Thiago Pethit: “O rock foi parar nas mãos erradas”

Pethit colorido 2_by_gianfranco briceño 2015
Músico se apresenta em Porto Alegre junto com Boogarins e Wannabe Jalva (Foto: Gianfranco Briceño)

Entrevista por e-mail é algo pra lá de suspeito. Perde-se o clima de informalidade, o olho no olho, a possibilidade de “réplica”. Além disso, se o entrevistado não tiver muita paciência ou achar as suas perguntas um saco, pode simplesmente responder tudo com “sim” ou “não” e tornar o troço impublicável.

Mesmo já tendo experiências terríveis com esse tipo de (não) entrevista, quando foi aventada a possibilidade de fazer algumas perguntas via e-mail para Thiago Pethit, não pensei duas vezes. Já havia lido algumas entrevistas dele e achei interessantes, sinceras, sem meias palavras. Ousadas. Talvez seja essa a palavra.

Pethit morou em Buenos Aires para estudar literatura, mas acabou se encontrando na música. Acresça a isso sua formação teatral e você terá um artista completo, preocupado com melodia, lirismo e performance. Fazendo um som que vai do pop ao folk, chegou a ser enquadrado na nova MPB, rótulo do qual tratou de se desvencilhar rapidamente. Em Rock’n’roll Sugar Darling (2014), resolveu ir contra a maré e fazer um disco de rock num momento em que o estilo passa por uma fase de pouco apelo junto ao público mais jovem.

Com um EP e outros dois álbuns na bagagem – Em Outro Lugar (2008), Berlim, Texas (2010) e Estrela Decadente (2012), o músico paulista se apresentará em Porto Alegre no próximo dia 29, na primeira edição do Brgamota Nights, minifestival que também reunirá, no bar Opinião, os gaúchos da Wannabe Jalva e os goianos da Boogarins. Como os três nomes se destacando há um bom tempo na cena indie, mais a participação da Jalva na atual edição do reality SuperStar, a noite promete ser de casa cheia.

A seguir, a íntegra da entrevista de Thiago Pethit ao Nonada, falando sobre, entre outros assuntos, independência artística, preconceitos no rock e maturidade musical, com direito a correção a uma pergunta do repórter.

Nonada – O rock não vive seu momento de maior popularidade. O que te levou a lançar um álbum com uma sonoridade mais rocker?

Pethit – Por um lado, foi natural dentro da minha evolução pessoal. Algo que eu sempre desejei, mas só agora vi a possibilidade de fazer, em torno desse gênero, algo da maneira como eu gostaria. Por outro lado, a minha evolução pessoal também é a minha arte e aquilo que eu observo. Eu gosto de dialogar com o mundo em que estamos, com o cenário político, com os costumes, afinal, isso é dialogar com o público. E de lá pra cá, desde que comecei, o mundo tem pedido medidas mais radicais e agressivas. E acho que o rock tem a ver com isso. É uma linguagem estética com esse poder e ferramentas para agir contra um mundo mais e mais moralista.

Nonada – Em uma entrevista no lançamento do disco, disseste que “o que era transgressor virou um Lobão de direita. Assumiu uma estética conservadora e machista”. Achas que o rock, como estilo propulsor de mudanças culturais ou mesmo de simples rebeldia, perdeu o sentido? Ou é só um período de conformismo mesmo, uma questão de tempo até surgir algo que vá balançar as estruturas novamente?

Pethit – Sim, acredito mesmo nisso. Acredito que o rock foi parar nas mãos erradas, assim como toda linguagem estética está apta a sofrer e a ser tomada pelo seu próprio “inimigo” e acabar virando símbolo de algo que não era pra ser. Quando o Seu Jorge diz que rock não é coisa de negros, todos os roqueiros que se indignaram nas minhas redes sociais eram brancos, heterossexuais e erguiam a bandeira do rock se utilizando do fato de que “um dia, ele foi feito pelo Jimi Hendrix”, mas Seu Jorge tem toda razão. Óbvio que ele sabe que foi criado pelos negros, mas lá onde o Seu Jorge cresceu ninguém estava interessado nisso e continua desinteressado. O rock já não é feito e já não pauta os negros há muito tempo. Assim como não é algo para gays. Os homossexuais também estão bem menos interessados em rock do que estão em outros gêneros musicais. E por quê? Eu acredito que por pura identificação. A gente se interessa por uma música, ou por um artista, não apenas pela música em si, mas pela cena em torno daquilo. Pelo que representa e com quem fala, quem é o público, ou o que o público veste. Que símbolos aquilo de fato carrega. Quando o rock surgiu, na metade do século passado, ele era negro, gay, sexy, feminino, agressivo e transgressor. Hoje em dia, ele é uma punheta machista. Você vai a um show de rock e são todos brancos e heterossexuais, no público você encontra apenas três mulheres para 100 homens. Quem se identifica com esse público? Que poder esse público tem para balançar alguma estrutura se eles são os detentores da estrutura normativa? Ao contrário do jargão que os roqueiros adoram usar, eu não vim mesmo pra salvar o rock. Primeiro porque não tenho essa pretensão, e não sou salvador de nada e segundo porque o rock tem mais a ver com destruição do que com salvação. Mas eu certamente estou buscando o gênero para que esse meu público, tão mais diverso, possa se identificar novamente com essa linguagem.

Nonada – Rock’n’roll Sugar Darling tem um quê de glitter rock, ao mesmo tempo que não deixa de flertar com outros estilos. Onde se encaixa o Thiago Pethit na música brasileira atual? Ou não se encaixa?

Pethit – Não sei também. Gosto mais de não estar encaixado em lugar nenhum, de não fazer parte de uma cena, do que de pensar nessa prateleira da música brasileira atual. Mas isso é o que eu gosto, não necessariamente como as coisas são. 

Nonada – Como se deu a aproximação com o Joe Dallesandro (ator cult famoso por sua participação nos filmes de Andy Warhol e sex symbol do underground americano, ele gravou a “Intro” de Rock’n’roll Sugar Darling)?

Pethit – Joe sempre foi uma inspiração para meus trabalhos. O cara é um dos símbolos das décadas de 60 e 70. Rock’n’roll, contracultura, sexualidade, rebeldia, tudo isso está imortalizado nas fotos em que ele aparece e nas capas dos discos que foi modelo, como Sticky Fingers, dos Stones. Ele serviu de inspiração para o disco Estrela Decadente e para o clipe de “Moon”, que contava a história de garotos de programa e que era um pouco inspirado na história de vida dele, mas também no filme Trash, do Andy Warhol, em que ele atua. Conheci Joe a esposa dele, Kim, com o lançamento do curta-videoclipe “Moon”. Um amigo em comum nos colocou em contato via Facebook e passamos meses trocando mensagens, historias, musicas, poemas. Em junho do ano passado, eu o convidei para participar do disco, que já tinha um poema inédito de Kim Dallesandro em “Story In Blue”, a faixa que fecha o álbum. Fui até Los Angeles, passamos diversas tardes de domingo juntos, repetindo a cerimônia das conversas via Facebook. Vi fotos originais da época do Avedon e do Warhol, conversamos sobre a história por trás de “Walk on The Wild Side”, do Lou Reed, em que ele é personagem, e enfim escrevi esse texto de intro para o disco e fizemos juntos algumas fotos para divulgação. Prometi que voltaria para assistir um doc sobre o Chet Baker com eles, mas minha viagem foi encurtada e tivemos que nos despedir por telefone.

Nonada – É uma característica tua compor em português e inglês, muitas vezes usando os dois idiomas ao mesmo tempo. Teve algum momento que alguém chegou e te disse: “Thiago, tens que decidir em qual língua vais cantar, por uma questão de mercado”?

Pethit – Claro. Desde o começo. Já ouvi dos dois lados. Se eu quisesse ser um artista de apelo indie em 2010, eu tinha que compor em inglês. Se eu quisesse fazer parte da MPB, eu teria que compor em português. E por aí vai… Mas não é só com o idioma que isso acontece. Essa pressão de mercado. Tem as escolhas estéticas e musicais também. Tem coisas que não caem bem para quem preza pelo mercado da MPB e vice-versa. Mas eu não acredito que existe um mercado nacional e um internacional hoje em dia. A não ser que minha intenção seja ser algo popular como a Anitta ou o Michel Teló, essa diferenciação em termos de internet e mercado virtual não faz mais nenhum sentido.

Nonada – Nunca tocaste em Porto Alegre, mas agora terás tua estreia no Brgamota Nights, junto com Wannabe Jalva e Boogarins, duas bandas bem diferentes entre si, e também com um sou bem distinto do teu. Qual é a tua proximidade com eles, musical ou pessoalmente?

Pethit – Rapaz, pior que toquei, sim. Em 2010, fiz um pocket show no formato intimista do Berlim, Texas. Mas realmente nunca pude fazer um show completo e nem mais tive oportunidade de voltar. Me alegra muito fazer isso agora, com essa nova turnê. Acredito que existem algumas similaridades musicais, pouco óbvias, claro, entre nós. Além de jovens, estamos fazendo rock’n’roll neste momento, cada um a seu estilo, e isso pra mim já é bastante identidade em comum. Pessoalmente, conheço poucos deles. Mas todos os encontros que tive foram muito legais.

Nonada – Dá para viver de música hoje em dia, mesmo sem vender discos? Falando, claro, dentro do universo independente.

Pethit – Dá para viver do que quiser, né? A questão é como você quer viver, e o que preza mais na vida. Eu consigo viver da música, sim. A duras penas em termos da quantidade de trabalho que tenho. Mas minha prioridade, desde que comecei a trabalhar com música, é a minha carreira. Nunca foi ganhar dinheiro, pagar contas ou ter algum luxo. Às vezes ela me propicia mais desses ganhos, às vezes menos. Mas dá pra viver. Eu até diria que é o contrário. Dá pra viver de música, sim. Mas, pra mim, o que não dá mesmo é viver sem música.

Nonada – Chegar na casa dos 30 te faz reavaliar a carreira de alguma forma? Como o Thiago Pethit de Rock’n’roll Sugar Darling enxerga o Thiago Pethit de Em Outro Lugar?

Pethit – Aos 30? Imagina, eu sou como a Glória Maria, ninguém sabe a minha idade, nem eu. Rockstar não tem idade e eu terei eternos 25 anos. Hahaha! Brincadeira à parte, olhando pra trás, eu tenho certos mixed feelings ao lembrar de Em Outro Lugar. Por um lado, vejo o quanto eu era ingênuo em termos de mercado, de perspectiva e do que significava não ser um artista apenas, mas ser um produto, pertencer a uma cena, ter seu trabalho no mundo e poder ser interpretado pelo público como ele quisesse. Mas também invejo um pouco aquela pureza de pensamento sobre tudo isso. Acho que eu era mais livre, de certa forma. Menos machucado, menos poluído. Eu sinto que houve uma mácula na minha vida e na minha música no meio do processo. E eu ainda estou ao mesmo tempo me ferindo em cima dela e ao mesmo tempo me curando. Mas fazer música, e arte, nunca foi uma “terapia” pra mim. Tem mais a ver com encontrar os demônios internos e se entregar a eles do que lutar contra eles. Sempre vi assim. Então, respondendo à pergunta: tá tudo certo. 

Nonada – Saudades do teatro? Ou as performances musicais são mais que suficientes?

Pethit – Nunca tive saudades. Sinto que estou sempre montando meu próprio espetáculo, meus próprios personagens, meu próprio texto e performance quando estou no palco. É uma experiência realmente completa pra mim.

 

Compartilhe
Ler mais sobre
Processos artísticos Reportagem

Corpo tem sotaque: como mestra Iara Deodoro abriu caminhos para a dança afro-gaúcha

Direitos humanos Notícias Políticas culturais

Unesco sugere salário mínimo a todos os trabalhadores da cultura

Direitos humanos Memória e patrimônio Reportagem

Primeiro museu trans do Brasil cria acervo histórico, interativo e aberto para a comunidade

Os comentários estão desativados.