Ariel Bentes*
Foto: Mateus Aguiar
“Lutamos por nossa terra, lutamos por nossos rios. Lutamos pelas vidas dos nossos povos. Somos a voz da resistência. Somos as Suraras do Tapajós”. É assim que as Suraras do Tapajós, grupo de carimbó formado por mulheres indígenas em Alter do Chão (PA), se apresentam em Kiribasáwa Yúri Yí-Itá (A Força Que Vem das Águas), título da música e do EP do grupo. Através do carimbó, ritmo típico do Pará e reconhecido como patrimônio cultural imaterial do país, elas levam para as suas letras o empoderamento e a luta feminina e indígena.
Em entrevista ao Nonada Jornalismo, Luiara Borari, estudante de antropologia e uma das integrantes das Suraras, falou sobre a história do grupo, machismo no meio musical e os impactos da pandemia.
Nonada — Como o grupo das Suraras do Tapajós se formou?
Luiara Borari — Além de um grupo musical, nós também somos uma associação. Em 2016, criamos o coletivo Suraras do Tapajós e as reuniões sempre terminavam com o grito das Suraras, com muita música, dança e carimbó. Foi aí que pensamos: “Por que não criar um grupo de carimbó?”. Fundamos o grupo em 2018 e em 2020 o coletivo tornou-se uma associação.
Dentro do grupo musical, somos cerca de 12 mulheres, a maioria do povo Borari. Tem também Suraras de outros povos como Tupinambá, Munduruku, Tapajós e Arara. O grupo é uma das nossas ferramentas de luta e sempre que vamos nos apresentar, fazemos questão de lembrar da associação e reforçar que somos o primeiro grupo de carimbó composto somente por mulheres e o primeiro composto por mulheres indígenas do Brasil. Nós podemos levar a nossa voz através das nossas músicas que vai muito além dos nossos territórios.
Nonada — O que significa Surara?
Luiara Borari — Suraras quer dizer guerreiras ou guerreiros em Nheengatu, língua original falada pelos 13 povos do baixo da Tapajós. Porém, na minha opinião cada uma das Suraras tem uma resposta para essa pergunta e a minha é que Suraras significa uma força da mulher indígena, que tá ali na luta e levando a voz através das músicas. Botando a cara a tapa, lutando pelo seu território e pela sua sustentabilidade. Lutando pela sua vivência. Para que o que temos não acabe e a gente consiga passar para os nossos filhos e netos.
Nonada — Ao som do Carimbó, vocês falam sobre empoderamento e representatividade indígena e feminina. Como funciona o processo de composição das músicas e quais são as inspirações?
Luiara Borari — Nós temos as nossas músicas autorais e ali a gente fala sobre as nossas vivências, nosso dia a dia e a nossa luta feminina. Também fala sobre os encantados e as nossas ancestralidades. O que não conseguimos falar em outros espaços, nós levamos para as nossas músicas. Cantamos músicas também de outros artistas do carimbó como as do Mestre Silvan Galvão, que é um grande apoiador e nosso amigo. Ele nos ajuda e dá algumas orientações!
Nonada — Quais são as maiores referências musicais do grupo?
Luiara Borari — Tem várias artistas mulheres, negras e indígenas que a gente se inspira. Uma delas é o grupo Sereias do Mar, acho que são da Ilha do Marajó. As Sereias do Mar e outros grupos surgiram após o nosso e é muito bonito saber que abrimos portas. Antigamente tinha muito machismo dentro dos grupos de carimbó, na verdade até hoje tem. A mulher só era vista para dançar. Nós não podíamos tocar o curimbó ou qualquer outro instrumento musical. O curimbó, que é o que eu toco, é o coração do carimbó. Ele é uma espécie de tambor. As mulheres não podiam sentar em cima dele, principalmente se estivessem no período menstrual. Se não diziam que ia dar azar.
Desde que o grupo surgiu, aqueles que eram compostos somente por homens agora já tem uma mulher no palco tocando curimbó e cantando. Abrimos as portas e agora temos mulheres fazendo até os seus próprios instrumentos. Nós acabamos inspirando outras mulheres a criar e participar dos grupos de carimbó e hoje também nos inspiramos nelas.
Nonada — Além das Suraras, que outras artistas indígenas o público deve acompanhar?
Luiara Borari — Nossa, tem muitos parentes que estão no meio artístico e que nós acompanhamos! Tem a Thaline Karajá” , “A Márcia Kambeba” e “DJ Erick Terena.
Nonada — Como a pandemia tem impactado na atuação do grupo e na vida de vocês e de outros povos que vivem na região de Alter do Chão?
Luiara Borari — Somos irmãs e uma família ali. Sempre estamos juntas, iguais cardumes. Porém nesse momento tivemos que nos distanciar, cada uma ficou na sua casa e não podíamos nos ver. O grupo musical acabou ficando mais quieto, mas enquanto associação fizemos doações de cestas básicas para famílias em Alter e em Santarém, além de doações para outras comunidades próximas. Procuramos vários apoiadores que nos ajudaram a comprar alimentos para montar essas cestas básicas, que às vezes eram distribuídas diariamente.
Enquanto grupo musical, só conseguimos manter as apresentações em lives. Nos apresentamos muito nas lives de alguns projetos e parceiros. A gente se encontrava somente naquele momento e depois era cada uma para a sua casa. Agora com o avanço da vacinação temos voltado aos poucos com as apresentações e ensaios, sempre juntas, mas também com cuidado porque a pandemia não acabou!
Nonada — Em Kiribasáwa Yúri Yí-Itá (A Força Que Vem das Águas), nome do EP e da música que abre o álbum, vocês falam sobre as lutas e a resistência das Suraras. Hoje qual tem sido a maior luta do grupo agora?
Luiara Borari — Se a PL490, que se refere a tese do Marco Temporal, for aceita vai ser um baque horrível para nós e todos os povos indígenas. A nossa natureza é tudo pra gente e não queremos perder isso. Nunca. É preciso que as pessoas não-indígenas vejam o quanto a Amazônia, no caso das Suraras, e a natureza são importantes pra gente.
Além disso, recentemente fomos para a segunda edição da Marcha das Mulheres Indígenas, foi a primeira vez que eu participei. Fizemos vaquinhas e várias atividades para arrecadar recursos para irmos para a marcha. Contamos com a ajuda de muitas pessoas! Muita gratidão pra quem pode ajudar a gente. Lá encontramos outros parentes e podemos ver de perto as suas lutas. Infelizmente sofremos um pouco ao nos depararmos com bolsonaristas também. Apesar disso, foi muito bom.
Nonada — O que vocês têm planejado para o futuro da carreira musical?
Luiara Borari — Recentemente lançamos o videoclipe de “Batuque de Alter”, contemplado pela Lei Aldir Blanc Pará. Ela é de autoria da Carol Arara, que é a nossa cantora e tem uma bela voz. Nessa música falamos sobre o empoderamento da mulher na dança, pois é um carimbó que a mulher pode dançar facilmente sozinha e ser livre.
Mas agora a gente ainda não tem nada definido. Temos em mente algumas coisas, principalmente a produção de outro clipes do nosso EP. Só que pra isso precisamos de fundos e recursos para colocar em prática essas e outras produções. Estamos conversando e vendo o que é possível!
*Jornalista e Amazônida. Colaboradora do @favelaempauta e cofundadora da @abareescola