A saga Star Wars ressurgiu nos cinemas em 2015 pronta para agradar uma nova geração que não conhecia profundamente o universo criado por George Lucas na década de 70. Nas mãos de J. J. Abrams, a história foi atualizada, novos personagens surgiram e novas representatividades foram valorizadas em tela, afinal tínhamos uma mulher e um negro protagonizando o longa e lutando contra o totalitarismo da Primeira Ordem. Ainda que eu considere o filme excelente, ele traça diversos paralelos com a trilogia clássica – como a construção de uma nova estrela da morte, por exemplo – que facilitam a digestão da história para uma multidão de fãs sedenta por Star Wars.
Em Os Últimos Jedi, Rian Johnson acerta ao criar um dos roteiros mais ousados de Star Wars. No longa, Rey (Ridley) encontra Luke Skywalker (Hamill) e inicia seu treinamento com o famoso mestre Jedi isolada do resto do mundo. Enquanto isso, Leia (Fisher) coordena o que restou da resistência junto com Finn (Boyega), Rose Tico (Tran) e Poe Dameron (Isaac) contra o poder da Primeira Ordem – liderado por Snoke (Serkis) e apoiado por Hux (Gleeson) e Kylo Ren (Driver).
O diretor é corajoso o suficiente para abandonar antigas noções que já estavam sendo superadas – seja pelos filmes ou pelo próprio universo expandido – e se atirar de cabeça em novas propostas para a história que seguirá. Exemplo: nenhum diretor jamais daria o destino que Johnson deu ao sabre de luz de Luke Skywalker ou ao aparente grande vilão da história. Assim como em O Despertar da Força, Os Últimos Jedi investe em intercalar ação, humor e drama, mas este último filme até mesmo ridiculariza de leve seus personagens para induzir ao riso – como percebe-se em uma das primeiras cenas quando Hux esbraveja discursos clichês dignos de um vilão clássico e que acabam não tendo efeito nenhum devido à sagacidade de Poe Dameron.
O longa também se empenha em discutir as relações entre mestres e aprendizes e as falhas que tanto o caminho Jedi quanto o caminho Sith possuem quando se prendem em noções antigas, dogmáticas e de difícil aplicação. O mesmo caminho Jedi que criou nomes como Yoda, Obi-Wan e Mace Windu possibilitou que diversos Darths surgissem ao longo da história. E essa humildade é mais um dos pontos fortes do filme: acaba-se com o binarismo que uma pessoa é essencialmente boa ou ruim, já que é impossível manter-se sempre no mesmo caminho (exemplo: a hesitação de Luke e a hesitação de Kylo-Ren quando ambos quase assassinaram pessoas queridas a eles).
O filme reforça a ideia de que muito mais valem as escolhas políticas de um ser humano do que o que ele necessariamente nasceu para ser. No terceiro ato, Rey e Kylo encontram-se na mesma encruzilhada e é a escolha de caminhos distintos que os torna exatamente aquilo que devem ser perante nossos olhos.
Ao assumir que os Jedi devem acabar, o que Luke defende é o fim da noção errada de que a Força só possui validade se presente nos cavaleiros, e o quão arrogante essa ideia é. O filme é emocionante ao mostrar que a Força não está no sangue, mas presente em todo o universo, seja no herdeiro de Darth Vader, como em uma menina nascida no lixão da galáxia ou em uma criança escravizada por um criador de animais.
Logo, esse Star Wars vem para provar que a saga NÃO é sobre os Skywalker, mas sobre a Força, revolução, combate ao totalitarismo e ao binarismo entre bom ou mau. Se os personagens antigos possuem menos destaque – e isso parece ofender o fã-clube – é porque está na hora de aceitar que esse filme não é sobre Leia e Luke, mas sim sobre Rey, Kylo, Finn, Poe, Hux, os comandantes rebeldes e toda uma outra gama de personagens que J.J.Abrams e Ryan Johnson foram talentosos em criar e consolidar, consequentemente.
O filme também critica a riqueza exacerbada e – obviamente – a indústria das armas. Quando Rose alega que em Canto Bight há só o pior do pior e logo vemos uma imagem de pessoas ricas, não há como não associar com o problemático elitismo que assola as sociedades ocidentais e o luxo do qual os super ricos desfrutam enquanto tantos sofrem. Ainda que a cena de Finn e Rose soe como um “lado B” da história – mas que eu acredito e defendo como essencial para que a história se desenvolva bem – ela é rica e complexa em simbolismo sobre desigualdade, elitismo e riqueza. Afinal de contas, quem são aquelas pessoas no cassino mesmo? Pois é. E não é a primeira vez que Star Wars critica a Guerra e o Capitalismo (o primeiro episódio criticava Nixon e a Guerra do Vietnã), mas em Os Últimos Jedi ele veio de uma vez por todas mostrar de qual lado está.
E claro, sempre vale a pena marcar que é um filme cheio de mulheres fortes, corajosas, íntegras e corretas em posição de liderança ou destaque. Leia não é mais o bendito fruto no meio de tantos homens pilotando naves. Além de Rey, temos Rose, Holdo (Dern), Connix (Lourd) e diversas outras figurantes que constantemente nos lembram que mulheres também lutam. Falando em Leia, em Os Últimos Jedi, a General/Princesa ganha destaque como a líder preocupada, inteligente, digna, e inspiradora que sempre foi – a despedida perfeita para a atriz Carrie Fisher, falecida no dia 27 de Dezembro de 2016.
Star Wars: Os Últimos Jedi tem sido criticado. Mas a maior parte das críticas me causam apenas indignação. Certos comentaristas alegam que o filme é, em certas ocasiões, “surpreendente demais” e outros absurdos. Sendo assim, torna-se difícil combater argumentos de fãs que desejavam que o filme fosse um grande fan-service¹ (será que eles queriam OUTRA Estrela da Morte?). Não é a primeira vez que esse tipo de coisa acontece em relação à saga. Um dos filmes mais queridos do cinema – O Império Contra-Ataca – foi bastante criticado² na época justamente por tentar algo mais arriscado do que o seu antecessor. E as críticas levaram George Lucas a reproduzir muitos pontos da história de Uma Nova Esperança em O Retorno de Jedi para que o filme fosse aceito.
Só de imaginar as manchetes que a cretina grande mídia brasileira associaria aos personagens do filme caso suas ações fossem verídicas – Leia seria terrorista, Kylo-Ren seria um ídolo dos jovens conservadores, e Rose e Finn seriam considerados vândalos – eu tenho certeza de que Star Wars é exatamente o filme que precisávamos em um ano tão difícil como 2017. A representatividade dos personagens, pelo visto, também incomodou, já que grupos de direita se uniram para baixar a nota do filme em sites como Rotten Tomatoes³ devido à forte presença de mulheres, negros, latinos e asiáticos defendendo a República e combatendo o totalitarismo em um filme onde revolução, amizade, apoio, esperança e justiça são os tópicos principais. Só por incomodar esses grupos conservadores, Star Wars definiu-se do lado certo da história e ganhou minha simpatia. Mas além disso: Os Últimos Jedi é uma excelente e corajosa obra.
¹ Fan-service: cena ou tópico abordado em filme apenas para agradar aos fãs.
² Cartas antigas revelam que Império Contra-Ataca também dividiu a opinião dos fãs
³ Grupo de direita forjou nota baixa de “Os Últimos Jedi” usando bots