Community – 6ª temporada (2015, Yahoo)
Showrunner: Dan Harmon
Com: Joel McHale, Gillian Jacobs, Danny Pudi, Alison Brie, Jim Rash, Ken Jeong, Paget Brewster, Keith David, Richard Erdman, Erik Charles Nielsen, Danielle Kaplowitz, Dino Stamatopoulos, Charley Koontz, Luke Youngblood, Craig Cackowski, David Neher, Martin Mull, Lesley Ann Warren, Irene Choi, Brian Van Holt, Billy Zane, Travis Shuldt, Kumail Nanjiani, Jason Mantzoukas, Jay Chandrasekhar, Steve Weber, Mitchell Hurwitz, Steve Guttenberg, Nathan Fillion, Matt Berry, Seth Green e Yvette Nicole Brown.
Se há um fandom televisivo que sabe o que é sofrer por seu programa favorito, é o de Community. Lançada em 2009 como uma das estreias mais promissoras da NBC, a série foi gradualmente se tornando mais e mais insana, mas seu humor menos convencional atraiu uma audiência modesta, ameaçando-a de cancelamento a partir do fim da 2ª temporada. Após o 3º ano, o showrunner Dan Harmon foi demitido por conflitos com o canal, resultando numa 4ª temporada que, buscando ser mais “acessível”, acabou muito inferior às anteriores. Na tentativa de salvar a série, Harmon foi readmitido para o 5º ano, reerguendo a qualidade da atração, mas não o público, provocando o cancelamento. Com o contrato dos atores prestes a expirar, o Yahoo assumiu as rédeas para a tão almejada 6ª temporada aos 45 do segundo tempo. Uma trajetória que, por si só, já renderia outra série…
Assim, é um verdadeiro milagre que Community ainda mantenha seu frescor após tantos percalços e a perda de uma fração significativa de seu elenco principal (Chevy Chase, Donald Glover e Yvette Nicole Brown foram saindo ao longo dos últimos três anos). Neste retorno, Harmon volta a entregar doses fartas do humor nonsense e banhado em metalinguagem que é marca registrada da série e, ainda assim, consegue soar sempre natural dentro do cenário de perpétuo caos que é a Faculdade Comunitária Greendale. Reunindo-se aos veteranos Jeff Winger (McHale), Britta Perry (Jacobs), Annie Edison (Brie), Abed Nadir (Pudi), Ben Chang (Jeong) e o reitor Craig Pelton (Rash), temos personagens carismáticos que não se limitam a reciclar traços dos que partiram: o programador de computadores Elroy Patashnik (David), que se encontra um tanto desatualizado; e a administradora Frankie Dart (Brewster), que se junta ao comitê Salve Greendale para reequilibrar as eternamente combalidas finanças da instituição.
Não apenas os dois novatos se integram rapidamente ao que sobrou do antigo grupo de estudos como Frankie, em particular, se revela um golpe de mestre cômico: sendo uma outsider de Greendale pomposa e metódica (tudo o que a faculdade não é), ela é obrigada a se impor como voz da razão em meio às maluquices que imperam naquele meio “acadêmico” – e a seriedade inabalável de Paget Brewster é fundamental para tornar Frankie ainda mais engraçada, já que é a única a reagir com a perplexidade esperada a um reitor profundamente influenciável por propaganda ou bizarrices como um datadíssimo simulador de realidade virtual e uma mão gigante (!). Mas uma das grandes surpresas dessa temporada é a performance mais contida (e eficaz) de Ken Jeong, que pela primeira vez está mais integrado ao grupo – e a queixa de Chang por “não estar sendo bem utilizado” é uma piada divertida com todas as mudanças absurdas já feitas com o personagem desde o início da série. Já Annie e Abed surgem um tanto mais apagados (ele, em grande parte por ter perdido Troy para as escaladas cômicas/metalinguísticas que renderam tantos momentos incríveis), embora tenham sua cota de bons momentos (a dureza com que Annie intimida Britta é hilária).
Trazendo de volta velhos coadjuvantes e suas esquisitices (Garrett, Vicki, Neil Gordo, Leonard, Annie Kim, Todd, Oficial Cackowski), esta nova temporada também dedica um tempo maior a Britta e suas idiossincrasias: finalmente conhecemos seus adoráveis pais (a quem ela detesta), compreendemos parte das razões de seu comportamento (cuja revolta tem um quê francamente adolescente) e mais uma vez a vemos dividida entre amor e seu conceito de integridade. Aliás, é curioso que seja justamente Britta o catalisador do episódio mais político de toda a série, Basic Email Security. Não pelas razões esperadas: afinal, é a eterna campeã dos oprimidos que convence o grupo a bancar a apresentação de um comediante ofensivo após receberem ameaças de retaliação. Claro que o humor não parte daí, mas sim do vazamento dos emails, que expõe com maestria as falhas e inseguranças do grupo numa sequência engraçadíssima: Britta sabe de cor o dia em que foi elogiada; Jeff escreve para astronautas, numa demonstração de infantilidade de quem cresceu sem uma figura paterna; o dramático “Ela está morta!” dito por Frankie. Community jamais se furtou da tiração de sarro a excessos politicamente corretos (a criação do mascote na 1ª temporada é um ótimo exemplo), mas aqui a provocação ao perigoso ambiente de pânico moral e francamente censor que tem se formado em diversas universidades americanas é mais do que certeira – e sempre arranca risadas.
Outra coisa tipicamente communityana que está de volta são os episódios-homenagem que empregam características de filmes de gênero não para parodiá-los, mas para construir sua própria trama de forma engraçada (e no processo, levando toda Greendale à demência coletiva). Dois em particular se destacam: Grifting 101, que emprega a narrativa frequentemente mirabolante das histórias de “golpe perfeito” a partir da chegada de um especialista no assunto vivido por Matt Berry (The IT Crowd); e, claro, Modern Espionage, que traz de volta o paintball que gerou alguns dos momentos mais memoráveis da série. Desta vez são empregados elementos típicos de filmes de espião: investigação e busca por fornecedores, emails criptografados, ações sob disfarce durante uma festa, comunicadores de orelha, codinomes (todos relacionados a intérpretes do Batman – e é notável a piada interna ao designar Britta como “Clooney”) e motivações (propositalmente) ridículas para os vilões. Merecem lembrança também as piadas finais que por vezes não tem relação alguma com o restante da trama, mas levam o nonsense à estratosfera, como a que envolve o potencial comprador da mão gigante, a que revela como Shirley (Brown) está após deixar Greendale e, claro, o sensacional trailer do derivativo português classe Z de Gremlins.
Voltando a incluir o caminhão de tiradas brilhantes já esperado (“Montagens são filmes se desculpando pela realidade”, “E Jesus chorou!”, “É o paradoxo Brenda!”, “Esperança é a irmã rica e vaca da fé”, os insultos whiplashianos do professor de teatro, “Preferimos ser chamados de pessoas sem cor ou vaginas”, entre várias outras), a série também não perdeu a mão ao usar recursos visuais para fazer graça. Seja com a direção de arte (a sala de crises no 3º episódio – o 100º da série –, dedicada à emergência sobre a possível carreira acadêmica de um cão, o bar burlesco clandestino, o retrato de Jeff na mesa-de-cabeceira do reitor, o suplemento muscular atrás da mesa de Jeff), seja com a montagem e a misé en scène (os vibrantes tiroteios de paintball, a insólita luta entre dois tablets, a dramaticidade do “assassinato” cometido por Jeff), Community é exemplar ao jamais centralizar seu humor no texto, sendo possível encontrar piadas novas em vários episódios ao revê-los. Além disso, é curioso que sua herança televisiva continue forte na Internet, sendo possível notar os momentos precisos em que seriam inseridos intervalos comerciais – talvez uma forma de evitar que o espectador estranhe o formato que a série assumiu até aqui.
Embora outra característica marcante da série seja não ter piedade alguma em jogar no ventilador os traços menos atraentes do caráter de seus personagens, a 6ª temporada exibe sensibilidade no desenvolvimento que dá aos arcos de alguns personagens – especialmente Jeff, que, se no ano anterior já desenvolvia uma neura com a própria idade, aqui isso se soma ao temor de ser deixado para trás. Isso resulta num season finale que, ao mesmo tempo em que explode as taxas de metalinguagem ao trazer todos imaginando a “7ª temporada” (a versão de Britta é absurdamente genial), revela-se tocante ao fazê-lo abrir o coração para os amigos, além de trazê-lo numa conversa mais intimista com Annie que finalmente revela os motivos da atração semi-platônica que sempre tiveram um pelo outro. Ao mesmo tempo, é a própria série dizendo que não é o fim do mundo caso não retorne.
Ainda não é certo se esta foi a temporada final, mas se for, Community fecha um ciclo imperfeito, mas com uma criatividade rara no gênero sitcom. Se chegamos a #SixSeasons, só podemos mesmo torcer para que #AndAMovie torne-se a despedida que a turma de Greendale merece.