Um retrato da imigração senegalesa em Porto Alegre

Texto e fotos Julianne Maia

No primeiro dia do curso, sala de aula lotada. Alunos de diferentes idades e conhecedores de níveis variados da língua francesa aguardavam Moussa Diagne, ou Kalamoulah (em árabe significa “voz de Deus”), como é conhecido pelos amigos.

Moussa tem 28 anos e veio do Senegal tentar a sorte no Brasil há dois anos. “A primeira ideia era migrar para a Bélgica. Mas um amigo do meu irmão, que viaja bastante, sugeriu que eu viesse para a Argentina ou o Brasil, que estão em melhor situação econômica, comparando com a Europa. Achei que aqui teria mais oportunidades”, conta.

Em Dakar, capital do Senegal, Moussa trabalhava como técnico em uma empresa de telefonia. Apesar de não falar francês no dia a dia, aprendeu a língua na escola que frequentava. Sabendo do seu conhecimento sobre o idioma, seu amigo Modou o apresentou à Marjorie Hattge, responsável pelo curso Bonne Chance – Francês com Refugiados, promovido no Vila Flores. O curso já teve duas edições: uma no final de 2016 e outra agora em fevereiro. “Gostamos muito do Moussa porque ele se mostrou super solícito e gentil, além de estar aberto ao projeto. Além disso, os alunos gostam dele”, conta Marjorie.

Atualmente, Moussa divide um apartamento no bairro Passo D’Areia, na zona norte de Porto Alegre, com mais três amigos. Sobre a adaptação ao português, ele conta que não teve maiores problemas. “No dia em que cheguei, vi que meus amigos já falavam super bem. Então pensei, eles não são melhores nem mais inteligentes do que eu, não vai ser tão difícil. Com o passar dos dias fui pegando as palavras e isso me deu coragem”, recorda.

O idioma oficial do Senegal, colonizado pela França e que obteve a independência em 1960, é o Wolof – um dos 12 dialetos usados pela população, marcada pela multiculturalidade. “Como o nosso país é composto por várias culturas, não é raro as pessoas ‘se apropriarem’ de expressões que não são comuns no seu dia a dia. Um exemplo é a saudação Salaam Aleikum, em árabe, que usamos com frequência”, explica Moussa.

De acordo com dados do CIBAI (Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações), 87% da população senegalesa segue a religião islâmica. Uma parte importante da rotina de Moussa são as cinco orações que faz para Alá todos os dias – às 6h, 14h, 17h, 19h e 20h. Ele conta que visita com frequência a mesquita Abu Bakr, localizada no Centro de Porto Alegre, e que o local serve também como um ponto de encontro para a comunidade senegalesa. “No Senegal, há muitos cristãos também e eu frequentava as festas em datas religiosas a convite de amigos”, conta Moussa.

Quanto à culinária, o prato favorito de Moussa – feito na confraternização do curso no ano passado – é o arroz com peixe e legumes como cenoura e berinjela, temperado com sal, pimenta e caldo de galinha. “É um prato muito bom e simples de fazer, mas como aqui em Porto Alegre o peixe é muito caro, substituímos por carne de gado ou galinha”, explica.

Senegaleses contam com rede de apoio sólida

De acordo com a professora Vânia Merlotti Herédia, que coordena a pesquisa “Migrações Internacionais no Sul do Brasil”, na Universidade de Caxias do Sul, grande parte dos imigrantes senegaleses são homens jovens e solteiros, eleitos pela família para migrar, devido à facilidade de inserir-se no mercado de trabalho. “A sociedade senegalesa é muito diversa, com etnias e dialetos diferentes. A migração é uma alternativa em relação à sobrevivência em grupo”, explica a pesquisadora.

Atualmente, o Rio Grande do Sul conta com uma população de 3 mil imigrantes – 2 mil somente em Porto Alegre. De acordo com o pesquisador e coordenador do núcleo de pesquisa do CIBAI (Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações), Jurandir Zamberlam, a primeira migração senegalesa no Brasil teve seu início marcado pelo agronegócio. Em 2010, os incentivos foram na área de cultivo de grãos, o que demonstra um interesse mútuo entre os dois países de promover a integração.

No Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), em Caxias do Sul, vinculado à Associação Educadora São Carlos (AESC), são realizados cerca de 20 a 40 atendimentos por dia. De acordo com a assistente social Vanessa Perini Moojen, os senegaleses que chegam ao Centro são jovens, com idade entre 20 e 35 anos e, geralmente, contam com uma rede de apoio sólida, o que facilita a adaptação à nova terra.

“A nossa lei de imigração é da década de 1970 e vê o estrangeiro como inimigo, além de ter sido influenciada pelas políticas de branqueamento da população, o que dificulta a integração do imigrante de forma efetiva”, explica Vanessa.

Moussa chegou ao Brasil em 2014 munido de um visto de turista, com duração prevista de três meses. A primeira parada foi São Paulo, de onde seguiu para Caxias do Sul. Lá, obteve a carteira de identidade e de trabalho, junto à Polícia Federal.  Quando perguntado sobre a recepção na cidade de colonização italiana, conhecida por receber imigrantes com certa desconfiança, Moussa conta que tudo que pensava na época era em encontrar um bom emprego. “Não tive tempo para avaliar a cidade e as pessoas, mas acho bem bacana. Até hoje vou até lá visitar os amigos”, conta.

A primeira experiência de trabalho no Rio Grande do Sul foi no Parque das Águas, em Viamão, e um tempo depois passou a trabalhar como auxiliar de cozinha no restaurante Gusto de Bacio, no bairro Três Figueiras, em Porto Alegre. No Senegal, a família o espera com saudades. “Falo com a minha mãe todos os dias, mas ela sabe o motivo que me trouxe aqui. Assim que tiver dinheiro suficiente, volto para a minha terra natal”, finaliza.

 

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