Público e profissionais do cinema se manifestam contra a terceirização da Cinemateca Capitólio

Como adiantou o Nonada em junho de 2019, a terceirização dos equipamentos culturais municipais avança a passos largos. Na época, publicamos com exclusividade que a prefeitura vinha realizando reuniões internas com os servidores da Cinemateca Capitólio sobre o tema, mas evitava publicar nos meios oficiais qualquer informação. Poucas semanas depois da publicação da reportagem, foi lançado sem qualquer debate público o edital para a terceirização do Centro Multimeios Restinga, cujo vencedor foi o Instituto Acessibilizar, o que indica que o processo vinha sendo realizado sem transparência. O lançamento do edital foi avisado à imprensa um dia últil antes de o processo iniciar.

Mesmo após realização de audiência pública em que todas manifestações (excluindo as falas dos integrantes da prefeitura) foram contrárias à entrega da Cinemateca para as Organizações Sociais, a prefeitura segue com o objetivo de lançar o edital em fevereiro. Cabe lembrar que, pelo modelo, a organização vencedora vai gerir o equipamento com dinheiro público, processo que é criticado no país por episódios de falta de transparência e irregularidades nas prestações de contas. Saiba mais sobre o modelo nesta entrevista.

Entidades representativas de profissionais da área e os frequentadores da cinemateca tem se manifestado contra o projeto. Publicamos a seguir algumas manifestações, incluindo os depoimentos do público, enviados à Associação dos Amigos da Cinemateca Capitólio:

Associação Brasileira de Preservação Audiovisual

“A opção pelo modelo de gestão através de Organizações Sociais sempre se mostrou equivocado no campo de Cultura e da Preservação de Patrimônios, um dever inalienável do Estado, e claramente fere as necessidades básicas dos arquivos audiovisuais. Apesar de ser um projeto propagado como uma forma de dar mais autonomia e agilidade administrativa, as turbulências políticas e a clara opção desse atual governo em sufocar todo e qualquer órgão vinculado à cultura deixa claro como tais contratos são instáveis e possuem clara intervenção nas diretrizes educativas e culturais de suas atividades. Tal forma não confere autonomia, mas dependência de contratos de fácil rompimento, além de ignorar os profissionais da área e um debate mais amplo com a comunidade cinematográfica.”

Associaçao de Críticos de Cinema do RS

“As dificuldades financeiras que afetam equipamentos culturais e a própria produção artística do país inteiro têm sido dribladas, na Capitólio, graças a um trabalho competente que alia a guarda da memória audiovisual com a programação de filmes importantes, das mais variadas épocas e procedências, alguns deles raros e até mesmo inéditos nas salas da cidade, do Estado e do país.

Os projetos implementados incluem iniciativas de formação de plateias, festivais, mostras, cursos e encontros nos quais são debatidas questões prementes da nossa sociedade.

É por isso que a Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS) se mostra preocupada com o processo de transferência da gestão da cinemateca para uma Organização Social (OS), ou “contratualização”, processo este que tem sido levado a cabo pela prefeitura da capital gaúcha nos últimos meses.

Lembramos que iniciativas semelhantes têm dado resultados negativos do ponto de vista financeiro (como ocorreu com o Museu de Arte do Rio de Janeiro, o MAR) ou de programação (como ocorreu com a Cinemateca Brasileira), o que, caso se repita com a Capitólio, trará consequências desastrosas para a nossa cultura.”

Bruno de Oliveira, cineasta e frequentador da Cinemateca Capitólio

“A Cinemateca Capitólio é um dos lugares mais especiais de Porto Alegre.

A experiência de sair de casa para assistir a um filme do início ao fim em uma sala de cinema é transformadora e creio que uma parcela significativa da cidade concorda. Mas quais filmes estão sendo exibidos em Porto Alegre? A maioria dos espaços que oferece esse momento adere a uma lógica de mercado fortemente baseada em lançamentos americanos e uma requintada bomboniére que vende desde Balas Fini até Stella Artois gelada. O ingresso e o acompanhamento representam um valor monetário significativo quando estamos falando de um passeio a fins de “entretenimento”. Mas para os que mantém dentro de si um fogo mais vivo pelo cinema, a Cinemateca Capitólio foge um pouco dessa lógica e propõe um outro tipo de relação com os filmes.

De “Esqueceram De Mim” ao cinema independente portoalegrense (categoria que me incluo), a Cinemateca Capitólio coloca semanalmente uma programação rica e diversa a um preço justo e dá chance a muitos filmes encontrarem seu público. Alguns desses filmes não conseguem espaço no circuito comercial tradicional por um zilhão de motivos, a maioria deles relacionados a um cambaleante sistema de distribuição nacional que espero, em breve, poder contribuir para se fortalecer.

É essencial que os órgãos governamentais deem um passo pra trás e tentem entender qual é a real situação do mercado de cinema no brasil antes de tomar precipitadas providências. Como o cinema ajuda a moldar a identidade cultural de uma sociedade? Por que uma parcela grande dessa mesma sociedade rejeita o produto nacional e abraça o estrangeiro? São os temas? Linguagem? Marketing?

Eu não tenho essas respostas, mas provavelmente eu e a comunidade frequentadora da Cinemateca Capitólio temos coisas relevantes para dizer a respeito disso antes do novo projeto de gestão da cinemateca ser aprovado.

Então, escutem quem vai, quem paga, quem vê, quem preserva, quem ama o cinema.”

Jana castoldi, artista visual

“Ao longo dos primeiros 18 anos que vivi em Poa fiquei sonhando ver como seria o Capitólio aberto. Um cinema de arquitetura linda, cinema de rua … uma obra que nunca terminava.

Mas então a obra ficou pronta, pudemos enfim conhecer e usufruir de seu interior, e o que passou a acontecer foi ainda melhor: ver a população aproveitando, pelos preços acessíveis e facilidade de acesso, inclusive aos ônibus na saída dos filmes.

É maravilhoso participar dos festivais de cinema, debates culturais, sessões inusitadas de filme surpresa na madrugada e toda sorte de atividades que fazem esse lugar ser mágico e ao mesmo tempo tão próximo de todos nós.

Quero o Capitólio público, exatamente como está, com a continuidade do importante trabalho de conservação da memória cinematográfica gaúcha. Quero usufruir de todos equipamentos adquiridos com nosso dinheiro público. Sim, nós pagamos por cada lata de tinta, cada assento, o projetor, a tela. Ele é nosso!”

 

 

 

 

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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