Thaís Seganfredo
Foto: equipe do Arte Suburbana (Jordão Farias/divulgação)
Quem tem direito à cultura? Embora o Artigo 27° da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleça que todas as pessoas deveriam ter condições de acessar produções culturais de forma universal e gratuita, em países como o Brasil fatores históricos como a desigualdade social e o racismo impedem que esse direito se concretize de forma substancial.
É nesse contexto que a arte dita periférica se insere, ao facilitar a democratização de produções culturais a comunidades mais afastadas – embora o reconhecimento dos protagonistas dessas produções – os artistas e fazedores de cultura – ainda careça de incentivo público para se desenvolver com maior estrutura.
No Rio Grande do Sul, a situação não é muito diferente do resto do Brasil: sabemos que existem ambientes de riqueza cultural, mas não visualizamos equipamentos culturais ou produções voltadas a valorizar e remunerar artistas periféricos, sejam eles direcionados a expressões da cultura popular ou não. O Nonada ouviu agentes culturais e artistas das periferias de Porto Alegre e região metropolitana para pensar essas questões.
Realizando um levantamento dos espaços periféricos de cultura já abordados pelo Nonada, como o Conceito Arte, a biblioteca Visão Periférica e biblioteca da ilha dos Marinheiros, além de festivais como o Elipa, percebe-se o predomínio do financiamento próprio ou comunitário dessas iniciativas, uma situação que se repete em Porto Alegre e municípios vizinhos. Para Letícia Fagundes, integrante do Conselho Municipal de Cultura, “só existe cultura na comunidade porque as pessoas da própria comunidade fomentam a arte, correm atrás de vaquinha, pedem ajuda de pessoas do comércio local e buscam equipamentos emprestados”.
A líder comunitária conta que o poder público realiza “pequenas ações”, sem muito apoio estrutural. “O ônibus Palco, que é o equipamento utilizado nas periferias, ficou dois anos estragado. Somente neste ano conseguimos usá-lo num evento do Instituto Renner, onde um agente da prefeitura teve que pagar o Óleo Diesel”, observa. Segundo a conselheira, “diversas são as manifestações artísticas que nascem nas favelas. São estes os lugares que abrigam a maioria dos artistas que moram na cidade, mas a qualidade de vida dos fazedores de Cultura vem piorado todos os dias desde o golpe do Governo Dilma”, avalia. Outro exemplo de falta de estrutura na capital é o Centro Cultural Multimeios Restinga, cuja administração foi terceirizada em 2019 e interrompida em 2020 devido a irregularidades da organização vencedora. Desde então, as atividades no centro cultural não têm previsão de retorno, mas a prefeitura confirmou ao Nonada que estuda o modelo de prestação de serviços e o montante orçamentário a ser repassado para futuras organizações está sendo estudado para dar continuidade à terceirização.
Em Esteio, região metropolitana de Porto Alegre, foi o apoio de uma filantropa e de órgãos do Judiciário que possibilitaram o financiamento de um centro cultural de desenvolvimento e incentivo a arte periférica no município. Desde 2017, a Casa de Cultura Hip Hop de Esteio já recebeu mais de 20 mil pessoas que usufruíram de diversos serviços de fomento e incentivo ao fazer artístico. “Temos oficinas, todas qratuitas, com DJ, grafite, dança, MC e também produção musical. Além disso, temos um estúdio gratuito, que é ofertado por edital a 10 grupos gravarem gratuitamente, além de uma quadra poliesportiva, uma biblioteca, sala de cinema, centro de inclusão digital e atendimento psicológico”, enumera Rafa Rafuagi, fundador da Casa. O espaço já oportunizou shows tanto de artistas iniciantes da cena local como de grandes nomes do rap mundial, como Afrika Bambaataa e Thaíde.
Segundo o rapper, a Casa é um exemplo de como espaços periféricos podem na prática subverter posições na dualidade centro-margem. “A Casa do Hip-Hop meio que obrigou todo mundo, não só de porto Alegre, a vir para conhecer a Casa, ver o evento, ver o artista. Isso mostrou o quanto potencias, quando nascem nos territórios periféricos, têm o poder de fazer essa criação de elo, esse fortalecimento do território”, conta.
Outra iniciativa da região metropolitana é o Arte Suburbana, uma extensão dos eventos de rua que os produtores culturais e artistas Jordana Farias e Jus Fidelis promovem em Cachoeirinha. “O Arte Suburbana surgiu pra valorizar a cultura local, abrir espaço pra população aqui da cidade, levar cultura de uma maneira acessível pra todos os públicos e fazer com que as pessoas se sintam incluídas”, diz Jordana. O projeto consiste em um canal de entrevistas no Youtube, no qual os apresentadores conversam com artistas periféricos de diversas linguagens.
Para Jordana, entre os principais obstáculos enfrentados pelos artistas de periferia, estão a falta de apoio das secretarias de cultura e a falta de acesso da população e de artistas a equipamentos culturais. “Acredito que ainda seja um pouco elitizado o acesso ao teatro e a ocupação de museus”, lamenta. Equipamentos culturais públicos dificilmente contam com editais de seleção pública no RS (algumas exceções são a Casa de Cultura Mario Quintana e o Teatro de Arena). O Theatro São Pedro, um dos espaços mais nobres de arte no estado, tem sua programação escolhida de forma interna.
Nesse sentido, em que medida a apropriação do termo “arte periférica”, direcionado a englobar as diferentes expressões culturais criadas longe dos centros urbanos e intelectuais, é importante na busca de um maior reconhecimento público? “A partir do momento em que se coloca a arte periférica como protagonista, as pessoas se sentem representadas, se sentem parte e sentem que podem acessar com mais facilidade, que podem estar ali se apresentando no palco, podem trazer sua poesia, sua dança”, acredita Jordana.
Para Rafa Rafuagi, não é uma questão de representação ou de criar “caixas”. “O termo fortalece muito para que possamos fazer com que essa periferia se torne a grande potência. Não precisamos olhar o termo periférico de maneira pejorativa ou inferior a outras nomenclaturas que poderíamos dar a arte. Acho que isso fortalece o local de fala, fortalece o local de origem, para que cada vez mais a gente tenha condições de fazer com que a margem se torne o novo centro das construções e das discussões da sociedade brasileira”, defende.
Já Letícia Fagundes avalia a questão levando em conta a carga pejorativa que a branquitude eventualmente atribui a expressão. “Acho que arte de periférica e novo termo pra arte popular. Arte é do mundo. Acho que é mais um preconceito com aquilo que não é chamado de Erudito e branco. É mais uma manifestação racista”, opina.
Racismo que assola
Para além da carga pejorativa que muito atribuem à arte periférica, o racismo está inserido também no arcabouço da distribuição, no fomento e na valorização da arte na sociedade gaúcha. Letícia destaca que “. Todo dia morrem diversos jovens negros dentro da periferia. Nos matam com esta política de drogas fracassada, todo é estado opressor e está sempre trabalhando pra nos matar seja na falta de saúde da população negra, seja a polícia quando entra na favela atirando antes de perguntar, e na falta saneamento básico, falta de água, situação agravada ainda pela Covid-19”. Esse racismo, segundo ela, fica evidente quando o poder público trata as populações negras como invisíveis, o que reflete também no acesso à arte. “[O prefeito] Marchezan Jr. investe em atividades em bairros nobres e na periferia não chega nem o Ônibus Palco. Houve um tempo que tínhamos nos governos populares políticas de Cultura nas escolas com Mais educação e descentralização da Cultura. Crianças que tem contato com arte se mantém nas escola por mais tempo nas escolas, o que diminui a violência.”
Na avaliação de Rafa Rafuagi, “o racismo tem assolado as periferias aqui do estado e de certo modo feito com que artistas potentes acabem não alcançando espaços potentes”. O rapper, que sofreu o primeiro episódio de racismo quando tinha apenas 3 anos, quando a professora da creche lhe disse que a cor escura era feia, explica como essa devastação ocorre no cotidiano das pessoas negras. “O racismo se manifesta de todas as formas. A gente bota o pé na rua, já tem alguma situação. Pega o ônibus, embarca no trem, ta descendo do carro, ta entrando no mercado, ta sendo seguido pelo segurança. O racismo tem infelizmente a força de barrar sonhos por mexer no psicológico das pessoas.”
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Em nota, a assessoria da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre afirmou que “a Secretaria Municipal da Cultura (SMC) está desenvolvendo atividades virtuais que abrangem as coordenações de Dança, Literatura, Música, Memória Cultural, Artes Plásticas, Artes Cênicas e Cinema. As atividades presenciais na regiões descentralizadas estão temporariamente suspensas devido à pandemia do novo coronavirus.
O curso de teatro oferecido pelo projeto Mais Restinga em parceria com a Caixa, está sendo reestruturado para ser realizado virtualmente. Confira no link do projeto Mais Restinga que está sendo reestruturado: https://prefeitura.poa.br/smc/noticias/projeto-mais-restinga-oferecera-profissionalizacao-em-teatro.
O Centro Municipal de Dança da SMC está promovendo o curso on-line gratuito Estratégias Digitais para Dança, de 18 de junho a 2 de julho. A ação é uma parceria com as comunicadoras especialistas em marketing digital Flávia Murr e Mariana Petek, com a colaboração do publicitário Dado Schneider. O curso é destinado a estudantes, bailarinos e profissionais da dança e oferecerá 50 vagas. As aulas serão realizadas nas quintas-feiras, das 8h às 10h, pela plataforma Zoom. As inscrições podem ser feitas até do dia 16 através do link:
bit.ly EstrategiasDigitaisDanca.
Com relação ao edital, desde o começo da pandemia contratualizações como a do Multimeios Restinga estão passando por uma reavaliação para se adequarem a esse novo momento. A forma de execução do contrato e prestação dos serviços, assim como a disponibilidade orçamentária estão sendo reestudadas para que possam atender melhor às necessidades do público atendido no equipamento cultural.”
Confira as entrevistas na íntegra
Jordana Farias
36 anos, professora de música, cantora, compositora e produtora cultural. Começou sua carreira musical no coral da PUC-RS e logo depois cursou licenciatura em música no Ipa e tec. Em instrumento musical no IFRS. Depois de formada começou a lecionar. E na sequência se tornou uma das vocalistas do grupo de black music Subúrbio Black. Como já transitava em meio aos eventos de hip hop e slams entrou como produtora no coletivo Sarau Afro Gueto Urbano e depois criou seu próprio coletivo em parceria com seu esposo Jus Fidelis e apoio de Kenia Fialho.
Meu interesse pela arte é desde a infância, sempre gostei muito de artes plásticas, gostava muito de cantar e depois, na minha adolescência, comecei a em envolver e cursos de teatro, cursos de canto, até que depois acabei fazendo faculdade direcionada à música. Eu acho que a primeira referência que a gente pode ter é da infância, são as músicas que nossos pais ouviam em casa, da black music, Tim Maia, Jorge Ben, Bedeu, Sandra de Sá, Fundo de Quintal, Arlindo Cruz e Sombrinha. Depois da infância vem aquelas referências que a gente vai construindo, na adolescência comecei a conhecer a cultura hip-hop, Lauryn Hill, TLC, que era mais pop, Marvin Gaye, Stevie Wonder.
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Eu acredito que sim, toda arte é política. Ainda mais quando a gente se refere à arte negra, à artes do subúrbio, periférica, porque toda linguagem quer te transmitir alguma pensam, seja através de um grafite, de uma poesia.
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Acredito que a arte periférica não tenha o reconhecimento devido ainda e os principais obstáculos que nós artistas de periferia enfrentamos, com aa falta de apoio das secretarias de cultura. Acredito que ainda seja um pouco elitizado o acesso ao teatro e a ocupação de museus.
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A importância de classificar é que as pessoas se sentirem representadas. A partir do momento que tu coloca a arte periférica como protagonista as pessoas se sentem representadas, se sentem parte daquilo ali e sentem que podem acessar com mais facilidade, que podem estar ali se apresentando no palco, podem trazer sua poesia, sua dança.
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O Arte Suburbuna surgiu pra valorizar a cultura local, abrir espaço pra população aqui da cidade, levar cultura de uma maneira acessível pra todos os públicos, fazer com que as pessoas se sintam incluídas e surgiu também para valorizar os artesãos que participam dos nossos eventos. Sentimos muito que a cultura aqui da nossa cidade ainda é muito empobrecida, sentimos que os artistas daqui não tinham espaço para expor sua arte aqui na cidade.
Letícia Fagundes
Educadora Social, Gestora da Associação de moradores da Cefer 2 – secretária de gestão do Orçamento Participativo (OP) e delegada. Conselheira de Cultura da Região Leste
Falta apoio da Secretaria de Cultura. O ônibus Palco, que é o equipamento utilizado nas periferias, ficou 2 anos estragado. Somente neste ano conseguimos usá-lo num evento do Instituto Renner, onde um agente da prefeitura teve que pagar o Óleo Diesel. A Cultura na periferia é feita com colaboração e vontade dos próprios artistas na periferia. São diversos os movimentos, temos poetas, escritores, artes cênicas, cinema em alguns lugares e o movimento Hip-hop é forte, mas não é só, temos outros movimentos. O Carnaval é um exemplo, as escolas funcionam o ano inteiro, os espaços estão sempre com alguma atividade. Só na Bom Jesus tem duas escolas de Samba de porte grande, nada encontra apoio do poder público nos últimos tempos. O que consegue do governo são pequenas ações. Só existe Cultura na comunidade porque as pessoas da própria comunidade fomentam a arte, correm atrás de vaquinha, pedem ajuda de pessoas do comércio local, buscam equipamentos emprestados.
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O racismo fica evidente quando o poder público nos trata como invisíveis. Marchezan investe em atividades em bairros nobres e na periferia não chega nem o Ônibus Palco. Quando esses invisíveis não tem acesso à Cultura, desencadeia um quadro de Horrores. Sem Cultura não há Saúde nem segurança, a educação é afetada diretamente. Houve um tempo em que tínhamos nos governos populares políticas de Cultura nas escolas com mais educação, com descentralização da Cultura. Crianças que tem contato com arte se mantêm nas escola por mais tempo. Só o fato das crianças estarem fora das ruas já é fator que vai diminuir a violência. Todo dia morrem diversos jovens negros dentro da periferia, meninas são presas levando droga no corpo, e também são vítimas da gravidez na adolescência. Nos matam com esta política de drogas fracassada, o estado é opressor e está sempre trabalhando pra nos matar seja na falta de Saúde da população negra, seja a polícia quando entra na favela, atirando antes de perguntar, e na falta saneamento básico, falta de água. Imagina a situação agravada ainda pela Covid-19. Arte é fundamental para o entendimento do ser humano transformado em cidadão multiplicador de conhecimento e busca de um mundo melhor, um outro mundo mais evoluindo. Arte é o reconhecimento do Povo, capaz de Jogar a luz nesse racismo estrutural empregando as pessoas a lutarem contra.
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Acho que arte de periférica é novo termo pra arte popular. Arte é do mundo. Acho que é mais um preconceito com aquilo que não é chamado de Erudito e branco. É mais uma manifestação racista. Diversas são as manifestações artísticas que nascem nas favelas. São estes os lugares que abrigam a maioria dos artistas que moram na cidade, mas a qualidade de vida dos fazedores de cultura vem piorado todos os dias deste do golpe do Governo Dilma. Quando o buraco obscurantista abriu, criou uma crise em todo sistema de Cultura. Deveria haver investimentos na cadeia produtiva da Cultura dentro das comunidades. Além de gerar renda, dignidade, geraria saúde e diminuiria os grandes investimentos e segurança também. A vontade política faz toda a diferença.
Rafa Rafuagi
Fundador da Associação da Cultura Hip Hop de Esteio e integrante do grupo Rafuagi
A casa é um projeto que nasceu em 2012, porém só foi implementado em 2017, fruto da solidariedade de uma senhora de 80 anos, descendente polonesa, que é a dona Flora, proprietária da casa onde está instalada a casa. Com apoio também do MPT e de outros órgãos, a gente conseguiu fazer a reforma e inaugurar a casa no dia 12 de novembro de 2017. De lá para cá, já passaram mais de 20 mil pessoas na casa. A gente tem diversos serviços que são ofertados, todos eles gratuitamente, como as oficinas 5 elementos, que são oficinas culturais mas também profissionalizantes, com DJ, grafite, dança, MC e também produção musical. Além disso, a gente tem um estúdio que é ofertado por edital a 10 grupos para gravarem gratuitamente. A gente tem uma quadra poliesportiva, uma biblioteca, sala de cinema, centro de inclusão digital, atendimento psicológico. E junto disso a gente tem o programa hip-hop alimentação, que é um programa de segurança alimentar mas também de emancipação e autonomia financeira.
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A arte das periferias aqui do RS é reconhecida por quem reconhece. Eu costumo dizer que não devemos mais esperar reconhecimento de quem não quer reconhecer. Acho que existem muitos caminhos de reconhecimento e cada pessoa tem a sua própria maneira de entender o que é reconhecimento. Tem gente que gostaria de estourar, mas o que é estourar? Eu vejo que a gente tem aberto caminhos através da casa. Os apoios que a casa recebeu foram muito importante porque com certeza projetos que viram poderão ter esse mesmo apoio para de certo modo a gente conseguir constituir uma rede gigantesca do hip-hop aqui.
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Acho que hoje o grande obstáculo é ainda o bairrismo que a gente enfrenta no RS, tendo em vista um estado que ainda defende ferrenhamente o patriarcado, através das gírias, expressões, atitudes, e principalmente pela constituição étnico-racial que prevalece aqui no estado de maioria populacional branca. Então é um estado muito racista. Acho que o racismo tem assolado as periferias aqui e de certo modo feito com que artistas potentes acabem não alcançando espaços potentes, infelizmente por conta de diversos fatores atrelados ao racismo muito específicos do RS.
O racismo se manifesta de todas as formas. A gente bota o pé na rua, já tem alguma situação. Pega o ônibus, embarca no trem, ta descendo do carro, ta entrando no mercado, ta sendo seguido pelo segurança. E eu acho que o racismo tem infelizmente a força de barrar sonhos por mexer no psicológico das pessoas. Eu já sofri diversas situações de racismo, a primeira foi quando eu tinha 3 anos de idade na creche, onde a professora disse que a cor escura era uma cor feia e eu automaticamente me identifiquei como um rapaz feio e tive que fazer todo um trabalho de autoestima dentro de casa. Então acho que da maneira que hoje está acontecendo o racismo, hoje está sendo filmado, está sendo transmitido ao vivo, como foi o caso do George Floyd. Infelizmente agora é que as pessoas estão se dando conta de quão horrível é essa situação e as condições de quem sofre o racismo. E aí é uma convocação, muitos não-negros estão se sensibilizando para entender que não basta a postura de não ser racista, mas muito mais do que isso ser antirracista, antifascista e a gente conseguir, a partir de uma luta unida entre negros e não-negros, alcançar espaços de maior justiça, reconhecimento e desenvolvimento à população preta periférica, temas esses que são centrais na década.
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Eu creio que toda arte é política, agora quem não são políticos são as pessoas – e eu falo político de vida, não no sentido partidário. Eu acho que cada pessoa tem a sua condição, nem todos estão a fim de assumir uma postura mais política, diferentemente de mim. A arte me potencializa muito isso, eu faço um papel de Robin Hood do bem, de buscar oportunidades, de pegar recursos, de pegar condições e distribuir nas periferias de modo igualitário e tentar fazer com que a gente tenha uma elevação simultânea de qualidade de vida e de dignidade em outras periferias. Acho que a arte pode e deve ser cada vez mais política, tendo em vista o contexto que a gente está vivendo e tendo em vista a oportunidade que os artistas têm de dialogar e fazer refletir, fazer pensar, centenas, milhares, milhões de pessoas. Acho que toda oportunidade é válida. Vi uma notícia agora que o Paulo Gustavo cedeu o instagram dele pra Djamila Ribeiro, porque o Instagram dele tem mais de 13 milhões de seguidores. Que mais artistas e atores brancos possam fazer isso, para que a gente possa fazer com que essas pautas, que são de toda a sociedade (não são só da negritude nem só dos indígenas ou LGBT’s) possam ser compreendidas.
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Eu acho que não é questão de representação ou criação de caixas. Quando a gente pensa em arte periférica, na própria periferia, por que periferia? Por que o termo “marginalizado”? É justamente porque não está no centro. Então vem de um outro lugar, e acho também que a gente não precisa olhar o termo “periférico” de maneira pejorativa ou inferior a outras palavras e outras nomenclaturas que poderíamos dar à arte. Acho que isso fortalece o local de fala, fortalece o local de origem, para que cada vez mais a gente tenha condições de fazer com que a margem se torne o novo centro das construções e das discussões da sociedade brasileira.
Este termo “arte periférica” fortalece muito a gente poder fazer com que essa periferia se torne a grande potência. Inclusive para que o centro, que é tido como o grande local da arte, comece a se dar conta que não é bem assim, que também deve ir até as periferias. Isso foi um exemplo da Casa do Hip-Hop – e um exemplo muito pequeno comparado a toda essa complexidade da discussão. Muitas vezes os grandes eventos de Hip-Hop eram em Porto Alegre, e muita gente não pegava nem o trem para vir a Esteio. A Casa do Hip-Hop meio que obrigou todo mundo, não só de Porto Alegre, a vir para conhecer a Casa, ver o evento, ver o artista. Isso mostrou o quanto potências, quando nascem nos territórios periféricos, têm o poder de fazer essa criação de elo, esse fortalecimento do território.