Artigo: Novo Código da Megamineração ameaça comunidades tradicionais

Por entidades socioambientais*
Foto: Fundação Luterana de Diaconia

Entidades defensoras da biodiversidade do Pampa publicaram nesta terça (30) um manifesto contra o Novo Código da Mineração, que tramita na Câmara dos Deputados. Em reportagem especial publicada pelo #Colabora, o Nonada mostrou que diversos projetos de mineração em andamento no bioma pampa podem afetar a biodiversidade e as comunidade tradicionais (quilombolas e pecuaristas familiares). A equipe foi até a região de Lavras do Sul para mostrar um dos principais projetos de mineração na área.

Em andamento desde 2015, o projeto da empresa Águia Fertilizantes impactará diretamente 60 famílias na região de Três Estradas, a 400 Km de Porto Alegre, que integra áreas rurais de Lavras do Sul e de Dom Pedrito. Comunidades rurais e de pecuaristas familiares, além do distrito de Torquato Severo, pertencente a Dom Pedrito, estão na zona de impacto direto, o que tem gerado questionamentos de grupos socioambientais da sociedade civil.

Com um investimento de mais de R$ 400 milhões, a mineradora prevê a construção de uma barragem de calcário e outra de água, além de planta para beneficiamento, operação que deve durar 63 anos no total. Uma ação civil publica ajuizada pelo Ministério Público Federal pede o cancelamento da licença prévia concedida ao projeto.

Confira o manifesto das entidades:

Carta aberta: Alerta sobre os perigos do Novo Código da Mineração

Queremos, através desta carta, alertar a população brasileira para o grande risco que estamos correndo diante do Projeto de Código da Mineração da relatora Greice Elias, do Avante (MG). Esse projeto, que não foi discutido com a sociedade civil, propõe que a mineração seja entendida como essencial à vida humana e de utilidade pública, facilitando sua prática no país.

Entendemos que o Novo Código da Mineração é bastante problemático, se apresenta como um infame muro que se constrói entre a sociedade e seu direito à um meio ambiente sadio, tendo como maiores pontos de atenção:

  • Flexibilização da fiscalização das atividades minerárias pela Agência Nacional de Mineração (ANM), criando uma “aprovação tácita” dos empreendimentos caso a agência não se manifeste em 180 dias;
  • Dispensa de licença ambiental para as atividades de pesquisa mineral que sejam genericamente definidas como destituídas de impacto ambiental;
  • Limitação do poder de Estados e Municípios de aceitar ou não projetos minerários em seus territórios;
  • Impossibilidade de demarcação de Unidades de Conservação, áreas de proteção ambiental, tombamentos e outras demarcações como Terras Indígenas, Comunidades Quilombolas e Assentamentos de Reforma Agrária, que sejam impeditivos à mineração nas regiões visadas pelas empresas.
  • Legalização do garimpo, tornando o garimpeiro um Microempreendedor Individual (MEI) e isentando de licença ambiental a concessão da Permissão de Lavra Garimpeira.
  • Ausência de punição para mineradoras e garimpeiros, não prevendo a perda do título quando for utilizado trabalho análogo à escravidão, trabalho degradante e/ou trabalho infantil e, outras infrações como sonegação de informações para pagar menos impostos, operação intencional fora da área de concessão e quando não se cumprirem os determinantes ambientais.
  • Não aumento da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), um dos únicos impostos pago pelas mineradoras e que é um dos mais baixos entre os países minerários.

Diante disso, vemos que a proposta de mudança do Código reflete apenas os interesses do setor mineral e não agrega as necessidades da sociedade brasileira de proteção dos seus direitos e do meio ambiente. Corrobora com os interesses de empresas transnacionais e seus megaprojetos de mineração, incluindo mineração à céu aberto, que tem afetado diversos territórios na Pampa, no Cerrado, na Amazônia e em diversos países da América Latina, além de garantir a continuidade do garimpo, que já demonstrou ser extremamente danoso para os ecossistemas, para as águas e para a saúde da população. Esses projetos são de MORTE e não de vida.

Não queremos que desastres como os de Brumadinho e de Mariana se propaguem pelo país. Nossos biomas estão em risco, nossa saúde está em risco, os modos de vida de populações tradicionais estão em risco. Deste modo, colocar a mineração como “atividade de utilidade pública, de interesse social, de interesse nacional e essencial à vida humana”, torna-se irresponsável e ilegítimo. Uma forma equivocada de conceber o desenvolvimento. Os desastres ambientais vividos no país mostram o quanto a mineração é nociva a qualquer forma de produção das condições materiais de vida dos grupos sociais afetados.

Devastadora de territórios, memória social, conhecimentos tradicionais e projetos de futuro de comunidades inteiras, compromete água, alimentação, produção, redes de cuidado e processos identitários de diferentes gerações. Sobretudo, retira perspectivas de crianças e jovens, ou seja, das futuras gerações. Quem defende Megaprojetos de Mineração, não vive nestes territórios, não sente o impacto de morte na sua vida e na vida dos seus. É sabido que impactos sociais e econômicos não são sentidos da mesma forma por todas e todos: a dor dos megaprojetos tem rosto, cor e gênero. A Frente “Elas na Luta contra a Megamineração” vem discutindo, de modo particular, como as mulheres dos diferentes grupos sociais são afetadas por esses projetos de morte. Suas rendas são destituídas, suas famílias deslocadas, seus filhos e filhas veem-se com dificuldades de adaptação escolar, suas autonomias (em todas as esferas do cotidiano) são arrancadas. Isso não lhes têm conferido melhoria de vida. É desumano que o Congresso Nacional venha a compactuar com o discurso posto neste Código.

Não aceitamos esse retrocesso. Há uma trajetória de construção de legislações e normas que, a duras penas, têm tentado estabelecer um conjunto de procedimentos para garantir o mínimo de segurança dos empreendimentos minerários (e outros que possam ter impacto ambiental). Esta nova proposta renega todo este processo. O Estado precisa aperfeiçoar o controle em relação à mineração, e não diminuí-lo.

Utilidade pública é a VIDA, interesse social é a saúde de nossa população, a proteção dos nossos ecossistemas e dos nossos direitos.

ATENÇÃO: Entre em contato com os deputados e as deputadas federais e pergunte se no próximo dia 01/12/2021 eles votarão a favor da vida ou a favor dos interesses de empresas da megamineração. A nossa lida ou a deles? Estamos atentas(os) e em luta!

Frente Elas na Luta contra a Megamineração na Pampa
Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente – APEDeMA-RS
Associação Amigos do Gomeral (AAG)
Associação Terceira Via
Comitê de Combate à Megamineração no RS – CCM
Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade – TEMAS/UFRGS
Sesunipampa – Seção Sindical dos Docentes da Unipampa
EcoLavras Bioma Pampa
Movimento Roessler para Defesa Ambiental
AIPAN – Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural
Instituto Mira-Serra
União Protetora do Ambiente Natural – UPAN
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN
Instituto Econsciencia
Centro de Estudos Ambientais – CEA
DESMA/UFRGS – Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica
Grupo de Pesquisa Tuna: gênero, educação e diferença – Unipampa/CNPq
Curso de Educação do Campo – Unipampa/Campus Dom Pedrito

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