Thaís Seganfredo
Foto de capa: Rafael Glória/Nonada
Em meio aos casacos pretos que circulavam pelo centro histórico de Porto Alegre naquela tarde fria do dia 29 de maio, no primeiro ato unificado contra Bolsonaro realizado em 2021, um homem vestido com um macacão branco (roupa completa do EPI) chamou a atenção dos manifestantes. Ele estava carregando um corpo completamente envolto em um plástico de lixo preto, junto com uma placa que trazia a frase: “Eu trouxe meu pai, ele havia votado em você, Bolsonaro”.
No mesmo dia, a foto viralizou pelo país todo, depois que o jornalista e doutor em Economia do Desenvolvimento Volnei Picolotto clicou o momento e publicou nas redes. Retrato da dor de milhões de filhos que perderam pais na pandemia de covid-19, a imagem era, na verdade, parte da performance de um coletivo de artistas de diferentes grupos e companhias que se uniram para sensibilizar a população através da catarse que só a arte é capaz de provocar.
A ideia nasceu a partir de uma intervenção que o artista Hamilton Leite havia realizado em um ato pró-Bolsonaro, no bairro Moinhos de Vento, zona nobre da cidade, em março. Ele atravessou a manifestação vestido com o figurino que chocou o país. Depois, teve a ideia de formar um coletivo para continuar com as ações. A artista Letícia Fagundes formou o elenco, enquanto Tânia Farias fez a coreografia.
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O passo seguinte do grupo foi preparar a performance do ato que ocorreu no último sábado (19). “Como na outra trouxemos a imagem forte e chocante do macacão branco com corpos, nesta pensamos em cores para simbolizar a vida a esperança”, conta Letícia Fagundes. Os três fizeram juntos a concepção e a coreografia da performance, nomeada Ausências. Cada ator e atriz trouxe um par de sapatos para deixar no ato, uma forma de lembrar as perdas das vítimas por covid-19. A referência veio dos assassinados no holocausto nazista, cujos sapatos estão exposto no museu de Auschwitz. Mais uma vez, as imagens sensibilizaram o país, exibidas também no Jornal Nacional.
“Nós levamos ainda os nomes de pessoas mortas por covid-19 e as escrevemos no chão. ‘Se números frios não tocam a gente quem sabe se nomes consigam tocar’ (Chico César). A performance foi deixando um rastro de ausências pelas ruas, ao deixar sapatos e, ao lado destes, um adesivo que dizia: ‘Já são quase 500 mil pares de sapatos vazios. 500 mil vidas perdidas. O presidente do Brasil tem culpa. #artistasnaruaforabolsonaro’”, explicam Tânia e Hamilton. “Fizemos tudo muito juntos com muita energia da amizade e do amor. Somos uma galera muito criativa e muito unida, temos juntos um banco de ideias e vamos continuar, vamos derrubar o Bolsonaro e continuar a luta por direito à arte e à vida”, detalha Letícia.
A ação também foi uma homenagem à rapper Malu Viana, que morreu vítima de um infarto no dia 12 de junho. “Ela foi uma das pioneiras da luta pelas cotas e ações afirmativas na Lei Aldir Blanc. Uma luta que se espalhou por todo o país. Uma companheira valorosa que vai fazer muita falta”, lamentam Tânia e Hamilton.
A atuação engajada dos artistas gaúchos não é nenhuma novidade. Desde a ditadura militar, grupos como a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz fazem uso da arte como ferramenta de denúncia e reflexão de questões sociais. Mais recentemente, os artistas também se mobilizaram em atos contra o impeachment de Dilma Rousseff e a favor da liberdade de Lula. “Os artistas aqui e em todo país estão na luta há muitos anos. Não à toa, foram perseguidos, presos e assassinados pela ditadura. A marcha dos 100 mil no Rio de Janeiro completa 53 anos no dia 26 de junho. E diversos artistas estiveram presentes, atrizes, cineastas e músicos, entre outros”, relembram.
Além da luta pelos direitos da própria classe artística, como a pauta pela aprovação da Lei Aldir Blanc, o grupo também tem se engajado em temas como a reivindicação de um uso cultural no Cais Mauá, cuja gestão foi entregue temporariamente à iniciativa privada e, agora, também pelo impeachment de Bolsonaro. “Acreditamos que estamos juntos a tantos outros artistas do Brasil, no anseio de uma política em defesa da vida, da diversidade e da liberdade. Não estamos à frente de ninguém, estamos lado a lado na luta. O que nos parece mais importante é o engajamento e a soma na luta. Se é isso que fazemos de melhor, vamos colocar isso a serviço das transformações fundamentais e necessárias no Brasil. Prioridade um, #ForaBolsonaro”, defendem. As próximas performances do grupo já estão sendo planejadas.
Mobilização de artistas ocorre em outros estados
O movimento #artistaspeloimpeachment foi lançado em nível nacional em maio de 2021, com um manifesto assinado inicialmente por 2500 artistas do país, que já soma mais de 20 mil assinaturas (leia abaixo). “Vários de nós fazemos parte desse movimento e assinamos o manifesto. Aqui em Porto Alegre, artistas de diferentes áreas e linguagens vêm se encontrando e se reencontrando desde a eleição de Bolsonaro. E militamos juntos no Fórum de Ação Permanente pela Cultura. Atribuímos essa mobilização ao desmanche do país e consequentemente da Cultura brasileira promovido pelo governo fascista, de extrema direita, do genocida Jair Messias Bolsonaro”, destacam os artistas.
No evento de lançamento, que ocorreu virtualmente, artistas como Aílton Graça, Elisa Lucinda, Matheus Nachtergaele e Luis Miranda se manifestaram. “Desde que começou essa crise, desde que a pandemia foi citada como uma gripezinha pelo presidente, já dava pra ver a onda de irresponsabilidade a que iríamos nos submeter. Um ano depois, estamos aqui, na maior crise sanitária, política e moral da história. A saída desse presidente é urgente, estamos numa guerra muito grave”, disse a cineasta Anna Muylaert.
Além dos artistas, articulações e coletivos de todo o país também se somam à luta, como a Articulação de Trabalhadores das Artes da Cena (Atac), o Movimento PAVIO e o Fórum Popular Permanente de Cultura. “O #artistasnaruaforabolsonaro está onde estiver um artista se manifestando contra o fascismo e contra o genocida Bolsonaro”, resumem Hamilton e Tânia.
Manifesto: Artistas pelo Impeachment
“Quando o Titanic afundou, em 1912, a humanidade perdeu 1.500 vidas numa única noite. A catástrofe, por suas gigantescas dimensões, é lembrada até hoje. Já nos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro, perdemos 2.996 vidas. Ambas, catástrofes de repercussão mundial.
Atualmente assistimos, de maneira estranhamente naturalizada, a um número maior de perdas diárias. Se pudessem ser enfileirados, os mortos pela COVID-19, apenas no Brasil, formariam um inacreditável corredor capaz de cobrir uma vez e meia a distância entre a Terra e a Lua. Estamos no epicentro mundial da Pandemia e seguimos em clara progressão. Os números do mês de abril ultrapassaram todas as métricas mundiais e a tendência é de piora no quadro. Todos os dias o país afunda, desaba, morre sufocado.
O comandante deste barco que naufraga, e segue em direção aos recifes, tem nome e sobrenome conhecidos: Jair Messias Bolsonaro.
Diversas medidas poderiam ter sido tomadas para reduzir o número de mortes, mas não foram. A estratégia seguiu direção contrária. O descaso e a negação das conquistas cientificas continuam sendo incentivados. Com isto aumenta a cada dia o número de vidas humanas perdidas. Ou seja, vivemos sob a tutela de um governo criminoso que, por diligência engendrada e condução irracional da crise sanitária, causa um número de óbitos muito superior ao que seria o inevitável.
E a pergunta feita todos os dias por milhares de brasileiros estarrecidos – já que nesse momento a soma de mortes diárias supera os nascimentos – é: O que estamos esperando? O Brasil tem instrumentos para começar a estancar esta mortandade, de imediato. Para a atual tragédia ha´ um remédio. O impeachment! Já enfrentamos diversas lutas inomináveis na história. Vencemos várias delas através de um instrumento único e fundamental: a participação popular que pressupõe a democracia.
O descaso e a ineficiência do governo no combate à pandemia são motivo mais do que suficientes para um pedido de impeachment, mas não os únicos. Muitas das ações anti republicanas do atual mandatário também devem ser levadas em consideração. A atual condução da política econômica, por exemplo, tem levado milhões de pessoas em estado de vulnerabilidade a buscar formas de sobrevivência nas ruas, sendo expostas à pandemia de forma cruel. Eis a verdade. A política do atual governo as enxerga como pessoas descartáveis.
A democracia, hoje, não é uma abstração, é uma afirmação da cidadania e uma convocação à vida. O Congresso Nacional tem em seu poder mais de CEM PROCESSOS de impeachment aguardando apreciação. Nós convidamos a nação brasileira a um PLEITO ÚNICO, urgente e fundamental para que tenhamos a possibilidade de enxergar um futuro através da discussão pública e ampla do processo de impugnação do atual mandato da presidência da república.
O presidente da Câmara e os congressistas têm que colocar em discussão imediata o assunto, já que este é o desejo maior de grande parte da sociedade brasileira. Não podemos mais assistir impassíveis a essas manobras macabras e irresponsáveis que nos fazem perder, diariamente, milhares de vidas humanas para a Covid-19 através de calculado genocídio. Isto posto, nós infra-assinados, NOS JUNTAMOS A TODOS OS PEDIDOS DE IMPEACHMENT agora em tramitação no Congresso Nacional. Na certeza de que a representação legislativa cumpra a vontade popular.
‘Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro…’ Belchior”
Assinam esta carta:
Adriana Monteiro – Assessoria de Imprensa Cultural
Afonso Tostes – Artista Plástico
Ailton Graça – Ator
Ailton Krenak – Escritor e Ativista Direitos Indígenas
Alain Fresnot – Cineasta
Alexandre Cioletti – Ator
Aline Fanju – Atriz
Amir Haddad – Encenador
Ana Kfouri – Atriz e Encenadora
Ana Rosa Tendler – Produtora
Anderson Negreiros – Ator
Andre Cortez – Arquiteto e cenógrafo
Andrea Beltrão – Atriz
Andrea Dantas – Atriz
Angela Rebello – Atriz
Ângelo Antônio – Ator
Anna Muylaert – Cineasta
Anna Sofia Soares – Produtora
Antônio Pitanga – Ator
Arícia Mess – Cantora e Compositora
Arlindo Lopes – Ator
Augusto Madeira – Ator
Beatriz Seigner – Cineasta
Bel Teixeira – Atriz
Bia Lessa – Atriz e Encenadora
Bruno Capinan – Cantor e Compositor
Cabelo – Artista Plástico
Cacá Carvalho – Ator e Diretor Teatral
Cacá Machado – Compositor
Caco Ciocler – Ator e Encenador
Caetano Gotardo – Cineasta
Camila Márdila – Atriz
Camila Pitanga – Atriz
Carmen Silva – Atriz, Liderança MSTC
Cecília Boal – Presidente do Instituto Augusto Boal
Celso Frateschi – Ator, Dramaturgo e Encenador
Chico Buarque de Hollanda – Cantor, Compositor e Escritor
Chico César – Cantor e Compositor
Cibele Forjaz – Encenadora e Docente
Cibele Santa Cruz – Diretora de Elenco
Clarissa Kiste – Atriz
Cláudia Abreu – Atriz
Cláudia Barral – Dramaturga, Poeta e Psicanalista
Claudia Missura – Atriz
Claudia Priscila – Cineasta
Claudia Shapira – Encenadora, Dramaturga e Figurinista
Claudio Mendes – Ator
Claudius Ceccon – Cartunista
Cristina Pereira – Atriz
Daniel Dantas – Ator
Daniela Thomas – Cineasta
Danilo Cesar – Historiador e Produtor Cultural
Danilo Grangheia – Ator
Denise Fraga – Atriz
Débora Bloch – Atriz
Débora Duboc – Atriz
Débora Lamm – Atriz e Encenadora
Diógenes Muniz – Documentarista
Dira Paes – Atriz
Djamila Ribeiro – Filósofa e escritora
Drica Moraes – Atriz
Dudu Bertholini – Stylist
Eduardo Moscovis – Ator
Elena Nikitina – Artista Plástica
Eliane Brum – Escritora e Jornalista
Eliane Café – Cineasta
Elias Andreato – Ator
Ellen Oléria – Cantora
Eloisa Elena – Atriz
Emílio de Mello – Ator e Encenador
Emicida – Rapper e Empresário
Enrique Díaz – Ator e Encenador
Eric Nepomuceno – Escritor
Eryk Rocha – Diretor de Cinema
Eugênio Lima – DJ e Diretor
Evandro Fioti – Artista e Empresário
Fabiana Winits – Diretora de TV
Fabio Mazzoni – Produtor Cultural
Fabio Rezende – Ator e Encenador
Fabrício Boliveira – Ator
Felipe Hirsch – Encenador
Felipe Rocha – Ator e Encenador
Fellipe Barbosa – Cineasta
Fernando Bonassi – Escritor
Fernando Nitsch – Ator e Encenador
Francis Hime – Compositor e Músico
Francisco Gil – Músico
Gabriela Carneiro da Cunha – Atriz
Georgette Fadel – Atriz e Encenadora
Gisele Fróes – Atriz
Glória Menezes – Atriz
Gregório Duvivier – Escritor e Ator
Guilherme Cesar – Roteirista e Produtor Audiovisual
Guilherme Weber – Ator e Encenador
Guilherme Wisnik – Arquiteto
Gustavo Machado – Ator
Gustavo Vinagre – Cineasta
Heitor Goldfluss – Ator e Encenador
Heloisa Passos – Cineasta
Inez Viana – Atriz e Encenadora
Isabel Gomide – Atriz
Irandhir Santos – Ator
Ivan Lins – Cantor e Compositor
Jeferson De – Cineasta
Jefferson Miranda – Encenador
João Velho – Ator
José Celso Martinez Corrêa – Ator e Encenador
José Miguel Wisnik – Músico e Ensaísta
Julia Lemmertz – Atriz
Kiko Goifman – Cineasta
Kiko Mascarenhas – Ator
Laís Bodanzky – Cineasta
Laura Vinci – Artista Plástica
Leonardo Netto – Ator, Dramaturgo e Encenador
Letícia Lima – Atriz
Letícia Sabatella – Atriz
Liniker – Cantora
Linn da Quebrada – MC
Lu Maza – Dramaturga e Diretora
Lui Seixas – Ator
Luaa Gabanini – Atriz, MC e Performer
Luah Guimarães – Atriz
Lucas Afonso – Poeta e escritor
Lucia Helena Gayotto – Diretora Vocal e Atriz
Lucia Koranyi – Ilustradora
Luciano Chirolli – Ator e Encenador
Luiz André Cherubini – Ator e Encenador
Luís Miranda – Ator
Luiz Henrique Nogueira – Ator
Luiz Zerbini – Artista Plástico
Luz Ribeiro – Poeta e escritora
Malfeitora (Helen Sousa) – Criadora e tatuadora
Malu Galli – Atriz
Marcelo Drummond – Ator e Encenador
Marcelo Marcus Fonseca – Ator e Encenador
Marcello Airoldi – Ator e Encenador
Marcia Rubin – Bailarina e coreógrafa
Márcia Tiburi – Profa. de Filosofia, Escritora, Artista Visual
Márcio Boaro – Encenador e Dramaturgo
Márcio Abreu – Ator e Encenador
Marco Ricca – Ator e Encenador
Marco Antonio Rodrigues – Encenador e Docente
Marcos Palmeira – Ator
Maria Augusta Ramos – Cineasta
Maria Bopp – Atriz
Maria Flor – Atriz
Maria Luisa Mendonça – Atriz
Maria Rita Kehl – Escritora e Psicanalista
Mariana Lima – Atriz
Marianna Lima – Cantora Lírica
Marieta Severo – Atriz
Mariza Leão – Produtora audiovisual
Mart’nália – Cantora
Matheus Nachtergaele – Ator
Maurício Farias – Diretor de TV
Mawusi Tulaní – Atriz
Mini Kerti – Diretora e Produtora
Miwa Yanaguizawa – Atriz e Encenadora
Mônica Iozzi – Atriz
Mônica Raphael – Atriz
Olívia Hime – Cantora
Osmar Prado – Ator
Oswaldo Faustino – Jornalista e Escritor
Otávio Muller – Ator
Otto Jr – Ator
Pascoal da Conceição – Ator
Patricia Pillar – Atriz
Paula Lavigne – Produtora Musical
Paula Sacchetta – Documentarista
Paulo Betti – Ator
Paulo Flores – Ator e Encenador
Preta Ferreira – Atriz, Cantora, Liderança MSTC
Raul Mourão – Artista Plástico
Renata Sorrah – Atriz
Renato Aroeira – Cartunista
Renato Borghi – Ator
Roberta Estrela D’Alva – Atriz-MC, Diretora e Slammer
Roberto Audio – Ator e Diretor
Roberto Lage – Encenador
Roberto Gonçalves de Lima – Produtor e distribuidor audiovisual
Rodolfo Vaz – Ator
Rudifran Pompeu – Ator, Encenador e Dramaturgo
Rubens Rewald – Cineasta
Ruy Guerra – Cineasta
Sérgio Mamberti – Ator
Sergio Roveri – Jornalista e Dramaturgo
Silvio Tendler – Cineasta
Sergio Siviero – Ator e Performer
Sônia Braga – Atriz
Stella Marini – Produtora
Tânia Farias – Atriz, Figurinista e Encenadora
Tarcísio Filho – Ator
Tarcísio Meira – Ator
Tati Lenna – Atriz e Encenadora
Thiago Bernardes – Arquiteto
Thiago Vasconcelos – Encenador
Toni Venturi – Cineasta
Tonico Pereira – Ator
Tuca Andrada – Ator
Vik Muniz – Artista Plástico
Vadim Nikitin – Dramaturgo
Yara de Novaes – Atriz
Zezé Polessa – Atriz