O disco que consagrou Luis Vagner como protagonista do samba-rock

Daniel Sanes

Foto: Edu Defferrari/Divulgação

Guitar heroes? Existem aos montes por aí. Ou existiam, quando o rock estava em alta. Agora, guitarreiro, só tem um: Luis Vagner Dutra Lopes. Ou simplesmente Luis Vagner. Reza a lenda que quem deu o apelido foi Jorge Ben Jor, mas tudo indica que a verdadeira autoria é do cantor Fábio, amigão de Tim Maia. De qualquer forma, a moral desse gaúcho de Bagé com Jorge era tanta que este acabou compondo uma música em sua homenagem, registrada no disco Bem-vinda Amizade, de 1981.

Bem antes de isso acontecer, Luis Vagner criou sua própria “Guitarreiro”, faixa de abertura do LP que lançou em 1976. Uma preciosidade do samba-rock que merece ser descoberta e redescoberta. Como, aliás, toda a discografia do cara. Mas é preciso ter um ponto de partida, e Luis Vagner, o álbum, é provavelmente o mais indicado. 

Com vinte e poucos anos, o músico já tinha uma carreira quando gravou Simples, em 1974. O primeiro disco solo é um acúmulo de influências, mas passa longe do iê-iê-iê executado por Vagner e seus companheiros de Os Brasas (ex-The Jetsons), banda que formou em Porto Alegre e que viveu a efervescência da Jovem Guarda em São Paulo. Tem, inclusive, alguns sambas-rock de respeito, como “Só que Deram Zero pro Bedeu”, em que aborda, com humor, o mau desempenho de outro mestre gaúcho do suingue em um festival promovido por uma emissora de rádio. 

Entre a estreia e o álbum homônimo, o artista soltou Coisas e Lousas, uma compilação com faixas de Simples e alguns compactos, entre os quais o sucesso “Como?”. O Lopes da capa do primeiro trabalho foi suprimido, ficou só Luis Vagner. Ou melhor, Luis Vagner Guitarreiro, nome pelo qual também se tornaria conhecido o disco clássico de 1976.

Algumas letras passam um sentimento de inadequação, de necessidade de afirmação no cenário musical. Ao mesmo tempo, soam como uma declaração de princípios, e demonstram o orgulho de Vagner em relação a suas raízes negras e brasileiras, algo que se tornaria uma constante em seu trabalho. A começar pela faixa de abertura: Naquele tempo eu gostava dos Beatles/ Mas tinha os nego véio que eu gostava muito mais (…)/ Sou guitarreiro, brasileiro, toco samba, transo nego e futebol/ Sou guitarreiro, brasileiro, toco samba e ainda pago aluguel/ Sendo guitarreiro, brasileiro, toco samba, represento meu papel.

Outro momento tocante é “Lá no Partenon”, em que o músico relembra vivências e lugares do bairro que o acolheu quando se mudou de Santa Maria, onde morava, para a capital gaúcha. Lá no Partenon a rapaziada faz rock, mas é trópi e tem toque de samba também, diz a canção.

Se liricamente a obra é bastante pessoal (Vagner é o autor de todas as composições), no aspecto instrumental, é um esforço coletivo de amigos. Entre eles, os músicos do Pau-Brasil (influente grupo que tinha o saudoso Bedeu entre seus integrantes) e o lendário Branca di Neve na percussão. Os belos arranjos de cordas, metais, teclados e coro ficaram a cargo do maestro Waldemiro Lemke.

Embora sua importância para o samba-rock seja incontestável, o disco traz outras facetas do inquieto guitarreiro. A latinidade de “Camponesa” (uma romântica guarânia paraguaia) e “Estás Loca de Linda Rita”, por exemplo, seria explorada mais a fundo pelo músico no futuro, em um caldeirão de influências que incluiria também – e principalmente – o reggae.   

Na capa, Luis Vagner, guitarra em punho, atravessa a partitura de “Lá no Partenon”, com uma cara de quem diz: “tô chegando!”. Mais do que pedir passagem, o guitarreiro metia o pé na porta para conquistar definitivamente seu lugar na música popular brasileira.

Nota obituário: Luis Vagner faleceu em 9 de maio de 2021, aos 73 anos, em Itanhaém (SP). Enfrentava problemas de saúde decorrentes de dois AVCs. Escrito antes do falecimento do músico, este texto acaba sendo uma involuntária homenagem póstuma ao grande guitarreiro.

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