Com NU, Djonga mostra que não entrega sua cabeça tão fácil assim

Ester Caetano
Foto: Divulgação

O novo álbum do rapper mineiro Djonga é uma daquelas obras marcantes que nascem em momentos críticos na carreira de um artista. Com produção de Coyote Beatz e Nagalli, NU é o resultado de um processo intenso de imersão na própria consciência. No disco, o artista continua sua trajetória de unir arte, sensibilidade, subjetividade e política. Com lançamentos que coincidem todos na mesma data (13 de março) como em Heresia (2017), O Menino que queria ser Deus (2018), Ladrão (2019) e Histórias da Minha Área (2020), ele criou uma tradição que já se firmou em sua carreira. Neste ano pandêmico, no entanto, o lançamento foi envolto em controvérsias. 

Interrompendo o silêncio de seu instagram, Djonga reapareceu já impactando seus seguidores com o teaser do álbum. O vídeo mostra o que poderia ser a fonte de inspiração do novo trabalho: em um tribunal, o rapper, declarado culpado, é degolado por “pensar demais ou pensar de menos”. A capa do álbum segue o mesmo conceito, com uma foto da cabeça do cantor em uma bandeja de prata, a la Secos e Molhados, acompanhado da legenda “A minha cabeça está na bandeja há muito tempo, antes de fama, número, etc. Nós já vivemos coisa pior.. talvez você não saiba, mas a sua também”. 

Djonga havia silenciado por mais de três meses longe das redes sociais e entrevistas, por receber críticas após promover aglomerações em um show no Rio de Janeiro, em dezembro de 2020, no período da pandemia. Depois de dizer que  “o show foi pra galera que só trabalha e se fode”, ele voltou a ser criticado e entrou em um período de breve hiato. Já consagrado como um dos mais influentes do rap brasileiro, ele aborda em suas músicas temas como a discriminalização racial, o preconceito e o lugar do negro periférico. 

NU inicia com a faixa “Nós”, que devaneia sobre a condição débil do negro no Brasil e elenca  a fragilidade da conexão de lutas entre os próprios negros (Medo pra nós, ó, arma pra nós, ó Até se tá com nós, tá apontada pra nós, ó Cá entre nós, ó Como é que desata esses nós?”) No clipe da música, o artista encena um duelo com ele mesmo, morre e volta. Percebe-se que a roupa usada faz alusão ao uma farda, o que pode ser uma crítica aos policiais negros que enfrentam o seu “próprio povo”. Com as batidas que fazem estremecer e relembram suas faixas mais antigas, a música revela a dificuldade do reconhecimento do sucesso da população negra (“Vê a gente com dinheiro é mole o que não querem é ver a gente de cabeça erguida”).

Já em “Xapralá”, Djonga “perde” a sua coroa. “O menino que queria ser Deus” se expõe fragilizado emocionalmente e apresenta um ser humano com todos os seus sentidos (Falta o afeto, muita foda e pouco sentimento”). Na música, ele relembra o ex-BBB Lucas Penteado, artista que passou por momentos de humilhação e dureza por outros participantes. (“É melhor desistir ou viver humilhado? Coisas que passam na mente de gente que vem de onde vem Ó, Lucas Penteado”). Djonga finaliza a música tendo que fugir dele mesmo para se encontrar, para enfrentar todas as críticas e analisar a angustiante atualidade. 

E quando a cadência da composição não se encontra em evidência, as rimas do rapper mineiro formam a poesia que rememora a melancolia, um tom que pode ser confundido com exaustão de lutar pela cena e ter que enfrentar críticas que vêm de todos os lados. Na música “Ricô”, em parceria com o Mc Doug Now e em “Dá pra ser?”, junto com Budah, ele se aprofunda na expressão de seus sentimentos, se pronuncia sobre o vazio da riqueza mas fala profundamente sobre o amor. Nessas músicas, é perceptível o caminho da direção musical que permite explorar outros subgêneros, como o love song. 

Sob uma perspectiva concentrada e intelectual, Djonga traz referências como Martin Luther King, Wilson Simonal e Ghandi, em uma alusão a sua trajetória, que também é marcada pela perseguição. Só que, diferente da imagem de sua cabeça entregue na bandeja, ele sabe que não pode parar e se entregar. (“Só que pedem minha cabeça a todo tempo eu não posso me entregar, mas tô surtando Preciso de um acalanto no talento Pra sair vitorioso, tô lutando”)

Em contraponto à primeira faixa do álbum, o rapper finaliza com a faixa “Eu”, compreendendo o contexto da cultura do cancelamento e dos ataques que recebeu, afirmando uma autocrítica e reconhecendo que ele tem que lutar por si só para assim conseguir defender um todo. O álbum diz muito sobre o caminho do artista para chegar a esta manifestação. A composição das faixas se alimenta de suas fraquezas e controvérsias, porém, fazendo uma associação a um lugar de crítica social. Mesmo sendo degolado pelo cancelamento, Djonga não entrega sua cabeça tão fácil assim.        

   

Compartilhe
Ler mais sobre
hip-hop rap
Jornalista engajada nas causas sociais e na política. Gosta de escrever sobre identidade cultural, representatividade e tudo aquilo que engloba diversidade.
Ler mais sobre
Beta Redação Direitos humanos Entrevista

Negra Jaque: “O rap gaúcho tem muito potencial, mas não tem mídia”

Processos artísticos Resenha

Exu do Blues tá de volta