Texto e fotos: Carol Ferraz
Eu sonho através das eras,
Pra mais de um século já…
Um futuro de igualdade
Muito mais que liberdade…
Futuro de identidade…
Esse futuro virá?
O poema Quilombo do Morro Alto, parte do livro “Os Dez Mil Poemas”, de Carlos Omar Villela Gomes, foi o escolhido pela mediadora da Biblioteca Comunitária do Arvoredo Viviane Peixoto para abrir a tarde de atividades culturais do Conceito Arte, ocupação cultural localizada no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre.
Com eventos e oficinas gratuitas, o espaço tem também a Biblioteca Comunitária Girassol, incentivando o acesso à cultura de forma autônoma, por meio da resistência. Como afirmou a integrante Natashe Inhaquite na Agência de Notícias das Favelas, “o coletivo é aberto a todos, embora o foco das ações seja a juventude. Sabemos que a arte faz a “gurizada” pensar e a querer construir algo diferente do que a sociedade impõe à periferia. Cada um de nós contribuí com o que sabe fazer. A nossa casinha é uma oficina de arte, aprendemos uns com os outros o tempo todo”.
No último domingo (1º), o coletivo promoveu o evento Vila Viva, focado no debate sobre a violência e genocídio da juventude nas periferias brasileiras. Além de contação de histórias e hip-hop, uma roda de conversa abordou o tema, com a participação de Mariana Gonçalves, ativista do Movimento Negro de Porto Alegre, Socióloga e Mestranda em Ciências Sociais na PUCRS, Juliana Borges, pesquisadora e autora do livro “O que é encarceramento em masa?” e Marcos Rolim, escritor, sociólogo e militante dos Direitos Humanos.
Na abertura da roda de conversa, Natashe lembrou a importância de espaços de arte e cultura nas periferias: “há alguns dias fui ver um filme no centro que falava sobre a vida na periferia, mas quando que a periferia vê esses filmes? Tem que ir até o centro”.
Em uma aula de desenvolvimento social e histórico do Brasil, a paulista Juliana Borges lembrou que lei criminal durante a colonização era aplicada de forma distinta entre negros e brancos, com a vigência do Código Criminal do Império Brasileiro. De 40 apenados, 11 eram escravizados e nenhum deles teve sua pena de morte perdoada”. A violência racial é estrutural de nossa sociedade, reflexo de uma mentalidade colonizada (…) O Brasil foi fundado na violência pelo genocídio da população indígena”, afirmou. Ela ainda critica os rescaldos desta mentalidade colonial entranhada nos critérios de seletividade da própria justiça brasileira: “A Justiça no Brasil não garante direitos, é uma engrenagem para garantir controle social e racial de uma determinada população do Brasil”, disse.
O sociólogo Marcos Rolim pensa o macro a partir das relações individuais: “a gente sempre pensa as violências que praticam com a gente, mas a gente reflete as violências que fazemos com os outros?”. Ele apresentou dados e descreveu a situação de violência cotidiana a que os moradores das periferias estão acostumados e conviver: “Moro há mais de 20 anos em Porto Alegre e nunca fui assaltado, vejo meus alunos sendo assaltados várias vezes num ano, sempre trocando de celular, mas faz parte dos meus privilégios de ser um homem branco, de classe média, ando de carro, não me exponho a noite”, lembrou.
Já a mestranda Mariana Gonçalves definiu: “o pós-abolição vem junto com a industrialização e o capitalismo no Brasil. Criando os mitos de democraticamente racial”. Ela coloca que o racismo se estrutura em todas as esferas da sociedade e sendo assim não se resolve apenas na estrutura econômica, “é preciso ser interligado às outras esferas”, aponta. Ela questionou ainda “Pra quem a lei e a ordem servem?”, ela responsabiliza ainda o Estado pela perda de vidas e define: O genocídio ele mata aos poucos, desde o momento que deixa de dar assistência na saúde, na educação.(…) O genocídio pressupõe a morte de um coletivo”.
Após a roda de conversa se apresentaram os artistas Negra Jaque, FQV MC’s e Meiaumtres, acompanhados do Leco DJ.