Raul Pont: “O poder público deve manter o controle das parcerias”

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Raul Pont, do PT, tenta ocupar novamente o cargo de prefeito de Porto Alegre (Crédito: Anselmo Cunha/ Nonada)

Entrevista: Rafael Gloria e Thaís Seganfredo

Fotos: Anselmo Cunha

O Nonada foi atrás de todos os candidatos para conversar sobre cultura e direitos humanos, temas que sempre são pouco explorados na maioria dos debates ou até em planos de governos. As perguntas foram as mesmas para todos e relacionadas a entender como cada candidato compreende a cultura e a forma como se deve trabalhar com os expoentes e agentes que formam a sua cadeia produtiva. Mas também como eles entendem a cultura em um sentido mais amplo, ligada aos costumes e à sociedade. Outro fator crucial para o Nonada também foi descobrir como pretendem tratar grupos identitários e se vão investir na mídia alternativa. A entrevista com Raul Pont (PT) foi realizada no hotel Master, a pedido do candidato.

Todas as entrevistas estão disponíveis neste link.

Nonada – O que o senhor entende por cultura e qual deve ser o papel do Estado no desenvolvimento cultural?

Raul Pont – Cultura é o conjunto de manifestações artísticas que a sociedade produz. No caso, a relação específica do município é com o espaço territorial, com as particularidades regionais e trabalhar com todas essas manifestações. O patrimônio histórico, a formação étnica, uma formação que construiu e caracterizou as manifestações artísticas desde a música até a literatura. O papel do município não é de dirigir ou de regular isso, mas, ao contrário, é de ser um estimulador, um alavancador. Criar condições de infraestrutura para que a cultura se manifeste e se expresse e, espaços públicos, teatros, anfiteatros, teatros experimentais, etc. Quando criamos o Orçamento Participativo, as regiões que tinham algumas das suas reivindicações básicas atendidas, como o saneamento e a pavimentação, rapidamente crescia a prioridade da cultural. E nós respondíamos a isso com um conjunto de políticas públicas que desenvolvemos, seja com a criação de programas que dão conta desse papel enquanto elemento estimulador, criando mecanismos de fundos, como é o Fumproarte, para que a gente possa democratizar o acesso a recursos públicos com o protagonismo das pessoas, dos artistas, dos escritores. Então, isso é uma obrigação: o Estado não tem um papel de gerir ou de conduzir ou de orientar, ele tem a obrigação de estabelecer uma condição infraestrutural e recursos públicos que no nosso caso eram decididos democraticamente pela população. Foi o período que por essa razão, pela população poder decidir, que nós conseguimos o maior percentual de recursos da cultura em porto alegre

Nonada – Nesse sentido, é possível realizar uma boa gestão cultural com o orçamento atual, que não chega a 1% do total há anos?

Raul Pont – Já foi mais de 2%…Por um lado, pela nossa preocupação em fortalecer esta área, compreender a sua importância, mas também pela possibilidade de isso ser colocado no orçamento público através da democracia participativa, através do orçamento participativo, através do Conselho Municipal de Cultura, que tinha ali o espaço para reivindicar, para disputar a prioridade do recurso público. A grande experiência que a gente tem com a democracia participativa é que a própria cidadania vai ser protagonista disso. Infelizmente alguns programas que nós desenvolvemos na época desapareceram, como era o programa da descentralização da cultura. Não era um programa meramente de regionalizar ou de descentralizar o dinheiro, era para que essa descentralização se encaixasse no conjunto das outras iniciativas que eram tomadas, criando a oportunidade para que as pessoas na maioria das vezes distantes dos equipamentos, distantes do poder e do acesso, distante da câmara dos vereadores, distante dos patrocinadores ou lobistas de suas reivindicações, elas pudessem decidir democraticamente o que elas queriam, o que elas desejavam.

Então, o programa de descentralização levava música, teatro, cinema de acordo com o desejo majoritário daquelas regiões. No caso do festival de música, qual era o diferencial dele? É que o festival de música era o único que recebia artistas, músicos, pessoas talentosas que estavam presas ou limitadas a uma região da cidade com poucos contatos, ou poucas relações, sem muito saber como enfrentar os caminhos e os labirintos da coisa pública. Abrimos a possibilidade para que elas pudessem se inscrever em um festival, apresentar os seus trabalhos, a sua música. O único critério era a pessoa morar naquela região. Era um festival que não tinha gênero musical, qualquer um ali desde que fosse com alguma qualidade, e quem estabelecia essa qualidade era uma comissão indicada pelo conselho municipal, com profissionais ou especialistas na área . É outro programa que morreu. O Festival das Nações, que nós tínhamos aqui em Porto Alegre também. Se o poder público não estimula essas coisas, as pessoas ficam fechadas. Outros programas sobrevivem, como o Porto Alegre em Cena, que foi reivindicação da população. Ele nasceu em uma conferência em um congresso da cidade, no primeiro que nós fizemos, que foi uma espécie de tempestade de ideias. Todo mundo reivindicando que cidade queriam, o que elas queriam para a Porto Alegre do futuro.

Nonada – Os cinemas alternativos, como a Sala P.F Gastal de Porto Alegre, têm passado por dificuldades, inclusive com fechamentos temporários por falta de funcionários. Há problemas em diversos teatros também. Como resolver essa situação?

Raul Pont – O caso da Sala P.F. Gastal surgiu naquela política nossa de transformar a Usina do Gasômetro num espaço multicultural. A informação que eu tenho é que a equipe que estava lá assumiu a do Capitólio, por sinal também outro equipamento que foi adquirido no fim do governo Tarso, onde eu era vice. Na época quando compramos aquilo para o município, já tinha um acordo feito com o SESC para que ali se instalasse um equipamento grande que seria mantido por eles. Esse era o compromisso, esse era o trato, que depois foi quebrado, rompido unilateralmente pelo SESC, que abandonou o projeto por razões internas. Porto Alegre é uma cidade que tem certa tradição já consolidada na área de cinema. Então, o papel do município é apoiar, criar condições, garantir espaços. A P.F Gastal tem que ser garantida. Acho que a prefeitura tem que ter condições de operar os dois Centros. Também tenho informações que a Usina, como um todo, vai sofrer uma reforma, obras lá dentro que vão dificultar o acesso. Se vai melhorar, ótimo. O que não dá é ter um equipamento daquele porte sem uso. Ou um equipamento como o Túlio Piva parado há meses ou há anos já. Ou o Renascença que está pedindo uma requalificação das poltronas, do sistema de som, da iluminação, para que possa realmente receber a população. A Pinacoteca Municipal ficou muito tempo sem ter sede própria…Estava subaproveitada lá no porão da prefeitura no Paço Municipal , então, hoje ela já está em outras condições, um espaço bonito, agradável.

Nonada – Qual sua opinião sobre os espaços culturais públicos e as parcerias com empresas privadas, como o auditório Araújo Vianna?

Raul Pont – Não tenho nenhum preconceito com parcerias. Agora o espaço público, ele é público. Não pode perder o poder de regulação, de controle. O poder de programação de maneira absoluta, porque se não deixou de ser público. Se eu fizer um acordo e o poder público perde completamente o controle ou fica com uma ínfima parte do seu planejamento, da sua execução, aí o equipamento deixou de ser público, ele passou a ser gerido por uma empresa, privatizado. Então, depende do acordo, da parceria. Acho que é possível desde que o poder público tenha a possibilidade de usufruir dos espaços no mínimo em igualdade de condições. O poder público deve manter o controle, caso contrário não é uma relação público-privado. Pode servir desde que a sua atividade primordial seja desenvolvida.

Nonada – Apesar de existirem 23 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, as políticas públicas de acessibilidade cultural ainda engatinham. O senhor pretende incluir o direito das pessoas com deficiência de terem acesso à arte na sua gestão? De que forma?

Raul Pont – As escolas especiais do município trabalham com esta dimensão no sentido da socialização e da educação das crianças que estão nas escolas especiais. Na rede regular, uma das coisas que a gente mais prezava e algumas deram resultados que são reconhecidos hoje sem discussão é o trabalho com a música, por exemplo, na Escola Villa Lobos, com a orquestra de flautas, na Lomba do Pinheiros. Ela foi crescendo e se qualificando e se abriu espaço para trabalhar com a Universidade e convênio com a Ospa para formação. Hoje a Orquestra da Villa Lobos não é só mais uma orquestra de flautas, mas é uma orquestra muito mais completa, com muito mais qualidade, o que é um exemplo típico do que pode ser feito em uma escola de umas regiões mais carentes da cidade de Porto Alegre. Nós tínhamos escolas que se especializaram em dança e era um espetáculo belíssimo de assistir a gurizada desde o primeiro e o segundo ano das séries com uma coreografia, fazia um sucesso enorme nos fóruns internacionais de Porto Alegre. Sobre a acessibilidade eu não sei te dizer como isso está se dando, pois não tenho informações mais detalhadas sobre, mas sei te dizer que a cultura e as manifestações culturais, principalmente a pintura e a música, são instrumentos fortes para a socialização de crianças que tem algum tipo de deficiência. É preciso vencer a barreira do preconceito, a barreira cultural. É claro que existem casos que a deficiência é tão grande que a gente não tem como ter esse atendimento, por isso é que há escolas especiais, mas certamente o atendimento é menor que a demanda que a cidade teria.

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“A parceria entre espaços culturais públicos e empresas é possível desde que o poder público tenha a possibilidade de usufruir dos espaços no mínimo em igualdade de condições”, acredita Pont

Nonada – Os artistas de rua se sentem pouco valorizados pela sociedade e muitos  vivem hoje em ocupações, como a Saraí e a lanceiros negros, em função de não terem um local específico destinado a abriga-los. Existe a intenção de trabalhar esta realidade?

Raul Pont – Eu acho que o prédio da Saraí poderia perfeitamente  ser readequado para a moradia, o que precisa lá é acelerar um projeto habitacional para que as pessoas fiquem aonde estão. Acho que lá é compatível um prédio com pouco esforço, com pouca obra, é possível a gente adequar aquele prédio para moradia. E o centro de Porto Alegre precisa de mais moradia. Se a cidade abdica de combinar nas regiões históricas e centrais a moradia com os serviços e com as áreas culturais, naufragam todos. Os centros históricos de são Paulo e do Rio de Janeiro viram a partir das 18h cortinas metálicas baixadas de um verdadeiro deserto, é uma política absurda e burra. Nós temos que recuperar o nosso centro histórico, ele consegue manter proporcionalmente mais a moradia que outras regiões e isso é um elemento importante, porque grande parte dos nossos equipamentos culturais estão no centro. Se as pessoas deixam de morar no centro, mais difícil será sua utilização. Quem mora mais longe e distante já tem a atração do cinema dentro do shopping, já tem outras alternativas de lazer e de recreação. Então, se você facilita o acesso, a segurança, a iluminação, dificilmente esses equipamentos concentrados em áreas histórias vão se deteriorar.  Quanto aos artistas de rua, não sei exatamente qual é o problema, se é muito barulhento isso se resolve facilmente porque basta regular. O poder público deve regular os decibéis, e outras questões que podem aparecer desse tipo.

Nonada – Quais políticas o senhor pretende adotar com relação aos direitos das mulheres e do público LGBT?

 Raul Pont – Vale muito o protagonismo. É uma área em que a gente tem muita clareza disso, da importância e da necessidade de enfrentarmos preconceitos, de enfrentarmos intolerâncias. A Silvana que é minha companheira de chapa como vice é uma dirigente do movimento LGBT, ela participa ativamente e é conhecida no movimento pela sua luta histórica contra o preconceito, contra a intolerância, então, nós temos é que combater a intolerância. Ter uma educação de gênero que respeite a diversidade, que eduque as crianças dentro de uma visão de fraternidade, de diversidade, de não ver essas questões como pecado, como algo que esteja fora da moralidade. Não, isso é puro preconceito. Se queremos construir uma sociedade verdadeiramente democrática, nós temos que tratar esses temas com abertura, transparência. O objetivo da relação social da humanidade é que as pessoas sejam felizes. O problema do combate ao preconceito, da opção sexual, essas coisas têm que ser vistas e recebidas e aceitas como questões que envolvem opções pessoais que fazemos. Não podemos julgar uma pessoa se é boa ou ruim, se é competente ou incompetente, pelas suas opções. Consequentemente é essa visão que nós queremos levar para a sociedade com o seu governo que bancamos consciente como uma posição que a gente vai defender e praticar.

Nonada – A cultura negra sempre foi muito forte em Porto Alegre, embora com pouco incentivo. Existe intenção de valorizar essa cultura?

Raul Pont – Acho que entra nessa visão mais geral de patrocinar o protagonismo e a participação das pessoas como fonte e como estrutura de reivindicação, de capacidade de decisão para se transformar em realidade. Porto Alegre há muito tempo tem um papel importante, por exemplo, no apoio à manifestação cultural que é o carnaval. Mas a gente também tem que garantir a Feira do Livro, que é outra manifestação importante e que envolve vários fatores. Tem um número de visitantes, desdobramento de funcionários, simpósios, que envolvem muito mais gente que o carnaval. Então, o papel do poder público é equilibrar isso. A cultura afro no Brasil não é só expressa na música, não é só expressa no carnaval, mas ela tem uma expressão fortíssima também na cultura religiosa. Nós temos em Porto Alegre um número enorme de terreiros e de casas de pai de santo. E isso é uma manifestação cultural que tem que ser respeitada e integrada numa administração pública como qualquer outra forma de associação que tenhamos aqui em Porto Alegre, de organização de comunidades de países europeus de origem como os alemães que temos uma área forte de cultura alemã através do instituto Goethe, mesma coisa com as sociedades italianas, centro espanhol, polonês. Tudo isso tem que estar sendo apoiado e integrado pela prefeitura na construção de uma política pública municipal.

Nonada – Sabe-se que muita da verba publicitária da prefeitura vai para os veículos de mídia hegemônica. Se eleito, o senhor pretende fazer algo pela democratização da mídia e pelo incentivo ao jornalismo alternativo?

Raul Pont – Essa era uma das preocupações e uma das formas de agirmos nos anos 90, acho que foi o período em que nós tínhamos aqui mais jornais, naquela época as redes sociais ainda não eram tão poderosas e fortes, estavam iniciando. Naquela época, também, o jornal de bairro, específico, segmentado, o jornal de um centro comercial específico, sempre tiveram apoio através de publicidade, de informações da prefeitura para que eles tivessem um aporte público para ajudar a sobreviver, a crescer, a terem uma estrutura mais profissional. A nossa luta para ampliarmos rádios comunitárias em Porto Alegre, tudo isso é papel do poder público. É preciso estimular isso. Por uma visão de que isso é um papel nosso, criar um espaço. Na área cultural, não é um dirigismo. É por isso que a Lei Rouanet ou a LIC, elas têm um problema sério, elas subordinam a obra, o autor, à benesse de quem concede o recurso através de benefício fiscal.

Eu sempre preferi botar dinheiro público, dotar o Fumproarte de mais recursos, mas o autor, seja de qualquer área, passava pelo crivo de uma comissão formada não pelo prefeito, mas pelo conselho municipal de cultura. Melhor do que o sujeito ter que garimpar o apoio de uma empresa que só vai liberar o recurso se ela gostar da obra, se ela estiver de acordo com o que o autor está fazendo. Sei que a LIC e a Rounet são importantes, mas se depender de mim, eu prefiro que o contribuinte pague ao município o que deve, pague a sua contribuição e a gente aumente o investimento. Porque o dinheiro que é cedido via benefício fiscal, ele não vai entrar no município. Ele é um benefício fiscal. Então, prefiro que ele entre para nós e a distribuição se dê pelo Fundo, de modo democrático.

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