Indígenas somam 120 candidaturas no RS

Thaís Seganfredo
Foto: Douglas Freitas/Deriva Jornalismo

Candidatos por diferentes partidos no espectro político, 120 indígenas das etnias Guarani e Kaingang estão disputando as eleições para o cargo de vereador ou vereadora no ano de 2020 no Rio Grande do Sul. O número representa quase o dobro das eleições de 2016, quando 69 candidatos se declararam indígenas e 8 foram eleitos nos municípios do estado (somando-se ao índice de 173 no Brasil).

A Kaingang Marili Bellini concorre ao cargo em Benjamin Constant do Sul. Estudante universitária, ela apresenta um plano com propostas tanto para as famílias Kaingang quanto para as Guarani no município.  “Como mulher indígena, sabia das dificuldades que iria enfrentar, mas decidi encarar e mostrar que a mulher precisa conquistar espaço junto à sociedade”, contou à reportagem por conversa via aplicativo de mensagens. “Quero ser a primeira mulher que luta pelos direitos de igualdade”, completou.

Rosangela Muller Lenhane, Kaingang, é candidata no município de Redentora e também carrega a bandeira da representatividade das mulheres. “Resolvi me candidatar porque percebo há anos que nós mulheres estamos esquecidas e nunca tivemos uma mulher no legislativo daqui para nos representar e defender os direitos das mulheres indígenas e não indígenas”, destacou. As duas candidatas estão entre as 53 mulheres indígenas concorrendo ao legislativo no estado este ano.

Entre as cidades que mais apresentam candidatos indígenas no Rio Grande do Sul, de acordo com levantamento da reportagem, Redentora se encontra na primeira posição, com 26 candidatos, seguida de São Valério do Sul e Charrua, com 12 e 11 candidatos, respectivamente. Este ano, 2.208 indígenas estão concorrendo ao Legislativo no Brasil todo. O RS é um dos estados com maior número de candidaturas nos municípios, atrás de estados como o Amazonas (497), Mato Grosso do Sul (218) e Roraima (148) e à frente do Pará e Mato Grosso, por exemplo.

Para a servidora do TRE-RS Flavia Falcão, além do alto número de municípios no estado (são 497 ao todo), fatores culturais ajudam a explicar o número significativo de candidaturas principalmente dos Kaingang nas cidades gaúchas. “Os Kaingang apresentaram uma capacidade de adaptação e estabelecimento de diálogos interculturais excepcional, apesar de sempre muito aguerridos”, diz. Em cidades como Redentora e Tenente Portela, essa representatividade se intensifica, uma vez que ambas as etnias representam 88% e 19,6% do eleitorado destes municípios, respectivamente.

Flávia, que é mestre em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, apresentou em sua dissertação um estudo sobre os direitos políticos dos povos indígenas do Brasil, com foco tanto nas candidatos quanto nos eleitores. “Esse é o reflexo também de uma tomada de consciência étnica: as pessoas que antes constrangiam-se, agora autodeclaram-se indígenas com orgulho, sinal de enfraquecimento da mentalidade colonial que ainda nos controla. Demonstra o fortalecimento da articulação política dos povos indígenas e a conscientização de que ninguém, além dos próprios indígenas, pode falar, legislar e executar por eles”, analisa.

Saúde e educação são as principais áreas citadas pelos candidatos que entrevistamos, que apresentaram propostas concretas principalmente para suas comunidades. Adilson Vergueiro, conhecido como Banha, se candidatou ao Legislativo em Engenho Velho, segundo ele, depois de pedidos da própria comunidade. Motorista particular, Banha também é uma das lideranças Kaingang de uma comunidade localizada na Reserva Serrinha, que abrange 360 famílias. “A gente vai trabalhar em melhoria para nossa comunidade, que hoje é grande parte do município. Aqui a maior necessidade é a educação e por isso vou em busca de emendas”, afirmou.

 

Mulheres Kaingangs e Guaranis durante a I Marcha das Mulheres Indígenas em agosto de 2019 (Foto Douglas Freitas/@alassderivas)

Já Silvio da Cruz, de Charrua, traz uma demanda básica na área da saúde e do saneamento. “O mais urgente aqui é a questão da água, que não é suficiente para a demanda do nosso povo indígena. Seria a primeira coisa que eu iria atrás. Sem água não tem saúde”, disse Silvio, contando que a valorização da cultura indígena e do artesanato também integram sua agenda.  Ele é o único entre os entrevistados pela reportagem a contar com recursos financeiros de repasses do fundo eleitoral, segundo o site do TSE. Conforme apuramos a partir da plataforma 72 horas, até o momento pouco mais de R$ 45 mil reais foram repassados dos fundos eleitorais a candidatos indígenas no estado.

A falta de verba para as campanhas é um dos principais obstáculos que impedem os candidatos de serem eleitos de fato. “São barreiras ao exercício do direito de ser votado por indígenas o alto custo de uma campanha eleitoral e a dificuldade em encontrar doadores a candidatos indígenas, o que torna as eleições municipais muito mais atrativas, uma vez que mais baratas”, explica a mestre em Direito Flávia Falcão.

Além disso, apesar dos avanços, ainda falta muito para que os indígenas brasileiros exerçam plenamente seu direitos de votar, uma vez que, como explica Flávia, muitas terras indígenas não têm número suficiente de Seções Eleitorais. Ela alerta ainda para o risco de reversão da jurisprudência quanto ao direito dos indígenas se candidatarem sem precisarem estar alfabetizados em português, o que é entendido como legal desde 2008 por decisão do TRE-MT.

Leia aqui a entrevista com Flávia Falcão na íntegra. 

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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