Foto: Sarau Entreverbo
Por Camila Kehl
A cartola esconde o vasto cabelo. O paletó, as calças e até as meias revelam letras coladas. Desconcertado, o poeta senta diante da pequena plateia. Intimidado, começa a contar a sua história e desperta a desconfiança: será possível que um artista assim meio acanhado consegue mesmo atrair atenção? Sim, consegue.
“Comecei a escrever e já comecei a rimar, isso me persegue”. Jonatan Ortiz Borges explica assim seu gosto pela poesia. Ele diz que percebeu que poderia ser poeta quando descobriu que era possível transformar a dor em algo mais bonito. Os causos contados pelo avô provocaram o interesse pela oralidade, mas Borges, que nasceu e mora na cidade de Canoas (RS), nunca se sentiu atraído pelas temáticas gauchescas. Foi na literatura de cordel que o artista sentiu-se representado. A linguagem rápida e acessível para todos os públicos foi o tipo de manifestação que cativou Borges. “Pode fazer uma performance pra gente, então?”, alguém da sala instiga o moço, que levanta da cadeira e em silêncio fecha os olhos como se esperasse alguma inspiração, como que tentando lembrar da história guardada em algum canto da memória.
Jonatan Borges fala muito mais com as mãos. O gesto comanda o ritmo do discurso. O artista encadeia as palavras, uma metralhadora de frases que contam a história de como Jesus foi parar na cadeia e não foi crucificado, um cordel de Jessier Quirino. Borges interpreta com o sotaque típico do Nordeste, mas são as pausas, os trejeitos, as gesticulações, os meneios de cabeça e os movimentos das mãos que revelam sua arte. São esses sinais que o aproximam da história e dos espectadores silenciosos diante da ação.
Encerrada a exibição do primeiro ato, palmas para Borges, que senta novamente. Perguntado se existe alguma preparação para suas interpretações poéticas, o artista diz que na vida cotidiana é retraído e que vestir-se de um personagem “é uma desculpa para fazer o que faço”.
Eita! Mundo torto…
Tem gente sem calma
Censurando o alheio corpo
Por causa das perversões
Que carrega na alma. (JOB)
Em determinado momento, surge a questão: qual é a missão de um poeta? “Espalhar a poesia, levar suas diferentes formas por aí. A poesia transforma e ressignifica as coisas”, responde o poeta performático. Borges também atua como contador de histórias nas escolas e comunidades de Canoas e relata sua experiência na periferia, um compromisso de formar leitores numa sociedade que não valoriza a leitura. A poesia é também resistência e apresentá-la para plateias descentralizadas parece ser a sua forma de contribuição. “Eu tentei me encaixar na sociedade, mas eu não pertenço a este mundo competitivo, quero mudar a realidade a partir da cultura”, fala com um tom enérgico ainda não visto durante sua visita.
Borges é convidado a declamar um poema de sua autoria. Repete o gestual: levanta-se da cadeira e em silêncio fecha os olhos como se esperasse alguma inspiração, como que tentando lembrar da história guardada em algum canto da memória. Recita um texto curto. Aplausos. O artista então tira do bolso pequenos papéis: são seus poemas impressos, que timidamente distribui aos presentes na sala. Vários “obrigado”, “obrigada” dos espectadores, despedidas. Num típico gesto de agradecimento, o artista tira a cartola. Jonatan Borges deixa a sala e naquela tarde prova que o não-verbal também comunica.
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Nota da redação
Os pequenos papéis distribuídos por Borges na sala de aula agora vão ser reunidos em mais um projeto do escritor. Ele prepara o lançamento de seu primeiro livro, Eu, Poéto, com poemas de sua autoria. O livro, com cerca de 60 páginas, já está finalizado e será publicado de forma independente, sem editora. Para conseguir o financiamento, o autor vende “vale-livros” no boca-a-boca para amigos e conhecidos. Pretende alcançar a meta de 100 vales vendidos até o dia 14 de novembro, data que escolheu para o lançamento de sua primeira obra. Por coincidência, o lançamento ocorre na mesma época da 63ª Feira do Livro de Porto Alegre, que vai reunir centenas de livreiros e editoras no centro da cidade.