É difícil escrever sobre um filme como SNOOPY & CHARLIE BROWN – PEANUTS, O FILME (sim, esse é o nome oficial da produção em português) sem deixar o emocional de lado – pelo menos para mim. Os personagens já se provaram atemporais, justamente porque seu criador, Charles Schulz, conseguiu dar um caráter universal e transmitir um aspecto muito humano em mais de cinquenta anos desenhando a turma. E, por incrível que pareça, a maioria das adaptações para outros formatos que se seguiram – e não foram poucas – mantiveram o espírito das tirinhas: a inocência, a esperança, a ingenuidade agridoce de um mundo povoado por crianças e um por um cachorro muito imaginativo chamado Snoopy. Felizmente, esses aspectos são respeitados nessa nova animação, dirigida por Steve Martino e roteirizada pelos filho do criador de Charlie Brown, Craig Schulz, e pelo seu neto, Bryan Schulz.
É bom saber que a família se mantém coerente ao seu legado.
A trama principal gira em torno do amor. E todo fã da série sabe que não há amor mais platônico que o de Charlie Brown pela Garotinha Ruiva. Bom, Charlie era o espelho de Schulz, da sua infância, dos seus problemas pessoais talvez nunca resolvidos. Havia muitas semelhanças entre os dois, mas a melhor de todas é a da idealização em cima da Garotinha Ruiva. E, de fato, ela realmente existiu na vida do autor, chamava-se Donna Mae Johnson. A biografia autorizada de Schulz, Peanuts and Shulz: A biography de Harper Colins ,explica que o desenhista chegou a pedir a moça em casamento. O criador do Snoopy acabou amargando a rejeição pelo resto da vida. E a garotinha ruiva se transformou no principal fantasma de Charlie Brown.
É também o caso aqui, mas menos melancólico. Depois de uma pequena introdução para apresentar alguns dos personagens, logo nos créditos Schroeder aparece em seu pequeno piano tocando o tema da distribuidora FOX, chega uma nova colega na classe do pequeno garoto careca tímido que o deixa cego para todo resto. Era certo, obtuso e juvenil: Charlie está apaixonado. A partir disso, sua fixação na jovem misteriosa só aumenta. Ele divide o seu problema com os amigos, com o seu fiel e romântico cachorro Snoopy e traça planos (falhos) para encontrá-la. A meu ver, tudo isso representa a rejeição por não ser aceito e também o receio em destruir toda aquela imagem de que nós construímos da outra pessoa. Charlie Brown de certa forma é feliz porque nunca cresceu. Ficou estancado na metáfora daquele amor idílico que perseguimos principalmente na juventude: o platonismo tão fugaz, tão intenso e tão inerente ao ato de ser.
Nesse meio tempo, também acompanhamos uma divertida trama à parte, em que Snoopy duela com o Barão Vermelho que sequestrou o par do cachorrinho mais amada das tiras. E, é claro, há espaço – ainda que pequeno – para outros personagens queridos dos fãs darem o ar da graça, como Linus,o melhor amigo de Charlie, que aparece reflexivo e cheio de conselhos como sempre. A aprendiz de terapeuta Lucy também dá as caras, sempre fazendo troça do conhecido azar do protagonista. Marcie e Paty também aparecem sempre juntas, como nos quadrinhos, e servem para exemplificar algo que se tornou um padrão recorrente na cultura pop: a amizade entre o cdf e o desleixado. A irmã mais nova de Charlie, Sally, também é figura recorrente, assim como o pássaro Woodstock que faz companhia a Snoopy.
Ainda que em certos momentos perceba-se um esforço demasiado em apresentar e explicar características e trejeitos dos personagens (bem conhecidos dos fãs), fica claro que a proposta do filme também é ir atrás do público que ainda não está familiarizado com a série. O trabalho de animação reproduz e homenageia as animações clássicas e também, é claro, os quadrinhos – quando surgem na imaginação dos personagens. Entretanto, nada continua chamando mais a atenção na turma de Charlie Brown e Snoopy do que sua capacidade de cativar diferentes gerações.