O sexo na literatura na escrita de homens e mulheres

veredas-banner-300x300px (1)A descrição de uma cena de sexo pode mudar conforme o olhar de quem a relata? A perspectiva entre um escritor e escritora são distintas? Conforme o artigo A construção do feminino no romance brasileiro contemporâneo, escrito por Regina Dalcastagnè, entre outras observações feitas, as relações sexuais escritas por mulheres carregam maior detalhamento. Além disso, as protagonistas fazem sexo com mais frequência, possuem mais parceiros e, em sua maioria, “se sentem bem menos satisfeitas, em relação ao sexo e à própria sexualidade”. Quando é o homem que descreve as cenas de sexo, a postura das personagens difere delas.

Com o intuito de provocar não apenas a discussão, mas também a reflexão a respeito do tema, o Veredas propôs a cinco escritoras que respondessem à seguinte questão:

Para você, existe diferença na maneira de representar uma relação sexual na 
perspectiva entre escritores e escritoras?

Bem se sabe que cinco opiniões distintas – algumas semelhantes sob alguns aspectos -, por mais qualificadas que sejam, não são suficientes para encerrar a discussão.  Claro que, quanto maior o leque de argumentos, mais rica é a troca de ideias.

 

Cidinha da Silva (MG) 

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Foto: Elaine Campos

 

“Existem sim, não tenho dúvidas. As relações sexuais descritas por mulheres tendem a se situar no campo complexo e misterioso, encantador, em muitos sentidos, da sexualidade, mais do que restringir-se ao ato sexual. Embora haja muitas escritoras e mesmo poetas, ainda inebriadas pelos pesos e medidas do falo, percebo, como leitora, que um número maior de escritoras e poetas explora o corpo do homem e os encontros com ele de maneira integral e cheia de ludicidade. Afinal, convenhamos, sexo sem alegria é muito chato.

De minha parte, como escritora, gosto de explorar possibilidades múltiplas e não-heteronormativas da sexualidade humana. Na crônica Domingas e a cunhada trato da experiência afetivo-sexual de duas mulheres, numa cidade do interior de Minas que dura mais de 50 anos. Em outra, O super, construo uma personagem vítima de violência doméstica que é seduzida por um policial, um cara legal, por incrível que possa parecer. O sexo demora muito a acontecer e ela chega a pensar que o cara é gay. Até que acontece, ela descobre qual é o problema e a solução proposta pelo amante passa pelo uso da capa do Super-Homem para escaparem juntos da kriptonita heteronormativa. Em Roberta e Miranda abordo um casal de lésbicas, mulheres maduras em período de baixa sexual no casamento longo e suas estratégias para manter a chama do amor aquecida. Teria mais a dizer, mas ultrapassei em uma linha as 15 linhas propostas.”

* Cidinha da Silva estreou na literatura com o livro de contos Cada tridente em seu lugar e outras crônicas (2006). Ao todo, lançou oito livros que passeiam por contos, textos opinativos, crônicas e narrativas infantis. Entre as obras estão Racismo no Brasil e afetos correlatos (2013) e Baú de miudezas, sol e chuva (2014), entre outros.

 

Maria da Graça Rodrigues (RS)  

“Mulheres escrevem sobre ‘fazer amor’ e homens sobre ‘foder’. Sei, falar dessa forma sobre a diferença de representar uma cena de sexo na perspectiva de escritores e escritoras é bem redutor. Por isso o faço sem plena certeza. A vontade que me dá: ir à estante, reler uns vinte romances contemporâneos de mulheres e outros tantos de homens, pinçar algumas dezenas de cenas eróticas para, então, fazer um paralelo entre os gêneros.  Talvez isto me fizesse mudar o título, pois quem garante que as jovens escritoras contemporâneas não estejam usando mais palavrões e pegando mais pesado que os machos-alfas da literatura?

É curto o tempo e o espaço que o blog Veredas nos dá. Então que me socorro dos registros de minha memória. O que encontro por lá? Narrativas transbordantes de erotismo, sutilezas e palavras delicadas escritas por mulheres e cenas repletas de termos chulos escritas por homens! Posso estar totalmente errada. Me digam, gurias, enquanto trago a estante abaixo.

*Maria Da Graça estreou, em 2010, com a novela Helena de Uruguaiana. Também é autora de Lua castelhana (2012) e Paraiso selvagem (2014).

 

Heloisa Seixas (RJ)  

Heloisa Seixas_Crédito_Ivson
Foto: Ivson/divulgação

 

“Nos meus vinte anos como escritora, perdi a conta das cenas de sexo que escrevi – foram muitas. Meu primeiro romance, A porta, começava com uma cena de sexo grupal ao som de Mozart, cena que uma leitora classificou como “uma suruba barroca”. O comentário me fez achar graça, mas talvez fosse isso mesmo. Havia grande delicadeza nos movimentos, era quase um balé. Mas minha escolha de palavras nada teve a ver com o fato de eu ser mulher. Foi assim que aquela história se escreveu.

Quando há autenticidade naquilo que se faz, mulheres e homens escrevem seus textos da forma como eles clamam por ser escritos. Cada livro, cada conto, romance, o que for, se apresenta ao escritor de uma maneira. Essa verdade interna precisa ser seguida, sem preconceitos, sem atenção a rótulos ou classificações. Uma cena de sexo pode ser apresentada de forma crua ou sutil, com as mais delicadas metáforas ou as palavras mais chulas – desde que seja bem escrita. É isso que importa. Não tem a menor importância – nem faz a menor diferença – se as palavras pertencem a um homem ou a uma mulher, mas sim se há ou não qualidade na escrita.”

* Heloisa Seixas é autora de mais de dez livros, entre romances e contos, já tendo sido por três vezes finalista do Prêmio Jabuti. Heloisa é também autora de O lugar escuro (2007), O oitavo selo (2014), entre outros.

 

Eliana Cardoso (MG) 

“Em princípio, não deveríamos atribuir ao gênero do autor as diferenças na representação de relações sexuais, diálogos, paisagens ou uma cena qualquer. Tanto o bom escritor quanto a boa escritora podem assumir diferentes pontos de vista e escolher as vozes de seus narradores e personagens. O barato de ser escritor é invadir consciências diferentes da própria consciência e adotar vozes masculinas, femininas, ou de qualquer outro gênero, e até mesmo dar voz a animais e a objetos.

Como fazer para responder sua pergunta? Imagino uma pesquisa que consistiria na análise de 500 textos: 250 mostrariam relações sexuais relatadas por vozes femininas e os outros 250, por vozes masculinas. A partir de diferenças acentuadas na escolha das palavras, do dito e do não dito, das ações e reações dos personagens, o estudo poderia mostrar diferenças entre relatos femininos e masculinos. Em seguida, teríamos de classificar as fictícias vozes femininas e masculinas por autor, verificando se a invenção das vozes femininas depende do gênero do autor. Só então seria possível chegar a conclusões como: ‘o exame de 500 textos mostra que vozes femininas na ficção representam a relação sexual de forma diferente das vozes masculinas e que escritoras femininas preferem adotar uma voz feminina ao descrever uma relação sexual’.  Mesmo essa conclusão seria provisória e textos futuros poderiam vir a desmenti-la. Não acredito que a literatura se preste a esse tipo de generalização.”

* Eliana Cardoso é PhD em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). É professora titular da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo. É autora de nove livros. Fábulas econômicas (2006), Mosaico da economia (2009) e Bonecas Russas (2014) são alguns deles.

Helena Terra (RS)  

Foto: divulgação
Foto: Marcelo Terra Camargo

“Não. Nem acredito que o tema já esteja devidamente representado na literatura. E não falo apenas da brasileira. Sexo, mesmo sendo um fato social, segue sendo um dos grandes tabus da escrita. Poucos se atreveram a explorá-lo. E os que fizeram, como por exemplo, Georges Bataille, no romance História do olho, o levaram a situações extremas em que ao corpo foi dado o poder de testar e de dominar os envolvidos.

O reino do sexo é o da singularidade. Cada um, homem ou mulher, engendra nele sua personalidade e seu percurso psíquico. A construção social é repressiva e ainda há interdições pesando sobre a sociedade. Octávio Paz, em seu livro Um mais além erótico: Sade, diferencia sexo de erotismo, explicando que o sexo serve à natureza, é instinto exercido sempre da mesma forma em cada espécie, enquanto que o erotismo serve-se da natureza, reelaborando-a. Diz: “o erotismo é uma linguagem, já que é expressão e comunicação”. Sendo linguagem, me parece natural que cada escritor, independente do gênero, tenha a própria.”

* Helena Terra é jornalista, escritora, ilustradora e artista plástica. Participou de oficinas literárias e publicou contos. A condição indestrutível de ter sido (2013) é sua estreia na narrativa longa. No momento, ela prepara um novo romance.

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Jornalista freelancer na área cultural e graduanda no Bacharelado em História da Arte (Ufrgs) e escritora. É autora do livro de contos “Como se mata uma ilha” (Zouk, 2019).
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