Uma reflexão sobre cultura e arte pública em Porto Alegre

Por Hamilton Leite*

Venho através deste texto fazer uma reflexão sobre a cultura e a arte pública em nossa cidade, pois estou conselheiro municipal de cultura nas artes cênicas.

Em primeiro lugar, a cultura tem que estar junto com os movimentos sociais, pois lutamos pela possibilidade de uma nova ordem, por uma cidade socialmente mais justa na educação, na saúde, na moradia, nos direitos humanos, no transporte público e principalmente na Cultura, pois a população que tem mais acesso à cultura terá todas as demais demandas.

Porém, em todo processo eleitoral, a cultura nem é citada e pouco se fala de Arte e Cultura pública que parte do princípio de o Estado (neste caso, o município) fomentar a cultura e não se retirar do fomento, da criação e do acesso à cultura para a população, deixando assim na mão dos empresários, para o departamento de marketing definir que tipo de cultura será feita em nossa cidade, como acontece a nível Federal com a Lei Rouanet e Estadual com a LIC.

Cito este fato para deixar claro o papel e a importância de o Estado não privatizar a cultura com Leis de Incentivo, porque em nosso município voltou a se falar da Lei de renúncia fiscal da cultura, que o atual secretário municipal de Cultura deixaria como herança. Porto Alegre vive um momento histórico, infelizmente um momento histórico negativo. Para citar alguns exemplos: A Usina do Gasômetro, principal centro cultural da cidade, está abandonada, sem nenhum projeto de manutenção do prédio nos últimos anos. A Cia de Arte, outro centro cultural importante para os artistas e a produção local – fruto de uma demanda histórica -, foi fechado durante meses em 2015. O Cinema Capitólio ficou fechado durante o verão por falta de funcionário. O Ateliê Livre passa por uma carência histórica de professores e, para fechar com chave de ouro, o Teatro de Câmara Túlio Piva está fechado há dois anos, ou seja, não existe um projeto de manutenção dos espaços e por outro lado há um descaso com o funcionalismo público da Secretaria Municipal de Cultura (SMC).

Aqui cito dois pontos importantes: orçamento e funcionalismo específico para a cultura com formação na área. O último concurso público foi no início da década de 90, isso no século passado há quase 25 anos. É urgente a chamada de concurso público para a área cultural. Já o orçamento da cultura em 2015 foi um dos piores desde o início dos trabalhos da SMC: 0,91%. Não foi liquidado todo o orçamento, que era de aproximadamente 60 milhões e caiu para menos de 50 milhões, assim no balanço geral de final de ano se falou que em Porto Alegre sobrou dinheiro no caixa e faltou na cultura.

Se pensarmos que sempre pode ser pior, neste último ano da atual gestão o orçamento será de 0,79%, o pior percentual desde o início da SMC – em torno de 53 milhões (Fonte: Secretaria Municipal da Fazenda). Porto Alegre tem o Plano Municipal de Cultura já aprovado, porém com o veto de 1,5% para a cultura pela atual gestão municipal. Isso mostra a falta de vontade política com a SMC e a necessidade de perceber a cultura como uma forma estratégica e fundamental na formação do ser humano.

O Plano Municipal de Cultura deve ser cumprido na íntegra, pois foi elaborado pela sociedade civil e tem o aval da 10ª Conferência Municipal de Cultura. O Plano deixa claro que o percentual da SMC tem 5 anos para passar para 1,5% e 10 anos para 3%. Acredito que com vontade política podemos ter o percentual de 1,5% em 4 anos e 3% em menos de 8 anos, tirando verba de publicidade e investindo realmente na cultura.

Farra de teatro na Usina do Gasômetro reuniu dezenas de artistas (Foto: Foto: Joel Vargas/PMPA)
Farra de teatro na Usina do Gasômetro reuniu dezenas de artistas (Foto: Joel Vargas/PMPA)

O Fundo Municipal de Apoio à Cultura (FUMPROARTE), que foi um dos primeiros do país fruto de uma conversa com a comunidade cultural e governo nos anos 90, não foi diferente: teve somente 1 milhão, um dos piores orçamentos para o fundo desde sua criação, isto refletiu no número de projetos contemplados. Foram mais de 400 projetos inscritos. Destes, 168 projetos foram habilitados para receber verbas, mas pasmem: somente 16 projetos foram contemplados, menos de 10% dos projetos habilitados, por isso o orçamento é extremamente importante para a cultura. Deve ser vinculado 10% do orçamento da SMC ao Fumproarte, podendo realizar edital com novos formatos, descentralizados, primeiro projeto e por áreas.

Sendo ainda mais propositivo, a nossa cidade tem praticamente todos os aparelhos, espaços e centros culturais na região central, durante todos estes anos que se passou desde sua criação a SMC não constituiu ou construiu centro cultural descentralizado. Este trabalho pode ser feito em parceria com grupos artísticos e artistas das comunidades, por isso a ocupação de prédios e terrenos ociosos do prefeitura para criação de centros culturais alternativos, tendo no mínimo 1 por região, ou seja, 16 centros culturais é uma possibilidade real. A Descentralização da Cultura tem que ter um papel fundamental e estratégico na SMC, não deve se basear em oficinas de março a dezembro e em números de atendimento e sim ter circuitos de arte com participação de todas as áreas, por isso acredito que a Descentralização da Cultura tem que ter vinculado também 10% do orçamento da SMC.

A Descentralização deve promover editais ou contratação para circulação de espetáculos pelos parques e praças descentralizados. Estes têm que ser pontos de referência de cultura, esporte e lazer, por isso é extremamente desnecessário o cercamento de qualquer parque, mas sim a devolução de atividades que garantam a segurança e humanizem o local. Nas próximas eleições, terá o plebiscito para cercamento ou não do Parque da Redenção e os artistas de rua são contra, bem como boa parte da população, pois cercar não soluciona problemas de violência, mas sim atividades culturais, esportivas e de lazer permanentes diurnas e noturnas no parque.

O Fundo Municipal da Cultura (FUNCULTURA) foi criado no início da SMC para agilizar pagamentos, contratações, manutenção e material, sendo importante porque o dinheiro do orçamento da Cultura era administrado pela cultura. As últimas administrações estão desmontando o fundo e fazendo o caixa único da Secretaria Municipal da Fazenda, este pode ser o principal problema para a diminuição drástica do percentual do orçamento.

Este texto é uma breve reflexão que tem que ser aprofundada, esta proposta inicial é uma visualização do todo da SMC para posteriormente conversar em cada área e coordenação da SMC, para que cada área tenha autonomia na construção de seu plano de trabalho e ações tendo transversalidade entre todas as coordenações. Porém, os artistas e a população se uniram neste ano de 2015 e início de 2016 com importantes mobilizações, tais como: O Movimento dos Artistas de Rua de Porto Alegre, que surgiu em 2015 sendo contrário à arbitrariedade e proibição da arte de rua e por sua consequência a proibição da livre expressão artística. O movimento saiu vitorioso contra a prefeitura municipal, que não conseguiu impor a proibição da prática da arte de rua e a Lei do Artista de Rua.

O Movimento que tomou força questiona a visão pública do Cais Mauá com uma revitalização com cultura, arte e lazer: é O Cais Mauá de Todos. A Ocupação do Parque da Redenção – Serenata Luminosa à noite é uma outra manifestação contra o cercamento do parque.
E na calada da noite de 23 de dezembro perto do Natal e Ano novo vimos mais um Movimento de artistas e a população se unindo. O Movimento pela Permanência do Condomínio Cênico do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), com cerca de 8.000 seguidores e a revogação do governo do estado de retirar os grupos de teatro do Condomínio Cênico do HPSP.

Vitórias e movimentos que mostram que temos que ter no Poder Executivo pessoas com vontade política para defender e fazer prosperar a SMC e uma representação ou uma bancada artística cultural na Câmara dos Vereadores que nos represente e lute pela arte, cultura e espaços públicos. Quero, com este pequeno texto, deixar claro que arte e cultura pública só se faz com orçamento, funcionalismo de qualidade, gestão, descentralização da cultura de fato, tendo centros culturais de referência e boa programação para toda a população da cidade. O direito e o acesso à cultura e ao fazer são de tod@S, e queremos conversar, ouvir e construir propostas com os artistas da cidade e população.

Afinal Cultura é saúde, educação, direitos humanos, moradia, inclusão e segurança. Cultura é vida.

*Hamilton Leite é artista de rua, professor, membro do grupo de teatro Oigalê e integra atualmente o Conselho Municipal de Cultura. Texto originalmente publicado na plataforma Compartilhe a Mudança.

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