Em o Véio Máximo, vivenciamos o saudosismo, mesmo sabendo que o mundo mudou

Quando falamos de música, o que caracteriza uma cena local? Várias bandas que compartilham os mesmos ideais? Que tocam com influências semelhantes? Pode até ser, mas também só isso não basta: grandes movimentos culturais refletem o seu momento, são influenciados e e influenciam o tempo em que vivem. É aquela ideia do “espírito da época”, mas só escrever esse termo aqui pode soar muito pretensioso, porque, enfim, não é algo lá tão simples. 

Escrevo tudo isso para falar sobre a Festa Véio Máximo, que aconteceu no dia 14 de setembro, no Oculto, organizada pela produtora Marquise 51. E acho que ela vem em um momento muito interessante de se pensar sobre saudosismos. Não tenho como fugir do formato mais pessoal, pois sou da geração que acompanhou essa cena dos anos 2000 em Porto Alegre. Eu ainda era jovem, recém entrando na Faculdade em 2007. A minha grande referência dessa época de shows explosivos e cheio de juventude ardente interna e externa, como todos os bons jovens devem ter, era a banda Superguidis, que, aliás, com um acertado trocadilho, dá nome a festa com uma de suas músicas – a nova geração agora já “véia”. Encarei, então, com empolgação e mandei para os amigos que me acompanhavam naqueles shows. Da mesma época, tinham várias bandas como Cartolas, Identidade, Stratopumas, etc. 

Quando cheguei ao Oculto, a discotecagem já rolava, não estava lotado e nunca esteve perto de lotar, mas também não estava vazio e não esteve perto de esvaziar. Eram pessoas que provavelmente eu já tinha encontrado ou esbarrado em festas na época dos anos 2000, e vai saber, de repente, até podemos ter trocados algumas palavras. A banda Playmobil tocou vários hits das músicas de bandas daquele período, e sim, era uma época em que existiam muito mais bandas locais de rock (é um termo tão genérico, eu sei, mas eram bandas de rock indie – outro termo genérico – e que não era necessariamente “rock gaúcho”. Aliás, talvez bandas que fizeram muito sucesso depois tenham se tornado “rock gaúcho” para catalogar-se em um gênero e ficarem mais acessíveis, como a Cachorro Grande, que gravou o Acústico Rock Gaúcho, da MTV). Mas o que eu quero dizer é que basicamente essas bandas dos anos 2000 pareciam bandas feitas por amigos que deram mais ou menos certo e que saíam fazendo shows, reuniam outros amigos, que chamavam outros amigos e que gostavam do som e então se espalhava, mais no boca a boca. Havia também mais locais de shows me parece, e é bom lembrar que eram tempos de ascensão econômica em âmbito nacional, logo, talvez fosse mais fácil adquirir instrumentos musicais, ir a shows, ou bancar preços mais populares. 

Importante recordar também que ainda não era comum se informar pelas redes sociais como é hoje, principalmente em relação a eventos, onde se descobre basicamente tudo. A popularização do Facebook, algo que por aqui só foi acontecer por 2010 ou 2011 (pode ser?) foi um dos fatores que ajudou a alavancar, por exemplo, manifestações de ruas políticas ou não, lembrando que era uma época pré-2013. Mas, é claro, que as redes sociais já eram marca do brasileiro, com o Orkut e suas comunidades, Last fm, Myspace, e as bandas locais pegavam carona certamente nesse momento. A gravadora Trama Virtual fez um trabalho essencial nessa época, trazendo a nível nacional vários conjuntos que surgiam no Brasil. A Superguidis talvez fosse o maior expoente nesse sentido aqui pelo Rio Grande do Sul e que alcançou certos níveis nacionais, aparecendo com destaque em revistas e listas. 

Pensamentos que retornaram após ver o show da Playmobil cantando vários “clássicos” das bandas da época, e convidando ex-integrantes para tocarem junto. Entre as participações rolou as de Beto Stone (Os Efervescentes), Cristiano Todt (Cartolas), Thiago Peduzzi e Paulo Germano (ambos da Stratopumas) e Andrio Maquenzi (Superguidis). Era um público nostálgico e animado, é claro que não tão animado quanto naquela época. Mas ficou essa sensação de algo incompreensível  me incomodando a noite inteira e depois seguiu me acompanhando até tentar escrever esse texto. O que foi esse momento de pouco mais de dez anos atrás e por que não permaneceu, ou não repercutiu mais? É possível, então definir o que foi aquele pequeno fenômeno?

Em uma tentativa mirabolante e quase ingênua, eu vou brincar de responder aquela pergunta sobre o espírito da época, partindo da ideia de que foi um movimento que entendeu precocemente que estamos ficando velhos mais cedo, e que é preciso aproveitar a juventude de uma forma arraigada, descompromissada, entre os amigos. Era uma “cena” que não tinha a preocupação de refletir sobre um momento político que estava prestes a entrar em um turbilhão, com mudanças profundas que aconteceriam nos próximos anos. Foi um pouco antes de as problematizações necessárias e as discussões sobre gênero adentrassem o âmbito cultural de uma forma mais ampla (lembrando que elas sempre existiram, me refiro aqui a chegada de uma dominância maior nos temas e escolhas estéticas). Com isso, também, era uma nova retomada de uma brasilidade e latinidade maior aqui nas bandas do sul. Essas bandas do início do ano 2000 ainda eram muito motivadas pelo rock feito entre bandas de amigos influenciado pelo revival do rock indie pós-Strokes, em 2001. Medo de cair em teses falsas ou pouco suportadas aqui, e não estou vendo com maus olhos: só  tentando localizar em um espaço tempo uma pequena cena no sul de um País tão complexo como o Brasil. 

Reviver algo que aconteceu há pouco tempo é jogar muito com essa admiração pelo passado que parece que nos domina, uma espécie de coqueluche que o gaúcho sofre demasiadamente. É com sentimentos conflituosos que observei então aquele show no Oculto, tal qual uma foto tirada há pouco tempo, como se ainda estivéssemos parecidos fisicamente, mas com tanta tanta tanta coisa diferente ao nosso redor. 

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.
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