Ana Cañas: “Querem calar as vozes que defendem os direitos e a democracia”

Resenha e entrevista: Ananda Zambi
Fotos: Raphael Carrozo

Logo após a passagem de som, ela pergunta ao produtor local: “Como é o público daqui da casa?”, e ele prontamente responde: “Varia de acordo com a atração, mas pode ter certeza que as pessoas virão pra te ver”. A intérprete e compositora Ana Cañas se anima, afirmando que, sendo assim, irá cantar todos os seus sucessos.

Para uma segunda-feira, o tradicional e charmosíssimo Ocidente estava recebendo um público considerável. Nessa edição do 2ª Maluca – projeto que apresenta shows de artistas locais e nacionais às segundas-feiras – , o clima era favorável para se sentar numa mesa, tomar uma bebida e apreciar atentamente o que estava por vir, o que lembra o início da carreira de Ana, que começou cantando em bares na noite paulistana. O formato era voz, violões e o charme que só um bandolim pode proporcionar.

Depois de um atraso um tanto cômico, mas charmoso – a atração foi anunciada e demorou uns minutos para sair do camarim e descer ao palco – , a artista aparece, como sempre, com uma imagem impactante: bota, meia-calça, short cintura alta, um casaco pesado e uma camiseta preta com a frase “Lute como uma garota” – nada mais a cara de Ana Cañas do que isso, pela feminista militante que é.

Enérgica e muito disposta a se doar, começou cantando as autorais “Tô na vida”, que dá título ao seu último álbum, e “Mulher”, também desse mesmo trabalho. Já nas primeiras músicas percebe-se que Ana se permite reinventar as canções ao vivo, explorando tons agudos, adaptando letras e empregando potência vocal nos momentos que julgava necessário,  fazendo-o com maestria e muita emoção.

Fotos: Raphael Carrozo

Depois da interpretação singular de “Eu amo você”, do Tim Maia (“essa é música de sacanagem, é pra foder”, disse Ana, antes de cantar), a cantora interpretou o single “Respeita”, cujo clipe reuniu 86 mulheres para fazer um manifesto contra o machismo e o feminicídio (a frase emblemática da música – Respeita as mina, porra! – foi dita com nada menos que um grito de alerta), e “Urubu Rei”, mais uma autoral que lembra a psicodelia nordestina de Alceu Valença.

Um ponto alto da noite foi quando Cañas cantou “Velha roupa colorida”, de Belchior (que acha “tão bom quanto Chico, Caetano e Gil mas não tão valorizado”), e a plateia cantou junto em forte coro. Ana desceu do palco e cantou junto, feito um culto ao cantor e compositor já falecido. Finalizou a canção cantando “64 nunca mais”, fazendo clara alusão ao golpe de 2016.

Ana Cañas tem uma relação forte com a banda Titãs, pois foi o primeiro show que ela viu na vida e, anos depois, tornou-se amiga de alguns dos integrantes. No show, ela conta como conheceu Nando Reis – desde a vez em que dividiu uma sala de cinema com ele quando era adolescente até quando, já adulta, ia dividir o palco com o cantor – E então, fez uma dobradinha que derrete o coração de qualquer romântico:“Pra você guardei o amor”, que gravou junto com o ex-titã e fez enorme sucesso nas rádios e na novela Cama de Gato, exibida em 2010, e “O seu olhar”, de Arnaldo Antunes – músicas que contêm uma dose considerável de pureza e singeleza.

Após os violões de Estevan Sinkovitz e Thiago Barromeo entoarem o clássico “Rock and Roll”, do Led Zeppelin, e a transformarem num folk bacana, Cañas contou mais uma história: a de como conseguiu comprar o primeiro violão na pechincha e na entrada do seu prédio compôs uma música de três acordes, que viria a ser a famosa Esconderijo. Ela entrou na trilha sonora da novela Viver a Vida, exibida em 2010, e ganhou um clipe dirigido por Selton Mello. Quem ouve a gravação original e compara com Ana cantando ao vivo 11 anos depois, percebe-se que a artista evoluiu em interpretação, firmeza e identidade artística.

Fotos: Raphael Carrozo

Depois de cantar uma inédita, que sairá no álbum previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano (Você diz coisas tão terríveis /São todas incabíveis / Me destrói), a artista comentou sobre as ameaças que têm sofrido por causa de seu contundente posicionamento político de esquerda – para quem não sabe, Ana Cañas acompanha as manifestações pela democracia, pela soltura do Lula e contra o golpe, além de visitar escolas, ocupações e assentamentos.

Na reta final do show, interpretou o hino latino-americano “Volver a los diecisiete”, da cantora e compositora chilena Violeta Parra, e “Tigresa”, de Caetano Veloso. Esse foi, com certeza, o momento mais performático do show, em que Ana explorou todo o palco, todas as possibilidades corporais e, claro, vocais, finalizando a música com um grito por Marielle Franco. No bis, Ana canta uma versão mais sombria da forte “Pesadelo”, originalmente interpretada pelo grupo carioca MPB4, e, a pedido de uma fã incansável, finalizou o show com “Luz Antiga”, single de 2010, do álbum Hein?.

Pode parecer clichê, mas é real: Ana Cañas está na vida. De peito aberto, sem medo de ser feliz e com (muito) amor ao próximo. A caminho da entrevista, acabei lhe fazendo a malfadada pergunta que gaúchos fazem a turistas: “E aí, foi numa churrascaria?”, quando me respondeu, enfática: “Não! Sou vegana”. Era óbvio, pois essa mulher poderosa, autêntica e gigante é pura alteridade.

Confira a entrevista:

Qual era sua ligação com a música antes do teatro, já que foi no teatro que você começou a cantar?

Eu era muito dura pro teatro, eu sabia disso. É louco isso porque eu não tinha o flow pra atriz. Eu não cresci numa família musical. Meu pai via muito jogo de futebol, por exemplo, e eu lembro da narração do cara no jogo, sabe, que tinha uma música ali, era muito louco isso. E depois minha mãe curtia Tchaikovsky, umas músicas clássicas e Chico Buarque, Elis, etc. Então não tive pais que curtiam muito ouvir música. Quando eu olho pra trás eu penso: “Mano, eu fiz tudo ao contrário, mas deu certo, de alguma forma”. A minha avó gostava de cantar, ela era refugiada da guerra civil espanhola e gostava de cantar (Edith) Piaf.

Esse meu despertar pra música aconteceu muito tarde e de uma maneira muito louca: eu tava precisando pagar conta e descolei um bico de cantora na cara dura. Eu não sabia o que era melodia, harmonia, tom, nada. Eu lembro das pessoas me perguntando “Qual é o tom?” e eu ficava “Gente, não sei”, e eu já trampando. Eu fiquei cinco anos cantando na noite em São Paulo…

Teve uma plateia ilustre, né?

É, fui para num boteco high society, e acabou indo Chico Buarque, Caetano… E aí rolou. Começaram a pintar as gravadoras, virei independente… Então foi um começo muito doido mesmo. Quando olho pra trás eu penso: “Puts, tinha que ser mesmo”. Parece que a música escolhe a gente, não a gente que escolhe a música, né?

Pois é. Depois de três discos e um DVD, em 2015 você lançou um álbum totalmente autoral, o Tô na Vida. O que você mais nota de diferente entre interpretar músicas dos outros e suas próprias músicas?

Então, esse lado intérprete meu nunca me abandonou. Sempre nos shows eu faço Belchior, Caetano, Violeta Parra… Também tem isso, as músicas são mais conhecidas, são clássicos… É difícil, por exemplo, reler “Tigresa”, que ficou muito conhecida na voz da Gal (Costa)… Pra mim, parece que é um desafio, sabe, porque como a música já tá no inconsciente coletivo popular, é um outro lugar que não é minha música, e minha música não tem ninguém conhecido que cantou e ficou conhecida, né. Então, é realmente um outro tônus artístico cantar músicas já conhecidas na voz dos outros. Tem um outro lugar, espiritualmente falando, eu acho, e aí outras energias acontecem. Acho que esse meu lado intérprete nunca vai me abandonar e eu agradeço a Deus por isso, é positivo. Você agrega com a tua viagem, com a tua loucura. Na minha opinião, tem diferença entre cantar música de outro compositor e minha.

São estados de alma diferentes. Mas com certeza, você fazer valer uma música tua é um baita desafio também, é um outro desafio, um outro lugar e é misterioso – a gente grava um monte de música e tem uma que comunica com o coração das pessoas, então é mágico. Eu tô atrás da vida mágica, entendeu. Pra mim, a vida tem que ser mágica, senão não vale a pena.

Fotos: Raphael Carrozo

Você tem dez anos de carreira, e vem da mesma geração que a Tiê, a Céu, entre tantas outras cantoras mulheres. Nos anos 1990, existiam casos isolados, como por exemplo Rita Lee e Marisa Monte. Mas nos anos 2000, isso explodiu. Pra você, como é ter sido dessa leva?

Eu acho muito massa isso ter acontecido, porque a gente tinha um buraco. Sabe o que eu acho que foi mais legal? Mulheres compositoras. Todas escrevem suas próprias músicas, todas têm trabalhos autorais. A gente tinha muitas intérpretes – Gal, Elis e Bethânia, por exemplo, são essencialmente intérpretes. Aí veio a Cássia (Eller), que também não compunha. Então, quando a Céu pintou, em 2005, com o disco CéU, ele foi, pra mim, um divisor de águas. Porque ele realmente convidou meninas a começarem a escrever suas músicas. Eu acho que ela é muito uma pedra fundamental no movimento. Foi um disco muito bem produzido, tem um timbre lindo de voz.

Eu fico super honrada de fazer parte desse coletivo de mulheres e estou torcendo pra que surjam outras e novas pirralhas aí botando pra foder, já frutos da nova geração. Porque antes, você tinha Dolores Duran, Marina Lima, Rita Lee, Adriana Calcanhotto, pouquíssimas compositoras do próprio trabalho – a Marisa, por exemplo, começou a compor depois do terceiro ou quarto disco, ela demorou muito. Tinha esse tabu de que mulher não escrevia. A gente viu isso mudar de 15 anos pra cá. E eu acho muito importante. É empoderamento verdadeiro que reflete também a nossa geração – os valores mudaram, geração Internet e tal. Eu sou admiradora de todas, amiga de todas, já dividi palco com todas e fico feliz.

Talvez tenha sido a coisa mais expressiva que aconteceu dos últimos dez, quinze anos na música: essa geração de mulheres e o rap. Emicida, Criolo… “Filhos” do Mano Brown, que também foi uma coisa muito relevante artisticamente. Respeito o sertanejo, respeito Anitta, ter uma cantora travesti como a Pabllo (Vittar) no mainstream é muito legal, mas artisticamente falando, acho que a contribuição das mulheres cantoras no Brasil foi muito expressiva. É uma coisa que vai ficar pro tempo.

E elas não só cantam como também abordam o cotidiano delas nas músicas, como o machismo e o feminismo.

Sim, e todas têm sua importância. Acho que o que vale é essa soma.

E todas são plurais, né?

É. Eu bebo mais do soul, do blues, do rock ‘n’ roll… aí outra bebe mais do samba, da MPB… cada uma está num lugar, mas eu acho que a soma é que é legal, você ter uma cena. Isso no governo Lula era muito massa. Também por causa desse governo que surgiu essa cena, que fomentou essa possibilidade. Ele privilegiou mulheres, tinha Prouni, Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, ele botou oito milhões de pessoas na universidade – tudo isso faz com que as pessoas consumam cultura de outra forma. Tá tudo conectado, sabe.  Depois do impeachment da Dilma, desapareceu. Não tem casas, pessoas que faziam dez shows por mês agora fazem um ou dois. O mercado tá destruído. Nós estamos hoje aqui num ato de resistência. Tá muito difícil rodar outros estados por causa da falta de incentivo. A gente tá vendo esse retrocesso abissal.

Fotos: Raphael Carrozo

Agora eu quero falar sobre sua atuação política. Você tem sido muito militante a favor da democracia, contra a prisão do Lula e essa coisa toda. Como você entrou nisso e por quê?

Isso aí vem de criança. Eu tinha um pensamento político já quando era pequena, porque estudei numa escola que não tinha artes, aí eu comecei a fazer todo um movimento de teatro na escola, que ficou grande – ela derrubou a feira de ciências pra fazer um festival de teatro. Então política, pra mim, tá em tudo. O amor é político, comer é político, o que você veste, o que você pensa, o que você fala. Eu acredito muito no que a Nina Simone fala: “Não posso ser uma artista e não refletir o meu tempo”.

Acho que enquanto a gente teve o governo do Lula e da Dilma, tava tudo massa: cultura, várias pessoas sendo prestigiadas nos lugares certos… E quando aconteceu o golpe – tiraram a Dilma de uma forma totalmente injusta e mafiosa – , e agora a prisão política do Lula, eu resolvi apoiar o que… eu sempre fui de esquerda, eu sempre acreditei nos valores humanistas… Isso não é uma cobrança com nenhum outro artista, cada um faz o seu rolê, mas pra mim, no dia em que eu me vi ao lado do Lula e saquei a viagem dele – eu acho que o PT errou, errou muito, mas a gente não pode desmerecer todos os avanços que o governo dele trouxe, sabe, e entender o que tá acontecendo no país agora em relação ao fascismo, às ideias muito retrógradas, e, pra mim, é minha obrigação combater o machismo, o racismo, a homofobia, o militarismo…

O Estado pra mim tem que ser laico e promover as minorias. As pessoas me perguntam muito qual esse “por quê”, e eu vi o Gilberto Gil falando recentemente que as razões pelas quais ele apoia o Lula são insondáveis. Eu reproduzo essa fala. É uma coisa de coração. Quando eu vejo o cara no meio do povo e a luz que ele tem, é tipo um avatar do que deve ser, sabe. E acho que o PT tem uma chance de reconstruir a história dele nesse momento porque – são válidas as críticas, toda a lambança que ele fez também. As pessoas estão presas por causa do Mensalão, mas só o PT foi crucificado. O PSDB, o PMDB, os partidos de direita tão livres, leves e soltos, se recandidatando, Aécio Solto… É muito escabroso isso, né.

E como é que tem sido tocar em escolas públicas, ocupações, nos festivais Lula Livre…?

Sim, no MTST… Pra mim, são experiências antropológicas, sociológicas, são consequentes ao meu posicionamento. Eles vieram depois. E eu também tomei uma decisão interna de ir nos rolês, sair da minha bolhinha de vida/música e olhar pra outras realidades. Então foi muito transformador, fiz amizade com as lideranças dos movimentos e pude entender o que é o Brasil. Viajei o interior fazendo show, vi a realidade do povo que tá em assentamento, em acampamento, nas ocupações, e é uma realidade que eu tenho plena certeza que a gente precisa olhar pra ela, porque, como diz a Carmen Silva, liderança do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), se você paga aluguel, você é uma sem-teto. No dia que você não puder mais pagar, vai morar aonde? Vai morar numa ocupação.

E é um rolê onde tem tanta generosidade, tanta fraternidade, que pra mim tão ligados a uma espiritualidade que eu tenho que não tem nem a ver com religião, é uma coisa fraterna do cosmos, do universo – que nós somos irmãos no sentido do amor, sabe. Então é onde eu encontro mais amor, onde as pessoas olham para o lado. Faz muito sentido pra mim estar envolvida com isso. Eu só aprendo com eles.

Mas infelizmente, a gente está vivendo numa época de muito ódio, e você já falou que já sofreu ameaças. Você tem medo?

Não tenho medo. Eu até pensei: “Se um “bolsominion” vier me dar um teco?” o que eu vou fazer? Eu prefiro morrer lutando do que viver sem ter feito nada. Isso é o resultado da força que tem quando uma voz se posiciona. Eu acho que isso é uma coisa positiva no sentido de que tá tendo efeito o trabalho que eu tenho feito.

Como tem poucos artistas se posicionando, acredito que eu acabei ficando mais conhecida por estar fazendo esse rolê, e as ameaças vão existir como sempre existiram, né. Eles querem calar uma voz ou as vozes que defendem os direitos e a democracia real, que eu acredito. Então eu tô consciente dessas ameaças e tô tranquila, tô em paz com a minha consciência. Tô fazendo a coisa certa e pra mim essa reação é um levante contrário. Não tenho medo, não. Morrer nós já morremos várias vezes, mas as pessoas não sabem. São várias vidas.

Fotos: Raphael Carrozo

Você publica muito no Instagram. Conta várias histórias sobre sua vida, e você relatou que já sofreu assédio, bullying, distúrbio alimentar, etc. Por que você decidiu expô-las?

Porque eu acho que todo mundo passa por isso. Quando eu comecei a expor essas coisas, eu senti um feedback tão grande dos seres humanos que também passaram por isso que só me incentivou a ser real. Porque o artista, ele tem uma viagem de “não posso isso”, “preciso passar tal imagem”… Eu desarmei, cara. Nesses rolês todos que eu fiz – cê vai cantar no interior do Rio Grande do Norte, em Ceará-Mirim, as pessoas plantam o que comem, vivem numa lona e educam seus filhos -, você ressignifica sua vida a partir disso e, pra mim, comecei a tomar contato com uma realidade tão bonita – porém, de muita miséria -, de tanta decência e caráter que me fez ressignificar todo o meu papel como ser humano. Isso vai além da arte.

Eu sinto um feedback tão positivo das pessoas que se identificam que eu sinto que esse é o caminho certo: a gente se unir. Porque todo ser humano já sofreu. Eu não conheço ninguém – pode ser rico, milionário, pobre, miserável, o que for – , que não tenha sofrido. Então eu acho que isso é uma coisa que soma. Quando eu faço esses textos, as pessoas contam as histórias delas nos comentários, tipo “eu também passei por isso”, “aconteceu isso comigo”. Então existe uma vontade das pessoas falarem sobre isso.

E eu acho que a gente tem que quebrar esse tabu do silêncio, principalmente com relação a assédio, ao estupro, a essas coisas todas, e também às violências que a gente sofre – bullying é violência, machismo é violência. Então, é uma forma de lutar expor a tua real. Eu acho que o planeta já virou essa chave. Essa molecada que tá vindo agora já tem outro chip. Tem muitas bolhas de novos pensamentos, nova era, novas ideias. A gente tá no olho do furacão da mudança. Só não vê quem não quer. Eu sou muito ligada com a espiritualidade, sem estar ligada a religião nenhuma.

É, eu vi que você gosta de todas as religiões, mas que se identifica com o espiritismo.

É, porque todas falam a mesma coisa. Me identifico com o budismo, com o taoismo… Cê vai conversar num centro de umbanda do Pai Joaquim, ele vai falar a mesma coisa que o Allan Kardec, mesma coisa que Cristo – Ele é o cara mais injustiçado da história. Era um puta revolucionário louco, deu a vida dele pelo que acreditava, combateu o sistema – ele andava com deficientes, prostitutas, leprosos… Ele só andava com a escória da época, e foi crucificado por isso. Um cara fodido, muito da luz, da fraternidade, da igualdade e que teve muitas palavras distorcidas. Um cara incrível, como Buda, Moisés, Lao-Tsé, Confúcio, Aristóteles, Sócrates. “Amar aos outros como a si mesmo”? Foi Buda que falou isso 600 anos antes. São avatares que vêm para levar pra frente.

Pra você, o que é estar na vida?

Eu acho que esse nome do disco foi uma premonição do que ia acontecer com a minha vida, de sair de casa e viver na rua, dar rolê nas praças, conhecer os lugares. Tipo, já era uma vontade que eu tinha de ir na av. Paulista à noite, botar um monte de lanche na mochila e distribuir pra galera que mora na rua. Tem filósofo morando na rua, professor. Já tava nesse fluxo de querer esse contato com a real. Hoje eu fui num restaurante que um maluco me deu um jornal feito por moradores de rua…

O Boca de Rua.

É, isso é incrível! Mas as pessoas têm medo disso, e na verdade isso tem uma puta poesia. É uma troca tão enriquecedora, mas o sistema inventa pras pessoas, elas acham que o cara vai assaltar, mas o que de valor a gente carrega, um IPhone? O que é de valor tá dentro, é a alma. Eu sou conhecimento, sabedoria, não é nada material. Tou desapegada, há anos que não compro roupa – Postei uma foto do meu armário e ninguém acreditou porque tem, sei lá, dez peças de roupa. E eu vivo nessa viagem de desapegar, mesmo, da matéria.

Claro, estamos encarnados, estamos na matéria, mas o que vale mesmo é a troca de ideia, é afinidade, é vibe. Então esse nome, “tô na vida”, pra mim foi uma premonição do que eu tava querendo já, de sair pra comunicar, sabe. Porque, na real, somos todos iguais. O sistema faz a lavagem cerebral pra você acreditar em classes, em dinheiro, em conta no banco. Pagar conta, tudo bem, mas a real da vida não é isso. É ser jornalista, cantora, fotógrafo. É essa troca, esse sexo espiritual de coisas que a gente é na essência.

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Editora, nordestina, nômade e entusiasta de produções autorais. Gosta de escrever sobre música e qualquer coisa que seja cultura.
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