Historiadores publicam manifesto sobre o racismo no hino do Rio Grande do Sul

Foto – Massacre de Porongos (crédito TVE-RS)

Historiadores e historiadoras formados por diferentes instituições de ensino do estado publicaram esta semana um manifesto em apoio ao vereador e também historiador Matheus Gomes (PSol), que protestou contra o racismo de parte da letra do hino do RS durante a posse dos vereadores eleitos em Porto Alegre. Quase 600 profissionais já assinaram o texto até o momento. Confira o manifesto:

“Durante a posse da atual legislatura da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, no primeiro dia deste ano de 2021, os cinco vereadores da bancada negra permaneceram sentados e em silêncio durante a execução do Hino do Rio Grande do Sul. A prática dos vereadores da bancada negra de Porto Alegre representa um ato de protesto pacífico contra a permanência e reprodução de conceitos violentos contra pessoas negras, dado que o Hino, escrito durante o período da Guerra dos Farrapos, se refere às pessoas escravizadas como pessoas sem virtude.

No contexto daquele período histórico, as únicas pessoas escravizadas eram pessoas negras, trazidas à força da África ou seus descendentes. A postura dos vereadores é ainda um ato de respeito com seus antepassados, fundamentais para o desenvolvimento da economia sul-rio-grandense e que, além disso, contribuíram profunda e precocemente para a construção da identidade e da cultura do Rio Grande do Sul, sendo protagonistas ao longo de toda a sua história. Merecem, portanto, deferência e reconhecimento à altura de suas contribuições e não a invisibilização.

Contudo, na mesma cerimônia de posse, uma vereadora foi à tribuna para repreender os vereadores, como se fosse necessário esclarecê-los e discipliná-los. O vereador Matheus Gomes, historiador de formação, explicou o processo histórico que levou o Hino à sua atual configuração e atentou para o fato de que sua letra atual é uma escolha recente. Com isso, o colega apontou para um fato que a sociedade do Rio Grande do Sul deve encarar com seriedade: os símbolos identitários não são estáticos, podem e devem ser alterados para expressar as condições de pertencimento dos cidadãs e cidadãos de diferentes espaços e períodos.

Nesse sentido, a manutenção do verso que diz “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo” ofende diretamente a população negra, dado que, no momento da formulação do Hino, seus autores, os líderes da revolta provincial contra o Império, eram proprietários de pessoas negras escravizadas, não existindo outras pessoas nessa condição. Contestar isso significa negar a materialidade da escravidão negra e a responsabilidade do Estado acerca de uma instituição legitimada por leis e costumes durante os quatro séculos de sua existência no território do atual Brasil.

Como historiadoras e historiadores, não podemos permitir interpretações negacionistas. Nosso trabalho inclui discutir a memória e sua construção, mas não passa pela negação de fatos. Além disso, mais do que negar, a ideia de falta de virtude por parte da população negra legitimou a escravidão até seus momentos finais. O Rio Grande do Sul, conforme estudos recentes de historiadores, foi um dos locais onde essa violência se fez mais presente. O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir essa instituição e isso tem efeitos em nossa sociedade.

É importante lembrar que, no ano que se encerrou, a profissão de historiador foi reconhecida em lei pelo Congresso Nacional, um passo importante para a sociedade brasileira como um todo. Insistir que não há embasamento histórico na afirmação de que o Hino do Rio Grande do Sul é racista implica esquecer que o vereador Matheus Gomes é um profissional com formação reconhecida e está cursando mestrado em História. Ao defender uma nova e atualizada leitura deste hino, o colega está, como historiador, reconhecendo que a história e a memória são lugares privilegiados de construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária e melhor para todas, todos e todes.”

Assinaturas:
1. Adriano Comissoli, Departamento de HIstória, UFSM
2. Jocelito Zalla, Colégio de Aplicação, UFRGS
3. Fernanda Oliveira, Departamento de História, UFRGS
4. Carla Menegat, Campus Gravataí, Instituto Federal Sul-Riograndende
5. Rodrigo de Azevedo Weimer, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul e PPGH – UFRGS
6. Franciele Rocha de Oliveira, Doutoranda em História, UFSM
7. Benito Bisso Schmidt, Professor Titular do Departamento de História da UFRGS
8. Vinícius Reis Furini, Mestrando em História, UFRGS
9. Hariagi Borba Nunes, Doutoranda em História-UFRGS
10. Melina Kleinert Perussatto, Departamento de Ensino e Currículo, UFRGS
11. Taiane Naressi Lopes, Mestranda em História, UFRGS.
GT Emancipações e Pós-Abolição – Anpuh/RS
12. Marcus Vinicius de Freitas Rosa, professor do Departamento de História da UFRGS.
13. Matheus Stefano Klein, Graduando em História – UFRGS
14. Rafael Vieira Levandovski, Professor de História – Prefeitura Municipal de Gravataí – Mestrando em História – UFRGS.
15. Greice Adriana Neves Macedo – Doutoranda em História UFRGS
16. Carolina Suriz dos Santos – Mestranda em História UFRGS
17. Emerson da Silva Folharini – Mestrando em História UFRGS
18. David da Silva Carvalho – Mestrando em História – UFRGS
19. Bianca Lopes Brites – Mestranda em História UFRGS
20. Gustavo Koszeniewski Rolim – professor das redes públicas de Guaíba e Gravataí, Doutorando em História na UFRGS
21. João Camilo Grazziotin Portal – Mestrando em História UFRGS
22. Liane Susan Muller – Professora de História da Rede Estadual e Municipal de Gravataí.
23. Marina Camilo Haack – Doutoranda em História Social – USP
24. Caiuá Cardoso Al-Alam – Professor Universidade Federal do Pampa, campus Jaguarão
25. Letícia Morales Brum – professora de História Prefeitura Municipal de Gravataí – mestra em Ensino de História – ProfHistória/ UFRGS
27. Gabriel Favretto – Mestrando em História – UFRGS
28. Felipe Antônio Guidi Saueressig – Mestrando em História – UFRGS
29. Tatiane Bartmann – Doutoranda em História – UFRGS
30. Fabrício Romani Gomes – professor de História na rede estadual e municipal de Farroupilha, Doutorando em História – UFRGS
31. Lisiane Britto da Silva, professora de história da rede pública, mestranda em ensino de história – UFRGS
32. Ramon Tisott – professor de História na Universidade de Caxias do Sul e na rede municipal de ensino de Caxias do Sul
33. Lílian Beatriz Carlos – mestre em História, professora de História na rede municipal de Porto Alegre.
34. Eliane Machado Corrêa Cardoso- professora de História da Universidade de Caxias do Sul e da Rede Estadual.
35. Erick da Silva Porto – Graduando em História na Universidade de Caxias do Sul.
36. Daniel Comerlato Dutra – Graduado em História pela UFRGS.
37. Alessandra Gasparotto – Professora do Departamento de História da UFPel
38. Gabriel Varreira Gasperin – Graduando em História pela Universidade de Caxias do Sul.
39. Alice dos Reis De David – Historiadora formada pela Universidade de Caxias do Sul
40. Anderson Boppsin da Silva – Graduando em História pela Universidade de Caxias do Sul.
41. Mozart Matheus de Andrade Carvalho – Mestrando em História pela UFRGS.
42. Araceli Consoli – Professora Municipal de História de Bento Goncalves.
43. Vanessa Araldi – Professora de História na Rede Municipal de Montenegro.
44. Anderson Romário Pereira Corrêa – professor de História na Universidade Federal do Pampa, Campus São Borja
45. Dante Guimaraens Guazzelli – professor de História da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre
46. Rafael Farias de Menezes – professor de História do Instituto Benjamin Constant
47. Rafael Saraiva Lapuente – Professor de História da Rede Municipal de Canoas
48. Masaaki Alves Funakura – Graduado em História pela Universidade La Salle.
49. Isabela Kleber Diel – Graduada em História pela Universidade La Salle.
50. Frederico Duarte Bartz – Técnico em Assuntos Educacionais na Ufrgs e membro do GT História e Marxismo da Anpuh/RS
51. Arlene Guimarães Foletto – Professora do Colégio de Aplicação da UFRGS e coordenadora do GT Fronteiras e Territorialidades da ANPUH/RS
52. Letícia Wickert Fernandes – Mestranda em História pela UFRGS
53. Rafael Burd – Professor de História da Rede Municipal de Porto Alegre
54. Gabriel José Brandão de Souza – Doutorando em História pela UFRGS
55. Paulo Roberto Staudt Moreira – Doutor em História (UFRGS), professor UNISINOS
56. Marina Albugeri da Silva – Graduanda em Bacharelado em História pela UFRGS
57. Daniela de Campos – Doutora em História (PUCRS), professora do IFRS.
58. Telma Almeida da Silva – Graduada em História.
59. Fransua Francischetti Melo -professora de História da rede municipal de Farroupilha.
60. Rafael Mautone Ferreira – Professor de História na Rede Municipal de Sapucaia do Sul
61. Jonas Moreira Vargas – Professor do curso de História UFPel
62. Alessandra Cardoso – Graduanda em História pela Universidade de Caxias do Sul.
63. Marcos Vinícios Luft – Instituto Federal do Rio Grande do Sul
64. Felipe Rodrigues Bohrer – Professor de História/SME de Canoas – Doutorando em História (UFF)
65. Bárbara Beatriz Silveira Darski, Mestranda em História, UFRGS.
66. Bruno Kloss Hypólito, Mestre em História (PUCRS) e professor da rede privada de
Porto Alegre.
67. Marcelo Santos Matheus, Doutor em História (UFRJ) e professor do IFRS
68. Letícia Nedel, professora do Departamento de História da UFSC
69. Diogo Raul Zanini, doutorando PPGEDU/UFRGS
70. Carla Simone Rodeghero, professora do Departamento de História da UFRGS
71. Vinícius Silveira Cerentini, professor de História na rede municipal de Canoas, Mestrando em História/UFRGS
72. Fernando Campos Heck, Professor de História, Especialista em História Contemporânea e Assessor Pedagógico da Primeira Coordenadoria de Educação – Porto Alegre.
73. Arthur Lima de Avila, depto. de História UFRGS
74. Nikelen Acosta Witter, depto de História da UFSM, Doutora em História Social.
75. Nathália Boni Cadore – Mestre em História – UFSC
76. Natália Garcia Pinto – Doutora em História – UFRGS
77. Aristeu Elisandro Machado Lopes – Departamento de História-UFPEL
78. Tau Golin – PPGH/UPF
79. Luís Augusto Farinatti – Departamento de História da UFSM
80. Beatriz Teixeira Weber – Programa de Pós-graduação em História – UFSM
81. Jandra Cardoso Segabinazzi – Historiadora – UNIVATES
82. Rosamarí Rodrigues: Professora de História da rede municipal de Caxias do Sul
83. Luiza Horn Iotti – Mestre e doutora em História pela PUC/RS
84. Clarice Speranza – Departamento de História UFRGS
85. Fernando Nicolazzi, Departamento de História UFRGS
86. Fábio Kuhn, Departamento de História UFRGS, Coordenador do PPGH.
87. Cesar Augusto Barcellos Guazzell, Departamento de História UFRGS.
88. Debora Clasen, Professora Curso de História UFFS.
89. Tassiana Maria Parcianello Saccol, Doutora em História PUCRS.
90. Camila Silva, Doutora em História Unisinos.

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