“Os intelectuais franceses no século XXI” foi o tema da conferência do escritor Michael Houellebecq no Fronteiras do Pensamento, o penúltimo do ano em Porto Alegre. É um retorno do francês à cidade após participar na primeira edição do evento, em 2006, quando foi o responsável pelo encontro de encerramento. O autor de Submissão é um dos romancistas mais lidos em seu País e também um dos mais polêmicos por abordar questões atuais, como a xenofobia francesa, em sua ficção. Aliás, o autor era capa do periódico satírico Charlie Hebdo no dia do atentado que resultou em doze pessoas mortas e cinco feridas.
O escritor começou se perguntando se era alguém autorizado para falar sobre o assunto e logo depois leu trechos de um artigo do jornal inglês Guardian, que questionava se os intelectuais franceses atuais estão à altura de sua tradição. “O que o editorialista está criticando na verdade é o fato de os intelectuais franceses serem pessimistas e não serem mais de esquerda”. Ele reflete que na imprensa francesa há uma ideia de que eles agora passaram para a direita, e que as suas ideias se tornaram dominantes. Para Houellebecq , o domínio da esquerda no campo intelectual se reduziu depois de maio de 1968. Outro fator que ajudou foi o lançamento do livro Arquipélago Gulag, de Aleksandr Soljenítsin, que relatava as prisões stalinistas. “Muita gente pergunta se os livros podem mudar o mundo. Acredito que os romances, não. Mas testemunhos como Arquipélago Gulag, sim, eles podem mudar o mundo”, disse durante a conferência. Entretanto, ele não vê esse declínio das ideias de esquerda com maus olhos, pois seria algo libertador para os intelectuais.
E continuou afirmando que, com a queda do Partido Comunista, o respeito aos proletários diminuiu e, com o tempo, cresceu o que acabou sendo chamado de uma verdadeira revolta das elites contra o povo. Ainda que não esteja diretamente relacionado com o tema de sua conferência, escrevo esse texto depois da eleição do bilionário Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Mais do que isso, escrevo esse texto em um contexto de ocupações contra uma proposta absurda de PEC 241, que, resumidamente, vai limitar os gastos públicos em várias áreas, como saúde e educação, durante vinte anos. E além: esse ano aconteceu um golpe parlamentar de uma presidenta que foi julgada por motivos que não configuram um impeachment. Qual seria o papel do intelectual nesse contexto todo?
Trazendo a pergunta para cá: Quem são os intelectuais brasileiros? E mais: Um intelectual, um pensador, ainda tem uma relevância nesse mundo tão fragmentado, em que frases clichês e simplórias como “Let’s make America great again”, tal como um slogan publicitário, são as que mais dão resultado? Não estou afirmando que não há relevância para um pensador, mas um pensamento dissociado de um contexto e de uma ação, a meu ver, não oferece muito à sociedade. Talvez por isso Houellebecq tenha ganhado mais relevância nesses últimos tempos, pois através da literatura consegue trazer e conseguir discussões que não ficam apenas no meio mais acadêmico e elitizado. E embora ele tenha discursado em um espaço claramente elitizado, como é o Fronteiras do Pensamento, suas ideias têm ganhado mais espaço e divulgação no Brasil com o lançamento de suas obras.
Voltamos ao Houellebecq, então, que expande suas críticas também a alguns cânones do pensamento francês, como Jean-Paul Sartre e Albert Camus. Para ele, a filosofia dos dois pode ser altamente questionada “O que me choca nos dois é a falta de um discurso abrangente do mundo e a ignorância em conhecimento científico”, explica. Para ele, nada se salva em Sartre, e, em Camus, apenas as primeiras linhas de O Estrangeiro. Mas ele não acaba por aí, ainda sobra para Derrida, Foucault, Deleuze e Lacan que se aproximariam de Sartre e Camus na ignorância sobre a matéria científica. “São autores charlatões e mistificadores. Tentei ler várias vezes e nunca descobri nenhum tipo de sentido nesses textos, nada além de fórmulas misteriosas e vazias e uma verborragia pseudopoética”, diz. Ele lembra com bom grado os amigos escritores Dantec e Muray, que considera a obra superior à dele. Infelizmente, ainda não há muito conhecimento desses dois pensadores no Brasil.
Bom, sendo sincero com você, leitor, há coberturas da conferência que a resumem de uma forma bem mais objetiva e abrangente, como a do próprio site. Minha intenção aqui é deixar o questionamento sobre o papel do intelectual também em nosso contexto. Posso dizer mais isso: no final da conferência, abriram espaços para as perguntas e, aconteceram alguns problemas com a tradução no início, o que levantou risos do público. Houellebecq também não parecia muito à vontade nesse momento, respondendo de forma lacônica as perguntas extensamente desenvolvidas pelo interlocutor, o professor e historiador Francisco Marshall. Um adendo: Perguntado o que ele achava do prêmio Nobel de Literatura dado à Bob Dylan, ele respondeu que preferia o Lou Reed.