Fundado em 1874 como Hospício e, atualmente, chamado de Hospital Psiquiátrico, o São Pedro ainda é visto com olhar de manicômio, apesar de toda evolução na forma de atender e tratar pacientes. O local que já chegou a ter 5 mil moradores, possui agora apenas 200 remanescentes do antigo modelo manicomial.
Sempre que ouço a palavra hospício lembro do clássico de Machado de Assis, O Alienista. Foi nele que pela primeira vez pensei que a loucura pode ser também um ponto de vista. Os problemas psiquiátricos já foram tratados de diversas formas pelo mundo e, não faz muito tempo, os internados em hospícios e instituições faziam tratamentos envolvendo práticas desumanas, como a lobotomia e o eletrochoque. No documentário Epidemia de Cores, que estreia dia 02/06 e estará em cartaz até o dia 08/06, na Cinemateca Paulo Amorim, Casa de Cultura Mario Quintana, o diretor Mário Saretta retrata uma nova forma de tratar os problemas psiquiátricos no Hospital São Pedro. A Oficina de Criatividade já tem mais de 20 anos e, desde então, serve como válvula de escape para muitos pacientes.
Manicômio pior é o que está dentro de cada pessoa. – Solange, paciente
A produção tem financiamento do Fumproarte e apresenta a rotina de pacientes e funcionários da Oficina. Com um toque caseiro e pessoal, daquele tipo que só tendo direção, produção e roteiro nas mãos de uma só pessoa pode ter, o que vemos ali é a visão da câmera de Saretta, com foco nos detalhes, nas pessoas, nos cantos mais peculiares desse espaço. Os ângulos mais fechados aproximam daquela realidade, fazendo com que a gente entre nesse mundo e questione onde está a loucura nisso tudo.
Não se procura mostrar as origens de cada paciente, o que os levou à loucura ou ou seus diagnósticos. A pretensão é diferente. É mostrá-los como indivíduos, pessoas que possuem vidas, problemas pessoais além dos psicológicos, pois é ali na Oficina de Criatividade que eles podem expressar seu individualismo, escolher as oficinas das quais vão participar, o que vão pintar, as cores que vão usar. Ali eles são instigados a lembrar quem são. João, Guilherme, Solange, o que cada nome significa de verdade.
O local onde a Oficina acontece é mais iluminado que o restante do Hospital, mais amplo, parecendo ser um pedaço à parte, tanto que muitos pacientes depois de realizar as atividades falam de “voltar ao São Pedro”. A diferença talvez seja a variedade de cores e a sensação de alegria que o ambiente transmite. Os últimos residentes das unidades psiquiátricas do Hospital e alguns pacientes indicados participam da Oficina, que oferece trabalhos com pintura, desenho e bordado, além de ocasionais oficinas com música e confecção de instrumentos musicais. É nesse espaço onde as paredes exalam uma liberdade que as mentes ali presentes nem sempre conseguem encontrar, que algo mágico acontece: as celas são abertas e a imaginação flui.
Eu gosto de colorido. Cor dá alegria, não dá tristeza, não dá nada – João, paciente
O documentário, juntamente com esse raro acervo de obras, é o registro que o Hospital São Pedro tem dos seus últimos anos no modelo manicomial, que já possui uma grande diferença da sua inauguração: existe mais alegria, mais conversa entre as pessoas, mais troca de afeto. É um retrato dos moradores e da loucura que é a arte.
Aqui na Oficina eu aprendi a receber e dar amor. Porque receber é muito fácil, mas dar é muito difícil, principalmente aqui dentro. – Brenda, funcionária
Se enclausura ou liberta, a arte é a válvula de escape de muitas pessoas para o “mundo dos loucos”.
Não precisa fazer de conta que não existimos, nem fechar os seus olhos, pois quando abrires saberás que somos reais e fazemos parte do seu dia-a-dia, dentro ou fora do camuflados sanatórios. Esqueça o passado onde os doentes ficavam enclausurados, confinados como loucos irrecuperáveis e depósitos humanos disfarçados de porões. – Solange, paciente
Clicando aqui é possível conferir mais pinturas dos pacientes.