“Em um bairro em Nova York” reflete o encontro de gerações de latinos por um olhar otimista

Rafael Gloria

Foi surpresa para muita gente quando Hamilton, o musical cantado totalmente no estilo hip-hop e inspirado na vida de um dos fundadores americanos, estourou nos Estados Unidos lá em 2015. Entretanto, quem conhecia o trabalho de Lin-Manuel Miranda conseguia imaginar o que ele poderia fazer. Em 2005, o ator, escritor e diretor já havia criado o espetáculo In the Heights, trazendo a representatividade latina a partir do bairro Washington Heights e a história de filhos de imigrantes e suas diferentes gerações. Em 2008, esse trabalho lhe rendeu a distinção de melhor musical na prestigiada premiação Tony. 

Agora, em 2021, depois de todo o sucesso de Hamilton no Disney Plus, é natural que seu primeiro espetáculo na Broadway também fosse adaptado para o cinema. Ou, nos tempos em que estamos vivendo, para as telas menores, uma vez que também ganhou lançamento  simultâneo na plataforma na HBO Max nos Estados Unidos. Aqui no Brasil ele deve chegar na plataforma apenas 35 dias após a estreia do HBO MAX, que será lançado oficialmente em 29 de junho. Nos cinemas, já pode ser visto, mas a opção da plataforma é muito válida em tempos de pandemia.

Foto: divulgação

Mas sobre o que exatamente é Em um bairro em Nova York, como ficou a tradução por aqui? A resposta mais óbvia é que é sobre sonhos, como o filme costumeiramente nos indica a partir da fala do protagonista Usnavi, interpretado por Anthony Ramos. Aliás, seu nome é uma excelente brincadeira: Seu pai quando chegou aos Estados Unidos avistou um navio americano escrito Us Navy, daí a junção: Usnavi. Mas seu sonho original era voltar para a República Dominicana, terra em que nasceu e viveu poucos dias, mas “a melhor época da sua vida”, como ele afirma.

O filme, dirigido por Jon M. Chu e escrito por Quiara Alegría Hudes, também segue vários outros personagens enquanto cada um trabalha para trilhar seus sonhos de carreira – algo semelhante ao vivido pelo próprio Miranda. Talvez por seguir e apresentar tantos personagens acaba não se aprofundado em muitos, deixando em destaque Usnavi e Nina Rosário, papel de Leslie Grace, que faz uma espécie de menina prodígio que foi abraçada pela comunidade e que abandona a faculdade, voltando para as origens. 

Pode parecer clichê, mas o filme é vibrante, colorido, porque, antes de tudo, tende a ser positivo, apesar de todas as dificuldades e lutas do povo latino imigrante. Mesmo com Washington Heights sofrendo constante queda de energia elétrica e um aparente abandono pelas autoridades locais, tudo fica nas entrelinhas. Não é o foco aqui. E sim, a espécie de união e força para construir um maior reconhecimento dos povos de origem latina para a construção de um Estados Unidos mais diverso. As músicas com certeza vão  empolgar, com algumas canções com mais destaque como a própria faixa de abertura In the Heights e 96.000. Todas composições também escritas por Miranda. Ele faz um pequeno coadjuvante no filme, aliás. 

Apesar da procura da diversidade ser uma constante, Miranda foi recentemente criticado  pela comunidade afro-latina pelo whitewashing, ou branqueamento social, e por colorismo (resumidamente, apenas incluir pessoas negras de peles mais claras). O autor chegou a escrever em suas redes sociais sobre a crítica:  “Estou vendo a discussão sobre representação afro-latina no nosso filme, e está claro que a comunidade afro-latina de pele escura não se sente representada, particularmente nos papéis principais. Compreendo a dor e a frustração com o colorismo. […] Peço desculpas. Estou aprendendo com estas respostas, agradeço pelo retorno, e escuto vocês. […] Prometo melhorar em meus próximos projetos”.

Foto: divulgação

Uma personagem interessante é aquela interpretada por Olga Merediz. Abuela Claudia é uma espécie de matriarca e uma das primeiras a chegar ao bairro, junto com a sua mãe. Sem filhos, ela acaba “adotando” toda a comunidade. Sua história representa uma geração que lutou para arranjar seu lugar com empregos exploratórios, e sua canção reflete isso trazendo uma espécie de delírio com cenas que apresentam um passado opressor e o futuro que ela agora pode escolher. Ao mesmo tempo, personagens como Nina e o ainda mais jovem Sonny, interpretado Gregory Diaz IV, mostram uma nova geração com algumas conquistas e cada vez mais politizadas, procurando lutar por seus direitos.

Pode-se dizer, então, que Em um bairro em Nova York  apresenta um panorama de diferentes gerações, e que o sonho de retorno de Usnavi para sua terra natal pode ser apenas uma aposta idílica, mas não a realidade: o que vem a seguir e o que ele ainda precisa conquistar. 

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.
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