David O. Russell é um cineasta que oscila. Trazendo no currículo acertos em O Lado Bom da Vida (2012) e O Vencedor (2010) e irregularidades como Trapaça (2013), o diretor costuma investir em um tipo de humor dramático e personagens problemáticos. Em seu novo longa, Joy, temos uma clássica história do sonho americano, baseada em estereótipos meritocráticos. Mesmo longe de ser uma experiência marcante em questões de cinema, é bom ver que, em Joy: O Nome do Sucesso, o mérito é das mulheres.
O filme é inspirado na história real da empresária Joy Mangano, que desenvolveu, nos anos 90, o Miracle Mop, um produto que facilitaria a limpeza da casa e foi um sucesso de vendas, revolucionando a vida da jovem. O longa tem questões não correspondentes à biografia de Mangano, como o número de filhos – dois no longa e três na vida real – e personagens (a meia irmã, interpretada por Elisabeth Röhm, nunca existiu). É curioso que o sobrenome da personagem título também não é mencionado, assim como o nome do produto, que aparece somente rapidamente em um momento da projeção.
Joy (Jennifer Lawrence) é uma jovem mãe, divorciada, que vive com a avó (Diane Ladd), os filhos (Aundrea e Gia Gadsby e Tomas e Zeke Elizondo), a mãe (Virginia Madsen) e o ex-marido (Édgar Ramirez) numa mesma casa. Seu pai (Robert De Niro), ao terminar com a namorada, passa a ser mais um dos habitantes do local. Joy questiona-se sobre o futuro e as coisas que desejava ser, e, após uma ocasião onde precisou usar um esfregão para limpar vinho e cortou as mãos com os cacos das taças, ela tem a ideia de um utensílio revolucionário, no qual a dona de casa não precisasse encostar na sujeira para limpar o ambiente: o já citado Miracle Mop. Após criá-lo, Joy passa por diversas adversidades tentando fazer com que seu produto se destaque, e conta com o auxílio do administrador Neil Walker (Bradley Cooper). A TV aparece como instrumento de vendas cada vez mais consolidado, investindo cada vez mais na interação entre público e apresentador através do telefone. A naturalidade nas atuações dos apresentadores e suas vivências são formas que os canais encontram para dar legitimidade ao produto que vendiam.
O filme é esforçado no desenvolvimento de seus personagens, mas, tendo um elenco enorme, falha. De Niro interpreta Rudy como um pai ora amável, ora detestável, que não chega a ter um caráter duvidoso, mas constantemente nos questionamos se ele sabe o que está fazendo. Virginia Madsen dá a Terry um ar quase infantil, que constantemente precisa de cuidados da filha, mesmo ela sendo a mãe. Bradley Cooper, simpático, é um dos menos desenvolvidos. Entendo sua função na trama, mas sua personalidade soa inorgânica. Como explicar a repentina fé que um homem de negócios teria com a jovem empresária? Mesmo que o talento dela surpreenda – qualquer um que já limpou a casa também quis aquele esfregão durante o filme – ele é um homem de negócios que, rapidamente, dá uma chance à Joy, sem questionar-se muito sobre o encontro.
Mas é graças ao talento de Lawrence que Joy constrói-se como uma personagem pela qual torcemos. Mesmo numa constante expressão de cansaço e stress, somos cativados pela sua noção do correto, gentileza, carisma e real preocupação com sua família. Por mais que ela seja uma praticante da abdicação, como tantas personagens femininas no cinema (abdica da faculdade pelos pais, abdica do tempo próprio pela família), ela nunca beira à santidade. Vemos como tudo aquilo esgota a protagonista, fazendo com que ela soe sempre exausta mesmo em momentos nos quais deveria estar se divertindo.
E, como já mencionei, o filme bate na tecla do american dream e self-made woman: a mulher que veio do nada e, com trabalho duro, alcançou seus sonhos. Tais questões são problemáticas já que não é um processo simples como se propõe no longa, e existem vários fatores que influenciam positivamente e negativamente as “chances e oportunidades” que falsamente se apresentam como disponíveis a todos. Ao menos, ele mostra o sofrimento que essa subida social causou na protagonista. E há um lado empoderador de mulheres que não pode ser desprezado. Joy constantemente é censurada pelas suas ambições (como, por exemplo, quando quase é presa pela polícia, ou no terceiro ato, pelo seu próprio pai), e ainda assim, com o apoio das lições da avó, da filha, da melhor amiga e do ex-marido, esta busca soluções inteligentes mesmo quando não parece haver saída para a sua aparente derrota. O longa também é recheado de personagens femininas, não apelando para os estereótipos opostos de “frágil” ou “super poderosa”, apresentando personalidades e interações interessantes, porém, sempre breves.
Um outro erro é investir em uma narração aparentemente sem propósito. Fora retomar pontos que já aparecem em um flashback e apresentar antecipadamente personagens que, eventualmente serão apresentados, qual a função da avó de Joy ser a narradora do filme? É um recurso que parece servir apenas para abreviar situações que teriam espaço em tela, mas são apressadamente explicadas pela narradora.
Logo, Joy pode não ser um filme que marque profundamente a carreira de David O. Russell, mas sem dúvida, é importante. Com ele, vemos talentos de empreendedorismo e capacidade de liderança em mulheres inteligentes e confiantes dos destinos que querem tentar dar as suas vidas. É uma pena não tenha focado mais em desenvolver a confusão que propõe em tela: muitas pessoas, muitos dramas, muitos gritos, numa frustrada tentativa de envolver o telespectador junto. Mas ele só consegue deixá-lo confuso.