para fazer os testes escondidos; porém, é sequestrado por um trio de mercenários: Ninja, Yolandi e Amerika (Jose Pablo Cantillo), que decidem usar o robô para um grande roubo.
Apesar de apresentar uma premissa levemente semelhante à de Robocop, Chappie caminha para uma trama mais sensível e humana. Assim que a IA é implantada no robô, Deon afirma que, do mesmo modo que um ser humano, o robô é apenas uma criança e tem que aprender as coisas. É interessante como o design de produção, mesmo ambientando a trama em um prédio abandonado, consegue recriar um local infantilizado: as paredes coloridas, típicas de um quarto de criança, são substituídas por muros de concreto repletos de grafites e adesivos; os móveis e brinquedos por objetos velhos de diversas cores, como cadeiras, mesas, garrafas e até mesmo uma geladeira verde e rosa com um smiley em uma das portas.
Assim sendo, é interessante como o crescimento do personagem é retratado. Deon se autodenomina “O Criador”—óbvia referência a Deus—, e não é por acaso que seus primeiros conselhos sejam “não roube e nem mate”, posicionando-se contra os objetivos do trio de mercenários. Pela ausência de Deon, que não pode acompanhar o desenvolvimento moral e intelectual do robô, Chappie projeta em Yolandi e Ninja as figuras paternas de que toda criança necessita. Yolandi, mesmo tendo seguido um caminho considerado errado, demonstra que isso não é sinônimo de maldade e busca dar ao filho o máximo de atenção e carinho, com a esperança de guiá-lo para um caminho diferente do dela. Já Ninja, como pai, é um espelho do sistema patriarcal em que ainda vivemos, em que ele dá as ordens e serve como exemplo para o filho. Dessa forma, quando Chappie atinge a adolescência, seu objetivo é conquistar o respeito e orgulho do pai; por isso, passa a seguir o estilo dele, na forma de andar, falar e até de se vestir, usando cordões de ouro e adesivos no corpo que simulam tatuagens.
Por essa decisão, Chappie começa a entrar em conflito com o pai, quando este tenta convencê-lo a roubar carros, algo que vai contra os ensinamentos do “Criador”. Para tanto, Ninja substitui a palavra “roubar” por “pegar de volta o que é nosso”. Essa dualidade que o robô começa a enfrentar é algo pelo qual todos nós passamos em diversos momentos da nossa vida: o certo e o errado. Todos aprendemos desde criança que roubar é errado, e que vamos receber algum tipo de punição por isso, sendo a prisão o mais lembrado dos castigos. Sem contar que esse é um dos sete mandamentos. Mesmo assim, dia após dia vemos pessoas roubando, não por diversão ou maldade—mas, sim, porque essa é a última alternativa encontrada para alimentar o filho, conseguir um trocado para pagar as contas ou ajudar a família. E se isso é sinônimo de alguém sem educação, pobre, preguiçoso, lamento dizer que já ouvi vários pais de classe média dizer que roubariam caso precisassem alimentar o filho. Eventualmente, nosso conceito de errado torna-se contrário à nossa prioridade.
Em outro âmbito, Chappie é reflexo das inúmeras crianças que em seu dia-a-dia convivem com o crime. Elas apenas reproduzem as ações que costumeiramente permeiam suas vidas e que, portanto, são absolutamente naturais para elas. É importante frisar que, independentemente da classe social, as crianças exibem comportamentos baseados nos ensinamentos que lhes são passados pela rede de contatos da qual fazem parte. Pais que ensinam que todo pobre é criminoso; que “bandido bom é bandido morto”; que os gays são aberrações; ou que as mulheres devem ser submissas aos homens usam discursos que geram violência e incitam o ódio, sendo transmitidos e reprisados geração após geração.
Quanto aos demais personagens, Vincent encarna o antagonista do longa-metragem. Tomado pela inveja do sucesso de Deon, Vincent tenta sabotar os planos do engenheiro e conseguir que seu projeto seja aceito pela empresa. É curioso que o robô do antagonista seja uma referência aos vilões do primeiro filme de Robocop, reforçando a inspiração que Blomkamp teve na hora de construir a trama. Além disso, Vincent encarna o medo que as pessoas têm com relação ao assunto, do ponto de vista religioso, já que, ao ver o potencial intelectual de Chappie, ele faz o sinal da cruz com uma das mãos. Já Sigourney Weaver encarna Michelle Bradley como mulher rígida que, apesar de entender a importância dos robôs para o bem da sociedade, limita-se a produzir os robôs encomendados, sem se preocupar com as possibilidades do avanço tecnológico. Não é por mero acaso que ela afirma que “o problema da Inteligência Artificial é ser muito imprevisível”, reforçando o medo que a sociedade sente desse tipo de tecnologia.
Apesar de ter enredo interessante, Chappie não consegue criar uma conclusão eficiente, o que é uma pena, já que Blomkamp demonstrou que é capaz de criar obras sci-fi que se passam em futuros próximos, mas que abordam temas contemporâneos e relevantes da nossa sociedade. Chappie constata que nossa forma de ver o mundo está diretamente ligada à forma como fomos criados e ao local onde crescemos.