Ana Muniz é uma cantora e compositora que começou sua carreira bem cedo, aos treze anos – compondo desde os onze. Em seu primeiro álbum, +Sol+Riso (2012), Ana já apresentava uma voz marcante, letras reflexivas e melodias suaves. Essas músicas falam muito das suas experiências na adolescência, mas com uma notável maturidade, como em “História pra Contar” e “Confundindo os Azuis”.
Neste ano, Ana lançou o EP B.U.S.C.A.I. (Benevolente Unificação do Sagrado Cultivo ao Acordar, In Lak’Ech), que mostra uma verdadeira evolução de musicalidade: mais instrumentos, arranjos mais complexos e letras que falam das energias da terra, do coração e da alma.
Em entrevista ao Nonada, ela explica o nome do novo álbum, como o amadurecimento afetou sua personalidade e sua música e fala, em primeira mão, que pretende lançar um disco novo ainda em 2015.
Nonada – Por que Coletivo Ana Muniz?
Ana – Porque eu comecei tocando sozinha e fui encontrando mais pessoas até formar esse Coletivo. Antes, só se chamava Ana Muniz. Durante um tempo, se chamou Ana Muniz e os Três, porque eu tava tocando com três músicos que não eram desse coletivo. Depois, voltou a ser só Ana Muniz. Quando surgiu em 2014 o Autoral Social Clube, eu conheci a Luana Fernandes e o Rafael Pavão, ambos percussionistas, e o Rubens Baggio guitarrista. O meu irmão, Gabriel Muniz, é o baixista e o Rafael Cunha, que já conhecia, é o baterista. Então, Coletivo Ana Muniz foi em função de estarmos fazendo algo em conjunto, em coletivo, estarmos criando os arranjos em coletivo. Como não quisemos colocar um nome novo, já que já estava tão divulgado o Ana Muniz, colocamos Coletivo para que ficasse mais claro que estávamos fazendo isso em conjunto. Mas o Coletivo vai dar uma pausa, pois estou preparando um projeto acústico.
Nonada – Nas palavras do produtor do seu álbum mais recente, Pedretti Jr., você é o que se poderia esperar do encontro entre Björk e Elis Regina. O que você acha dessa declaração? Você busca inspiração nas duas cantoras?
Ana – Eu busco inspiração de muitas formas nelas, né, tanto a Björk quanto Elis Regina. São cantoras fantásticas. É uma alegria pra mim saber que simplesmente nasci na mesma cidade que Elis Regina (Porto Alegre) e que várias pessoas já comentaram sobre essa similaridade vocal. Eu gosto muito de ir crescendo e ter como referência essas grandes cantoras. Muito bom, muito bom.
Nonada – Seu novo EP é B.U.S.CA.I. (Benevolente Unificação do Sagrado Cultivo ao Acordar, In Lak’Ech). Como vocês chegaram a esse nome?
Ana – Foi uma inspiração que eu tive, pois a minha ideia era colocar uma sigla e dentro dessa sigla ter um significado. E essas palavras-chaves me tocam muito, porque a benevolência é muito importante, dentro do meu ponto de vista, nesse momento da terra. A gente tá precisando de compaixão, de boas ações para com o outro, sair do ego de “fazer para si” e fazer para o outro, pelo outro e pela terra. Por isso a benevolência, para a gente ativar nossa atenção para a palavra. Unificação do Sagrado Cultivo ao Acordar é uma coisa só, porque tá unificando a ideia de cultivar o despertar das pessoas. Aí tem uma coisa muito interessante, que é o significado da palavra religião, que é religar. Então, a ideia é tu te reconectar com uma consciência, com um “estar desperto”, unificar todas as formas de crença, mesmo o ceticismo, dentro da ideia de benevolência. E “In Lak’Ech” significa “eu sou o outro você”, é uma expressão maia.
Nonada – O B.U.S.C.A.I. e o +Sol+Riso são álbuns completamente diferentes, tanto em letras, temas, quanto em melodias e arranjos. Qual o motivo desse amadurecimento, no seu ponto de vista?
Ana – Essa pergunta é natural, porque realmente é muita diferença. O +Sol+Riso tem as primeiras músicas que eu compus – “Confundindo ao Azuis” foi a primeira música que eu fiz em português, porque eu comecei compondo em inglês, com onze anos. E quanto aos arranjos também, eu pouco tinha noção das possibilidades de arranjo, possibilidades musicais. Era muito nova, né. E ainda sou. Tenho dezoito anos só. Mas comecei na história da música com doze, treze anos. Então, nessa idade, eu não tinha muita referência musical e muito menos da minha personalidade. Foram coisas que fui descobrindo ao longo do tempo e estamos sempre nesse processo. Então, quando eu lancei o +Sol+Riso, eu tive a oportunidade de me aproximar mais da musicalidade que me tocava e que me toca. Aí fui conhecendo outras pessoas, outros ritmos de música, e da mesma forma fui conhecendo um pouco mais de mim. Comecei a me fazer as perguntas básicas, que é “quem sou eu?”, “onde estou?” e “por que estou aqui?”. A partir disso, fui chegar em músicas, em canções, em lugares que foram abrindo minha consciência para esse tipo de música do B.U.S.C.A.I., que tem diversos elementos, que faz a gente acessar diferentes emoções e sentimentos dentro de nós; foi se aprofundando a musicalidade.
Nonada – Você já tem cerca de 10 canções inéditas. Já tem planos pra elas?
Ana – Eu vou gravar essas canções ainda esse ano e lançar ainda esse ano, porque eu faço muita música, e ano que vem já vão ter muitas outras. Esse álbum vai ser diferente, sem banda. Vamos explorar outra musicalidade.
Nonada – O que você acha do cenário musical em porto alegre atualmente? O quanto as novas formas de eventos de economia alternativa facilitam o trabalho dos músicos?
Ana – Eu gosto de tudo que eu conheço do Rio Grande do Sul, dos músicos novos. Tem aí o Autoral Social Clube, que junta vários músicos, como Tiago Rubens, Clarice Nejar, Carmen Correa, Federico Trindade, Rafa Costa… Isso só no meu núcleo de amizade! Imagina quantos mais têm. Tem muita gente talentosa. Na questão da receptividade desses artistas, parece que tem algo – que, para você entrar no mercado, é um pouco peculiar, porque o produto precisa ser aceito nas mídias mais fortes. Então, de alguma forma, esses músicos todos que são muito bons encontram algumas dificuldades para expressar a sua arte da forma tradicional, que é tocando em bares, em teatros e coisas assim. Mas tem outros músicos, como o Chimarruts, que são amigos meus também, que foram muito bem-aceitos e até hoje tocam. Além disso, tem muitos músicos bons que fazem sua arte numa outra vertente: fazem shows que sejam uma vivência. A mim, me toca fazer isso. Sobre a segunda pergunta, eu acho bem legal, eu acho que super funciona.
Nonada – Como você conheceu o zen-budismo? Qual a influência da religião na sua música?
Ana – Acho que foi o primeiro lugar de meditação que eu fui foi em um lugar zen-budista. Minha passagem pelo zen-budismo foi bem ligeira, mas muito importante. Buda é um outro nome para Deus, Krishna também. Então tudo vai se juntando por caminhos diferentes; são estrelas diferentes que brilham de outras formas. Acredito que quando tu vai cantar uma música que vem do coração, tudo aquilo que tem dentro dele influencia na tua música. E a mim me toca estar com o coração bem cheio de amor. Dentro da minha vida eu fui encontrando algumas meditações, algumas vivências, alguns caminhos que foram me tocando e que foram voltando a minha atenção para o que está dentro. A mim me toca muito o espiritual, pois a gente é corpo e é espírito também.
Nonada – Você fez uma cerimônia de rosa branca, que é…
Ana – É uma água que a gente coloca rosa branca dentro, as pétalas, e deixa ali. É uma medicina, é um remédio.
Nonada – Faz bem pra quê?
Ana – É mais fácil perguntar por que ela não faz bem. Porque é uma rosa, é uma flor, ela veio da terra. Então, ao tomá-la, a gente sente o amor da rosa, toca no nosso coração. Quando tu toma a água e está cantando para ela, ali é uma cerimônia. É como se a gente tivesse tomando uma água normal com a intenção de limpar, de purificar, de harmonizar. Daí a gente canta para isso e faz uma cura. É algo ritualizado.
Nonada – Conta a história que você quase abriu o show da Norah Jones. Como surgiu o convite?
Ana – O convite surgiu do Fábio Codevilla, da rádio Itapema. Ele tocou umas músicas do +Sol+Riso em 2012. Ele soube que a Norah Jones estava vindo e a produção dela pediu nomes para abrir o show. O Fábio citou alguns e dentre eles estava o meu. A produção escutou, gostou e me chamou. Só que no dia do show, o pai dela, o Ravi Shankar, faleceu. Então, não aconteceu o show. Mas foi muito legal o convite, foi muito importante.
Nonada – Com o B.U.S.C.A.I, o que você busca?
Ana – Eu busco levar uma mensagem que, de alguma forma, possa chegar no coração de quem está escutando. Procuro fazer isso bem, com amor, com alegria, para que quem esteja escutando reconheça esses sentimentos dentro de si. Porque a gente só reconhece no outro aquilo que tem dentro de nós.
Ouça o álbum B.U.S.C.A.I na íntegra: