por Gabriela Schmalfuss Borges
Neste depoimento, a jornalista e integrante do coletivo Vozes em Movimento Gabriela Borges escreve sobre o processo de realização do documentário “Mulheres (in)visíveis: A opressão e a luta das mulheres do campo de São Lourenço do Sul”, filmado no interior do Rio Grande do Sul. Com viés interseccional abordando a luta também das mulheres quilombolas, o filme foi financiado pela Lei Aldir Blanc. O Vozes em Movimento é um coletivo de comunicação que atua em São Lourenço do Sul desde 2015 na produção e divulgação de conteúdo de caráter independente. O grupo também promove eventos culturais como cines-debate, rodas de conversa e saraus temáticos.
Quantos autossacrifícios as mulheres fazem ao longo da vida? Quantas conquistas são deixadas de lado para atender as expectativas alheias “fazendo o que se deve”? Quais os objetivos que foram negligenciados em nome da culpa de não ser uma boa filha, uma boa mãe ou uma boa esposa? A partir destes questionamentos iniciais, pensando que estas situações se agravam quando direcionados às mulheres que moram na zona rural, surgiu a ideia da produção do documentário “Mulheres (in)visíveis: A opressão e a luta das mulheres do campo de São Lourenço do Sul”, conduzido por mim e pelo Pedro Henrique Farina Soares, por meio da nossa atuação no coletivo Vozes em Movimento. O projeto foi selecionado pela Lei Aldir Blanc de fomento à cultura em edital desenvolvido pela Prefeitura Municipal de São Lourenço do Sul e estreou no Youtube no último domingo (14).
Procuramos entrevistadas de diferentes perfis, buscando pensar quem são efetivamente as mulheres do campo, quais são seus desafios, seus objetivos e suas dores. Cresci bastante e me emocionei muito em cada conversa. Ao longo do processo, percebi que elas compartilhavam angústias recorrentes: a dificuldade em ter autonomia financeira; a exaustão em função do trabalho doméstico e da lavoura; a solidão e a depressão; a falta de tempo para atividades de lazer e/ou estudo, assim como os desafios enfrentados pelas jovens que se sentem responsáveis por seus pais e lidam com um peso muito grande ao tentarem sair do campo para cursarem o ensino superior. Apesar de ter como foco a cidade de São Lourenço do Sul, a discussão contempla uma realidade que se coloca presente em outros municípios do Estado, como também do Brasil.
Durante o processo de pesquisa, encontramos dados do IBGE e do DIEESE que nos chocaram bastante: no Brasil, somente 19% das mulheres são donas de propriedades rurais; 80% das residentes da área rural recebem no máximo um salário mínimo por mês, sendo que a renda feminina é 27% menor que a do homem, e é bastante comum que mulheres trabalhem sem nenhuma remuneração financeira. Outro número importante no que diz respeito ao acesso à informação e à educação é o de que 70% das propriedades não possuem sinal de internet. Entendo que estes fatores refletem nas oportunidades que este grupo tem e impactam em suas escolhas, impedindo a emancipação feminina.
Embora eu more na zona urbana, minha família é do interior e vejo o quanto esse projeto foi uma busca por respostas sobre os silenciamentos que eu e mulheres próximas à mim sofriam. Me senti acolhida e cuidada nas palavras das outras e entendi o quanto nossas dores nos constituem e são ferramentas de mudança. Além disso, pude perceber ainda mais o quanto as nossas vitórias são coletivas. As conquistas da nossa geração surgiram a partir de pequenos grandes atos das mulheres que vieram antes de nós. Neste sentido, penso que o documentário pode estimular uma discussão dentro e fora do município, principalmente no ambiente doméstico, pensando nas microrrevoluções que cada uma de nós é capaz de fazer.
Assista ao documentário