Coronavírus: Profissionais da cultura pedem fundo de amparo ao poder público

Thaís Seganfredo
Foto de capa: Amanda Selva/Neelic

A paralisação das atividades culturais em todo o Brasil vem preocupando os artistas e demais trabalhadores da área da cultura. A estimativa é que o setor da indústria criativa, que emprega 1,9 milhão de pessoas segundo levantamento do Departamento de Economia e Estatística do RS (com dados do IBGE) sofra com impactos sem precedentes devido às consequências do coronavírus Covid-19 na economia do país.

A categoria, cuja remuneração em geral depende diretamente do público pagante ou de verba proveniente de editais, se mobiliza com a finalidade de sensibilizar o poder público para a criação de um fundo de amparo a todos os trabalhadores da área, uma vez que há previsão de paralisação de até 3 meses na área.

Nesta segunda-feira (16), a Associação dos Produtores de Teatro (ATPR) divulgou uma lista com 10 medidas para enfrentar a crise. As ideias passam pela criação de um gabinete de crise da cultura, a desoneração dos impostos para os espaços culturais por um período determinado e a liberação de R$ 300 milhões do Fundo Nacional de Cultura.

Uma das principais preocupações é relativa aos profissionais que não são empregados e dependem de oficinas, arte de rua, produções independentes ou de trabalhos como freelancers – caso de técnicos que atuam nas produções de shows e espetáculos, por exemplo.  Segundo Tarson Núñez, pesquisador da Divisão de Pesquisa Econômica Aplicada da Secretaria do Planejamento do RS, não há dados sobre o número de artistas na informalidade, “mas certamente o impacto vai ser devastador sobre a área cultural. Milhares de shows serão cancelados, cinemas fechados, apresentações adiadas. Prejuízos já sendo contabilizados. O drama é incalculável, sobretudo em função da grande informalidade das relações de trabalho neste setor.”

Em Porto Alegre, o diretor do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões (Sated/RS), Fabio Cunha, informa que os artistas estão mobilizados com o objetivo de sensibilizar o legislativo municipal e estadual para a criação de um fundo que ampare os trabalhadores, em especial aqueles que não têm CNPJ e atuam como autônomos na área. Ele ressalta que seria fundamental que os artistas recebessem apoios semelhantes aos já anunciados por países como França e Alemanha nesta segunda-feira. Entre as medidas, estão abono de contas de luz, água e outros impostos, além de uma verba para subsistência durante o período de quarentena, medida também elogiada por Núñez.

“Nós estamos tentando lutar para que se crie um fundo de amparo ao trabalhador da cultura, para CPF, seja o dono da produtora, o produtor pequeno ou o freelancer, para ele poder acessar algum tipo de verba por 3 meses e poder se manter”. Um banco de alimentos também está sendo estudado como parte da mobilização, uma espécie de “bolsa-artista”, relata Fabio.

É o que defende a diretora e fundadora do grupo de teatro Neelic, Desirée Pessoa. “O ideal evidentemente seria que todos os artistas que são autônomos ou empresários ou microempresários, que dependem de dinheiro de clientes pudessem receber uma verba de governo em momentos como esse. Porque se a gente não pode trabalhar não tem como receber”, destaca.

O diretor do Sated/RS relata que a ideia do fundo já está sendo articulada em nível nacional, com diversos grupos e apoiadores da área jurídica, a fim de avaliar os entraves burocráticos que as medidas demandariam, na medida em que requerem urgência.

“LIC e FAC não são suficientes”

Farra de teatro na Usina do Gasômetro, evento independente de artistas (Foto: Foto: Joel Vargas/PMPA)

Artistas ouvidos pela reportagem afirmam que as medidas anunciadas recentemente pela Secretaria Estadual da Cultura ao portal do jornalista Roger Lerina, de adiantamento de verbas provenientes da Lei de Incentivo à Cultura (LIC) e dos editais do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) não são eficientes para conter a crise no estado, que emprega 130 mil pessoas no setor, fora os profissionais autônomos.

Para Fabio Cunha, a verba liberada para esses projetos só seria executada após o período de quarentena, o que não contemplaria os profissionais que são contratados temporariamente, que respondem pela maioria dos trabalhadores de grandes eventos como espetáculos e viradas culturais.  “O que adianta adiantar essas verbas se eles não vão poder executar seus projetos? O dinheiro vai ficar na conta da produtora e a produtora vai aplicar esse dinheiro e só vai executar lá adiante quando puder todo mundo fazer o show”, afirma.

Além da necessidade de fundo de amparo direto, que a diretora Desirée Pessoa lamenta ser “utópico dentro do quadro das atuais gestões”, medidas de conscientização também poderiam ser adotadas, com o objetivo de que a sociedade se sensibilize com a situação dos artistas. Uma campanha para que as pessoas matriculadas em oficinas e cursos mantenham as mensalidades, já que o recurso já estaria previsto nos orçamentos pessoais, poderia ser uma dessas ações, defende. A divulgação de artistas locais e espaços culturais menos conhecidos também é necessária, segundo a artista. “[Poderiam] criar um ou dois eventos no segundo semestre, envolvendo todos os artistas e produtores, não só os vencedores de editais, e pagando cachê”, sugere Desirée.

Crise atinge profissionais autônomos

Artistas saíram em cortejo na abertura de festival (Foto: Natasha Jerusalinsky)

A quarentena necessária para conter o vírus deve atingir em cheio os profissionais autônomos de todas as áreas. Na cultura, além da ausência de um banco de dados de artistas informais, “sobretudo porque as estatísticas disponíveis se relacionam sempre com os contratos formais de trabalho”, como explica Nunez, é difícil também calcular precisamente o impacto financeiro da paralisação. “Mas o bom senso indica que o prejuízo vai ser enorme. Artistas não tem remuneração fixa e dependem de suas apresentações. Quando ocorre um fenômeno como o atual, isso se torna inviável”, alerta o pesquisador.

Com base no estudo realizado pela Secretaria de Planejamento do RS, ele observa que alguns indicadores podem estimar o alto número de artistas que dependem de contratos informais de trabalho no RS, situação que se repete em todo o Brasil: “Nas artes visuais e performáticas, por exemplo (música, teatro, dança) haviam, em 2017, 5.490 pessoas empregadas. No Censo de 2010, sete anos atrás, tinha mais de 12 mil pessoas cuja ocupação era a música (cantores e compositores). Ou seja, naquele momento já havia muito mais músicos, cuja relação de trabalho não é de emprego formal. Outra coisa que dá ideia da informalidade no setor cultural é o número de MEI (Micro Empreendedores Individuais), que é uma forma de contornar a informalidade. Neste mesmo ano de 2017, onde identificamos 5.490 pessoas nas artes visuais e performáticas, havia 9.786 pessoas com MEI nesta mesma área”, aponta.

Para Fabio Cunha, “precisamos sair da lógica tecnocrata. [A indústria cultural] tem uma cadeia e temos que começar olhando de baixo, para o trabalhador. Tem uma resistência muito grande dessa área tecnocrata da cultura, que diz que tem que ser pelo CNPJ. Como ficam os trabalhadores contratados só quando o projeto é executado? Aquela pessoa que toca no barzinho toda sexta-feira, como fica?”, questiona.

Em nota oficial, a Secretaria Especial de Cultura do governo federal afirmou que “aguarda o desenrolar dos acontecimentos para que novas medidas sejam implementadas, mantendo sempre aberto o canal de diálogo com o Setor.” A Secretaria de Cultura do Estado enviou ao Nonada a seguinte nota no final da tarde: “A Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) está estudando e implementando medidas para minimizar o impacto da pandemia de coronavírus nos projetos culturais contemplados pela Lei de Incentivo à Cultura (LIC) e Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Nesta quarta-feira, será publicada no Diário Oficial do Estado uma resolução suspendendo por 60 dias os prazos de execução informados nos projetos, contratos, convênios e termos de compromisso cultural. A resolução também autoriza, se for de interesse do proponente, o pagamento das despesas e a execução de ações previamente aprovadas. Além desta resolução, a Sedac está avaliando outras oportunidades de fomentar a economia da cultura neste período, como, por exemplo, a alteração da pauta de editais do Pró-Cultura prevista para este ano.” A reportagem procurou as secretarias de cultura de Porto Alegre para saber que medidas estão sendo estudadas para minimizar os impactos na área, mas ainda não obteve respostas.

10 medidas para conter a crise, segundo a ATPR

1. Formação de um Gabinete de Crise da Cultura, com produtores, gestores, artistas e profissionais do setor.

2.Desenvolvimento de uma campanha de sensibilização, informando que a cultura está fazendo a sua parte no combate ao Coronavírus.

3.Suspensão da cobrança ou maior prazo para o pagamento de contas e taxas (como a de fornecimento de água). Bem como, negociação com concessionárias de luz – intermediada pelas autoridades públicas – através de descontos, diminuição ou parcelamento das contas para os espaços culturais.

4.Proposta de desoneração dos impostos para os espaços culturais por um período determinado, até que as atividades possam ser retomadas em sua efetividade. Adiamento, parcelamentos e maiores prazos para o pagamento de impostos das empresas de produção cultural.

5.Proposta de uma Linha de Crédito a juros 0 com os Bancos Federais: BB, CEF e BNDES para atender demandas e necessidades urgentes, diminuindo momentaneamente os prejuízos causados com os cancelamentos.

6.Proposição de Emendas Parlamentares para o setor cultural e reforço do diálogo com as Comissões de Cultura (Municipal, Estadual e Federal).

7.Diálogo com as Leis de Incentivo à Cultura sobre o prazo de captação, execução, prestação de contas e comprovação de contrapartidas dos projetos incentivados que tiveram suas temporadas interrompidas.

8.Proposição, junto ao Governo do Estado do Rio, para o lançamento de um edital emergencial de fomento, através do Fundo Estadual de Cultura. A mesma medida poderá ser aplicada a outros estados e municípios que tenham esse mecanismo dentro de seus sistemas de cultura.

9.Negociação de uma campanha de incentivo à ida ao teatro, assim como, organização de promoção de ingressos a preços populares, para o retorno das temporadas.

10.Descontingenciamento dos atuais mais de 300 milhões do FNC. Assegurar os 3% das loterias (MP das Loteria), para o fomento imediato da cadeia produtiva do setor cultural. Transformação da natureza do Fundo em contábil e financeira. Garantir os recursos dos Fundos de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual, uma vez que, a PEC 187/2019 extingue todos os fundos.

 

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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