A arte engajada é cada vez mais necessária em momentos como o que o Brasil vive, com uma forte onda conservadora de uma elite que se nega a refletir sobre representatividade e direitos. 10ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos do Mundo traz para a Sala Redenção curtas, médias e longas-metragens brasileiros que debatem temas como a redução da maioridade penal, os direitos das mulheres e as vítimas das ditaduras militares na América Latina. Todas as sessões são gratuitas e vão até o dia 10 de dezembro. (Veja a programação completa abaixo e as sinopses do filme no link).
Em novembro, Porto Alegre viveu uma efervescência de festivais com temáticas representativas, como o “Ela na Tela”, que levou produções dirigidas e protagonizadas por mulheres brasileiras para a Sala P.F. Gastal. A presença da diversidade sexual na sétima arte também ganhou visibilidade com o Close, festival promovido pela ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade em parceria com a Besouro Filmes e a Avante Filmes. “Em um movimento contra o crescimento do conservadorismo em uma parcela da sociedade brasileira, é preciso que se busque sempre um olhar empático para as diversas vivências oprimidas pelo status quo”, explica o comunicado oficial do evento, que foi financiado pelo Fumproarte.
Os temas relativos à população LGBT também estão na 10ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos do Mundo. Um dos filmes da programação é o curta-metragem Léo, dirigido pela cineasta e jornalista gaúcha Mariani Ferreira. “O filme conta como a homofobia destrói a família. É a história de um cara que não aceita a homossexualidade do irmão caçula. Numa noite, ele sai alucinado pela cidade e começa a instigar alguns caras a atacar um grupo de gays que frequentam um bar LGBT. Ele não sabe que estava, neste momento, provocando a morte do próprio irmão”, relata.
A obra foi financiada por meio de um edital de políticas afirmativas do Governo Federal, mas o preconceito quase impediu que a história fosse concretizada. “O edital foi três vezes parado na Justiça porque entenderam que, por ser exclusivo para negros, era inconstitucional e excluía outras etnias. Só conseguimos gravar em 2014”, conta Mariani.
Engajamento e representatividade
A arte de Mariani é engajada desde a sua origem. “O fato de eu ser uma cineasta negra de vivência periférica não me dá muita alternativa a não ser me engajar, porque quando você se engaja, se empodera e pode encontrar seu lugar no mundo. No meu curta, eu tenho duas mulheres negras: uma é a protagonista e a outra é uma médica negra, que eu fiz questão de colocar”, conta. “Eu já soube de seleções de elenco em Porto Alegre em que uma atriz negra maravilhosa foi indicada para fazer o papel de uma juíza em uma série, e o diretor perguntou se não havia uma negra com a pele mais clara. Esses discursos acontecem porque não se veem negros atrás das câmeras. Temos que ir para a direção, produção e roteiro, e também as mulheres, os indígenas, os trans… para que as pessoas possam afirmar a própria identidade e não terem apenas suas mensagens transmitidas através do outro”, acredita.
A programação da mostra engloba filmes inéditos em Porto Alegre, que tiveram pouca distribuição nacional. “Ocupar uma janela de cinema ainda é muito complicado porque estamos brigando com filmes que dão bilheteria. Por isso que existe a função de mostras e festivais, para dar luz a esses filmes, que não podem não ser vistos. A gente faz todo esse apelo para ter público”, pede Daniela Mazzilli, uma das produtoras da mostra em Porto Alegre. Um dos destaques é o curta Quem Matou Eloá?, documentário dirigido por Lívia Perez que reflete o tratamento dado pela mídia sobre o caso do assassinato da menina morta pelo ex-namorado em 2008. Entre os longas, aparecem títulos como À Queima-Roupa, de Theresa Jessouroun. O filme mostra a violência e a corrupção da polícia do Rio de Janeiro nos últimos 20 anos, apresentando os fatos mais emblemáticos deste período.
Completando 10 anos, a mostra passou por todas as capitais do País e também pelo Distrito Federal em 2015. Os filmes foram selecionados por uma curadoria nacional, já que o evento é organizado pelo Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Aqui em Porto Alegre, a produção quer atrair também o público universitário da Sala Redenção. “É importante que os jovens debatam essa temática, porque sem engajamento, as coisas não mudam”, diz Daniela.
Acessibilidade e o cinema para todxs
Além do objetivo de democratizar o cinema, a mostra também procura tornar os filmes acessíveis para todo o público. Segundo o IBGE, 23,9% da população brasileira tem alguma deficiência. “Nós temos que incluir essa parcela. A Sala Redenção é acessível, e todas as sessões têm closed caption para as pessoas com deficiência auditiva. É bem importante que a gente consiga levar o cinema para os mais diferentes públicos”, opina Daniela.
A mostra ainda enfrenta barreiras para atingir uma acessibilidade cada vez mais inclusiva, já que apenas duas sessões terão audiodescrição, recurso importante para as pessoas com deficiência visual. “A audiodescrição te descreve cenários, cores, fisionomias, e é incrível familiarizar as pessoas com essa linguagem”, diz a produtora.
Essa dificuldade não é exclusiva da mostra. Filmes com o recurso estão longe de ser maioria. Para Mimi Aragón, que trabalha realizando audiodescrição para obras e eventos culturais, a acessibilidade às obras culturais é um direito civil e uma construção coletiva. “É imperativo reconhecer que tem esse público. A gente quer que todo mundo possa ir junto aos eventos culturais. Se criou um mito de que a acessibilidade era cara, mas no momento em que a gente estabelece que a acessibilidade deve estar no projeto, esse custo se dilui. Um longa que custe hoje 10 milhões de reais, a gente calcula que a acessibilidade custa 0,02% do orçamento. Se todo mundo pagou imposto para financiar esse filme, todo mundo tem direito a ver”. O cenário promete melhorar. Desde 2014, todas as produções audiovisuais financiadas com recursos públicos no Brasil precisam incluir a audiodescrição e a Língua Brasileira de Sinais.
Ouça a entrevista completa com Mariani Ferreira e Daniela Mazzilli no Jabá
Programação
1 de dezembro (terça-feira) – Sessão Especial para Convidados
19h – Gigantes da Alegria, Ricardo Rodrigues e Vitor Gracciano, 15 min., Doc, Brasil, 2014, Livre
Encantados, Tizuka Yamazaki, 78 min., Ficção, Brasil, 2014, 12 anos
2 de dezembro (quarta-feira)
16h– O Muro é Meio, Eudualdo Monção Jr., 15 min., Doc, Brasil, 2014, 10 anos
Branco Sai, Preto Fica, Adirley Queirós, 93 min., Ficção, Brasil, 2015, 12 anos
19h – Sandrine, Elen Linth e Leandro Rodrigues, 12 min, Ficção, Brasil, 2015, 16 anos
À queima roupa, Theresa Jessouroun, 90 min, Doc, Brasil, 2014, 16 anos
3 de dezembro (quinta-feira)
16h– Cartas do Desterro, Coraci Ruiz e Julio Matos, 15 min., Doc, Brasil, 2014, Livre
Sobre Coragem, Guilherme Xavier, 23 Min., Doc, Brasil, 2014, 12 anos
Porque temos esperança, Susanna Lira, 71 Min., Doc, Brasil, 2014, 14 anos
19h – Pele, um real, Aline Guimarães, 15 min., Ficção, Brasil, 2015, Livre
Muito Além do Peso, Estela Renner, 90 min., Doc, Brasil, 2012, Livre
SESSÃO SEGUIDA DE DEBATE
4 de dezembro (sexta-feira)
14h – Meu Amigo Nietzsche, Fáuston da Silva, 15 min., Ficção, Brasil, 2012, Livre
Silêncio das Inocentes, Ique Gazzola, 52 min., Doc, Brasil, 2010, 12 anos
16h – Submarino, Rafael Aidar, 12 min, Ficção Brasil, 2015, 12 anos
Quando meus pais não estão em casa, Anthony Chen, 99 min, Ficção, Singapura, 2013, 12 anos
19h – 500 – Os bebês roubados pela ditadura argentina, Alexandre Valenti, 100 min., Doc, Argentina – Brasil, 2013, 12 anos
7 de dezembro (segunda-feira)
14h – A Visita, Leandro Corinto, 8 min., Ficção, Brasil, 2014, Livre
Alma da Gente, Helena Solberg e David Meyer, 83 min., Doc, Brasil, 2013, 10 anos
ATENÇÃO – SESSÃO COM AUDIODESCRIÇÃO ABERTA (SEM FONES INDIVIDUAIS)
16h– Nau Insensata, Cristiano Sidoti, 15 min., Brasil, Doc, 2014, Livre
Do Outro Lado da Cozinha, Jeanne Dosse, 40 min., Doc, Brasil, 2013
19h– Nunca Mais Cochabamba, 11 de janeiro de 2007, Roberto Alem, 52 min., Doc , Bolívia, 2007, Livre
8 de dezembro (terça-feira)
14h – Do meu lado, Tracisio Lara Puiati, 14 min., Ficção, Brasil, 2014, Livre
Colegas, Marcelo Galvão, 103 min., Ficção, Brasil, 2013, Livre
16h– Na Direção do Som, Jonathan Gentil e Pedro Prado, 15 min., Doc, Brasil, 2013, Livre
Ninguém Nasce no Paraíso, Alan Schvarsberg, 25 Min., Doc, Brasil, 2015, Livre
Félix, o Herói da Barra, Edson Fogaça, 72 min., Doc, Brasil, 2015, Livre
18h – Abraço de Maré, Victor Ciriaco , 16 min., Doc , Brasil, 2013/ Livre
Betinho – A Esperança Equilibrista, Victor Lopes, 89 min.,Doc, Brasil, 2015, Livre
9 de dezembro (quarta-feira)
16h – Numa Escola de Havana, Ernesto Daranas, 90 min., Ficção, Brasil, 2012, 12 anos
18h– Memórias para uso diário, Beth Formaggini, 80 min., Doc, Brasil, 2007, 12 anos
10 de dezembro (quinta-feira)
14h – O Contador de Histórias, Luiz Villaça, 110 min., Ficção, Brasil, 2009, 12 anos
ATENÇÃO – SESSÃO COM AUDIODESCRIÇÃO ABERTA (SEM FONES INDIVIDUAIS)
16h – Correntes, Caio Cavechini, Ivan Paganotti e Evelyn Kuriki, 58 min., Doc, Brasil, 2006, 12 anos
19h– Léo, Mariani Ferreira, 15 min., Ficção, Brasil, 2015, 14 anos
Habita-me se em ti transito, Claudia Rangel, 23 min., Doc, Brasil, 2014, 14 anos
Quem matou Eloá?, Lívia Perez, 24 min., Doc, Brasil, 2015, 16 anos
SESSÃO SEGUIDA DE DEBATE
11 de dezembro (sexta-feira)
14h – Eu não quero voltar sozinho, Daniel Ribeiro e Diane Almeida, 17 min, Ficção, Brasil, 2010, Livre
Quando a casa é a rua, Theresa Jessouroun, 35 min, Doc , Brasil, 2012, Livre
16h – O Plantador de quiabos, Coletivo Santa Madeira, 15 min., Ficção, Brasil, 2010, Livre
Procura-se Janaína, Miriam Chnaiderman, 54 min., Doc, Brasil, 2007, Livre